Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Qual é o Judiciário que a sociedade deseja, afinal?

Herbert Carneiro
Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis/MG) e desembargador do TJMG


Qual é o Judiciário que a sociedade deseja, afinal?


Algumas pessoas de outros setores e do próprio Judiciário crucificam, sistematicamente, a magistratura, em intervenções midiáticas de quem parece só buscar o aplauso fácil. Mas que, por outro lado, não fazem qualquer esforço para colocar a proposta de reforma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) no Congresso Nacional, onde o debate deve ser aberto a toda a sociedade, inclusive aos magistrados.


Talvez, atendendo aos consecutivos apelos da magistratura, ou por outras razões, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, decidiu formar nova comissão para elaboração do estatuto da magistratura a ser encaminhado ao Congresso Nacional.


Informações infundadas e inverídicas atribuem o atraso de mais de 25 anos nessa reforma ao que chamam de ‘forte reação corporativa’. Ao contrário, nesse mesmo período, a magistratura brasileira, por meio de suas associações de classe, sempre defendeu, pública e permanentemente, a revisão do atual estatuto, imposto pela ditadura, em 79.


Por meio desse debate, no Congresso Nacional, podemos e devemos discutir, aberta e honestamente, o Judiciário que a sociedade deseja. Não somos contra a discussão das férias de 60 dias por corporativismo, mas, em nome da saudável e democrática defesa dos interesses de uma categoria, seria oportuno discutir quais seriam nossos deveres, direitos, vencimentos, benefícios, conquistados ou não, desde que, sempre, amparados na Constituição.


Com a nova Loman, estará em discussão o problema das chamadas ‘morosidade e ineficiência’ do Poder Judiciário, analisando, por exemplo, a razão pela qual milhões de sentenças dadas na 1ª instância são acompanhadas de igual ou superior número de recursos, adotados constitucionalmente por advogados e promotores, contra as mesmas decisões. E que, depois de julgadas em 2ª, ainda são levadas à 3ª e 4ª instâncias.


No Brasil, é histórico, só conferem valor à Justiça após a 4ª instância em total desfavor às decisões do 1º, 2º e até do 3º graus. Igualmente, tornou-se normal e republicano, neste País, o fato de o Poder Executivo, em função de um projeto de governo, ignorar a autonomia constitucional de outro Poder (Judiciário), sob a conivência de um terceiro (Legislativo), na hora de votar o Orçamento da União.


Que Judiciário queremos, afinal? Nós, juízes e desembargadores, não temos apego a leis anacrônicas e continuaremos a defender um novo e urgente estatuto da magistratura que defina os nossos deveres e direitos pautados na Constituição e na redemocratização do País e do próprio Judiciário.


Defendemos um estatuto que estabeleça a carga processual de cada magistrado, sua jornada de trabalho, o número de juízes por habitante, o tamanho das férias e as condições de trabalho e de segurança dignas que preservem a vida de quem, muitas vezes, tem que contrariar grandes e poderosos interesses e, frequentemente, enfrentar o crime organizado.


Juízes ainda não têm hora para começar e terminar o trabalho e não deveriam deixar para o dia seguinte aquele pedido de habeas corpus, que chegou depois do expediente, de quem foi preso, talvez, injustamente ou sem provas. Nem ignorar a concessão de um mandado de prisão, por flagrante delito, para membro do crime organizado. Muito menos deixar para amanhã uma decisão para alguém que carece de uma urgente intervenção cirúrgica.


Tabu é não querer discutir e reconhecer essa realidade. Em vez disso, reduzem o debate ao comparar benefícios amparados em leis, como as férias de dois períodos, a privilégios e regalias, jogando-os na vala comum das piores anomalias nacionais.


Senhores ministros e senhores parlamentares, os magistrados estão prontos e dispostos a participar desse debate, que deve envolver toda a sociedade, na construção do futuro do Judiciário, sob a égide da cidadania e do estado democrático de direito.