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130 municípios goianos sem delegados

Em Bonfinópolis, população conta com delegacia, mas sem delegado há cerca de 10 anos. Pedidos de investigação vão para Senador Canedo. Foto: Diomício Gomes Em Bonfinópolis, população conta com delegacia, mas sem delegado há cerca de 10 anos. Pedidos de investigação vão para Senador Canedo. Foto: Diomício Gomes

Déficit gira em torno de 2,9 mil policiais. Desde 2010, órgão ganhou 1.161 profissionais, mas perdeu 861




Bonfinópolis, cidade com 8,5 mil habitantes a 36 quilômetros de Goiânia, foi emancipada de Leopoldo de Bulhões há 26 anos. Nesse período, chegou a contar com delegado, agentes e escrivães da Polícia Civil. Mas isso foi até 10 anos atrás. Depois disso, pela falta de profissionais, ficou apenas a estrutura da delegacia abandonada. Atualmente, o responsável pelas investigações policiais na cidade é o delegado de Leopoldo de Bulhões, apesar de o registro das ocorrências ser em Senador Canedo.


Problema como o de Bonfinópolis - que conta com delegacia, mas não tem delegados próprios - se repete em outras 129 cidades em Goiás, segundo a Associação dos Delegados de Polícia de Goiás (Adpego). Para alguns locais ainda estão designados um agente ou um escrivão que passam o dia na unidade, como em Cachoeira Alta, a 360 quilômetros de Goiânia, na Região Sul de Goiás. Por lá, há apenas um escrivão que atua boa parte do tempo sozinho. Não há nenhum agente de polícia e um delegado de Quirinópolis faz a visita semanal à cidade.


Atualmente, o déficit da Polícia Civil gira em torno de 2,9 mil profissionais. Nos últimos cinco anos e meio, tomaram posse 1.161 policiais, entre delegado, agentes e escrivães. Mas no mesmo período 824 deixaram a corporação, considerando aposentadorias, exonerações e demissões. E 37 policiais morreram desde 2010. Ou seja, em cinco anos o déficit da Polícia Civil foi reduzido em apenas 300 policiais.


“Bagunça”


Em Bonfinópolis, o administrador Luiz Carlos Faleiro afirma que a população tem percebido aumento dos índices de violência, especialmente em relação a roubos a comércios, residências e transeuntes. “Aqui é uma bagunça, porque a comarca é de Leopoldo de Bulhões, as estatísticas vão para Anápolis, a viatura da Polícia Militar é de Senador Canedo e a delegacia que responde já foi em Goiânia”, conta. Em 2013, foram cinco homicídios na cidade.


Em Cachoeira Alta, município com cerca de 12 mil habitantes, o fato sobrecarrega as investigações. Neste ano, um homicídio foi registrado sem que o delegado estivesse no município. Assim, é necessário a ida urgente e a investigação fica comprometida, com o delegado obrigado a cuidar de dois locais ao mesmo tempo. Ou seja, se o delegado está em uma cidade, há algum crime sem registro ou com falhas na investigação no outro município.


O problema se espalha em todas as regiões do Estado. Campos Verdes, a 314 quilômetros de Goiânia, na Região Norte do Estado, é outra cidade sem qualquer policial, enquanto a cidade vizinha - Santa Terezinha - possui apenas um policial. Até pouco tempo, a central de flagrantes da delegacia de polícia de Trindade, na região metropolitana da capital, não tinha um delegado. Apenas um escrivão ficava no local, com o serviço que não era de sua responsabilidade, com delegados se dividindo em outras funções para dar conta de todos os serviços demandados.


O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Góiás (Adpego), Waldson de Paula Ribeiro, afirma que casos como esses são comuns e que sobrecarregam a função. Delegados ouvidos pelo POPULAR sob a condição de anonimato contam que é feito o possível, mas quase nunca o necessário. Em situações de férias ou licenças, por exemplo, um delegado chega a acumular o serviço de duas ou três comarcas, o que significa pelo menos dez municípios.


deficit-permanenteTrabalho


Essa falta de reposição afeta diretamente o trabalho diário nas delegacias de polícia. No 1º Distrito de Polícia de Goiânia, por exemplo, o maior de Goiás, por cobrir uma área extensa da capital, conta com apenas 3 delegados, 7 escrivães e 12 agentes de polícia. O caso se agrava quando se avalia a situação do interior do Estado. É bastante comum delegados atuarem em mais de uma comarca ao mesmo tempo, fazendo “visitas” semanais a delegacias de cidades próximas às quais atua.


Vice-presidente da União Goiana dos Policiais Civis (Ugopoci), José Virgílio Dias de Sousa, relata que diversos outros distritos policiais da capital possuem apenas uma equipe, composta com 1 delegado, 2 agentes e 1 escrivão. “Com exceção das centrais de flagrante, hoje em dia, praticamente todos os locais, aqui e no interior, sofrem com esse problema.” Sousa lembra ainda que, mensalmente, há a saída de pelo menos 10% do quantitativo dos profissionais em razão de férias ou licenças médicas.


Interferência


As investigações são diretamente afetadas, já que não há profissionais suficientes para que os casos sejam investigados. O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Goiás (Sinpol), Paulo Sérgio Alves de Araújo, cita o exemplo da prisão do serial killer no ano passado para ilustrar a situação. Na ocasião, foi criada uma força-tarefa para que os crimes fossem investigados. Pouco mais de três meses após a criação, o suspeito foi preso. “Os policiais civis viram despachantes da Polícia Militar. As investigações ficam paradas”, conclui Paulo Sérgio.


Delegados apontam para risco de subnotificação






Delegados ouvidos pelo POPULAR em todas as 17 regionais do Estado relatam que há grande dificuldade em todo ano e revelam ser possível que ocorra uma subnotificação dos crimes nas cidades do interior, já que a população deixa de registrar roubos e furtos, por exemplo, pela dificuldade em se deslocar. Isso reflete no planejamento e financiamento da segurança pública em todo o Estado e, especialmente, no município.

O vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), Diogo Borges Naves, explica que certamente deve ocorrer subnotificação, ainda mais em casos de furtos de objetos, como de celulares. Se dentro de Goiânia, por exemplo, já há casos em que as vítimas deixam de ir até a delegacia do bairro para fazer o registro, isso é aumentado ainda mais nos casos em que se tem de esperar um dia até que o delegado chegue na cidade ou mesmo ter que viajar ao município vizinho apenas para o registro, sabendo da dificuldade de investigação.

O déficit na Polícia Civil, segundo Naves, deixa o cenário da segurança pública nebuloso. Isto porque os crimes registrados se tornam apenas estatísticas, sem que a Justiça seja estabelecida a partir de uma processo formal de investigação.

Sem folga

O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Góiás (Adpego), Waldson de Paula Ribeiro diz que esse acúmulo interfere inclusive nos direitos trabalhistas.

“É muito difícil para a corporação conceder a esses profissionais férias, ou licenças prêmios, pois não tem quem substituí-los. E isso não acontece somente no interior”, avalia.

Vice-presidente da União Goiana dos Policiais Civis (Ugopoci), José Virgílio Dias de Sousa, conta que na capital a Polícia Civil estariam utilizando horas extraordinárias, fazendo com que policiais trabalhem em suas folgas.

Já nas cidade do interior do Estado, a tentativa de diminuir os efeitos do déficit de profissionais é a utilização da “escala ao alcance”, que consiste no agente, escrivão e delegado ficarem em casa nos finais de semana ou folga, mas à disposição. Quando há uma ocorrência nas cidades da comarca em que atuam, eles devem se deslocar.
Direção diz que mais 1 mil “daria fôlego”

A direção da Polícia Civil reconhece um déficit de profissionais em torno de 2,7 mil atualmente, mas afirma que com a contratação de mais 1 mil policiais conseguiria “dar fôlego” às investigações. De acordo com o assessor de comunicação da Polícia Civil, o delegado Norton Luiz Ferreira, nenhum inquérito deixa de ser aberto e nenhum caso deixa de ser investigado por causa da falta de policiais, mas admite atraso nas investigações. “Todas as investigações acontecem, mas elas sofrem com atrasos. A direção da Polícia Civil percebe um esforço dos policiais para se desdobrarem no serviço por conta desse déficit”, disse.





Ainda segundo o delegado, já há autorização para mais um concurso para policiais civis, mas sem detalhes de número de vagas e prazos.

De acordo com a direção da Polícia Civil, as cidades que não contam com policiais civis são aquelas com índices menores de crimes. O assessor do órgão ressalta, como exemplo, que 101 municípios não tiveram registro de homicídios neste ano. “A redução de crimes registrada neste primeiro semestre mostra que o trabalho das polícias está sendo realizado”, comentou Norton.

A direção da Polícia Civil diz que o déficit atual pela legislação é de 2.748 policiai, pois existem 409 profissionais que fazem parte do quadro da Polícia Civil, mas seus cargos já foram extintos, como o de escrevente. “Estão extintos a vagar; quando os servidores saírem a vaga será fechada”, explica.


Fonte: Eduardo Pinheiro / Vandré Abreu / Márcio Leijoto | Jornal O Popular