Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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A magistratura como agente de transformação social


Na semana em que a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO) se prepara para a 11ª edição do Congresso Goiano da Magistratura, o portal da entidade na internet traz uma entrevista com o conselheiro, Diretor de Comunicação – licenciado para funções no Conselho Deliberativo – e coordenador-executivo do congresso, juiz André Reis Lacerda sobre o tema central desta edição: Ativismo Judicial – Contornos Constitucionais. O magistrado aborda na entrevista o conceito de Ativismo Judicial e analisa as várias interpretações existentes dentro e fora do Judiciário em relação à postura do juiz frente às novas demandas sociais. “Na medida em que o Poder Judiciário fundamenta adequadamente suas decisões com base em uma razão pública perfeitamente controlável por um sistema de recursos e leva em consideração os argumentos das partes com respeito ao devido processo legal, age com legitimidade”, afirma o magistrado, na entrevista. “Agindo com transparência e divulgação de todos os seus atos para a população conhecer seu trabalho, seja pela mídia em geral, permitindo o acesso do cidadão às sessões, ou até transmitindo ao vivo os julgamentos do Supremo, ganha em legitimidade”, acentua. O 11º Congresso Goiano da Magistratura será realizado nos dias 25 e 26 de outubro, em Goiânia. Confira aqui a programação completa do evento e abaixo a íntegra da entrevista com o juiz André Reis Lacerda.


O que é ativismo judicial e por que o assunto foi escolhido como tema do 11º Congresso Goiano da Magistratura?


JUIZ ANDRÉ LACERDA – O ativismo judicial, de forma simplificada, significa uma tendência pró-ativa da magistratura, que assume, deliberadamente, uma postura de agente de transformação social. Isto, seja na interpretação mais alargada dos preceitos constitucionais, sempre com vistas à sua concretização, seja com posturas deliberadas de expansão da zona de influência do Poder Judiciário, sobretudo face à inércia dos demais Poderes. A título de exemplo, há várias decisões do Supremo Tribunal Federal, como as que julgaram os limites de atuação constitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito ou sobre a validade da Lei da Ficha Limpa. O tema foi escolhido para esta edição do congresso porque trata de questão das mais relevantes, que é a discussão dos limites da decisão e postura social judiciais. Além do mais, a despeito de se tratar de uma questão debatida há cerca de um século na doutrina internacional, sua importância tem crescido sobremaneira no Brasil, juntamente com a cultura de conscientização constitucional e de judicialização de todos os tipos de problemas sociais – o que tem gerado um incremento considerável de demandas ao Judiciário e uma intervenção cada vez mais efetiva da Justiça no cumprimento de sua missão.


Quais as diferenças mais significativas entre judicialização da política e ativismo judicial?


JUIZ ANDRÉ LACERDA – A judicialização da política pressupõe que temas antes tidos como próprios da “política majoritária” - ou seja, questões anteriormente resolvidas apenas no âmbito dos Poderes eleitos por sufrágio universal - passaram a ser decididos nas Cortes. Entretanto, a judicialização da política depende do desenho institucional encontrado no nosso ordenamento constitucional, das competências atribuídas ao Judiciário e na própria Constituição. Demandas que a ele acorrem devem ser decididas – até mesmo pelo princípio da inafastabilidade da apreciação judicial (art.5º XXXV). Já, por outro prisma, o ativismo pressupõe uma participação intensa e voluntária do Poder Judiciário ao decidir de determinada forma que implique o alargamento de suas funções. Para o professor Luís Roberto Barroso (UERJ), posturas ativistas podem representar-se por: “aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independente de manifestação do legislador ordinário; declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; imposição de condutas ou abstenções ao Poder Público, notadamente em matérias de políticas públicas.” Daí, em resumo: judicialização da política representa um fenômeno natural, decorrente do sistema. O ativismo seria uma escolha quanto à forma de atuação por parte da magistratura.


Alguns doutrinadores intitulam o ativismo como afronta à democracia. Qual sua posição sobre isto?


JUIZ ANDRÉ LACERDA – Não vejo o ativismo judicial como afronta à democracia. Criamos uma cultura arraigada de que democracia significa, necessariamente, escolha de representantes por meio da eleição ordinária com base no princípio da maioria. Democracia não é só isto. O Estado Democrático de Direito pressupõe a conformação de toda autoridade com as normas constitucionais, a defesa de direitos de maiorias e minorias não circunstanciais e participação popular. O papel e atribuições do Judiciário estão balizados na Constituição que foi votada em Assembleia Constituinte pelo Parlamento. De outro lado, a Justiça, por vezes, precisa realizar um papel “contra-majoritário”, de defesa de direitos fundamentais ante interesses políticos e econômicos de plantão em detrimento de um interesse público genuíno. Isso só é possível justamente porque juízes são alçados a seus cargos por meio de concurso público com prerrogativas como inamovibilidade e vitaliciedade – daí decorrendo sua independência. Assim, numa visão panorâmica, a atividade judicial, mesmo que em postura denominada como ativista, é imprescindível, até mesmo para garantir as “pré-condições” da democracia.


Então, o que legitimaria democraticamente a jurisdição constitucional e o ativismo judicial, já que os membros do Judiciário não são eleitos pelo povo?


JUIZ ANDRÉ LACERDA – Além dos argumentos acima, que são decorrentes do modelo institucional que nosso ordenamento constitucional adotou, o que legitima democraticamente tanto a jurisdição constitucional como o próprio ativismo são a participação popular em si e a prestação de contas. Considero que legitimidade significa correspondência com um sentimento social, credibilidade, aval coletivo, confiança e adequação com as próprias 'regras do jogo'. Na medida em que o Poder Judiciário fundamenta adequadamente suas decisões com base em uma razão pública perfeitamente controlável por um sistema de recursos e leva em consideração os argumentos das partes com respeito ao devido processo legal, age com legitimidade. Agindo com transparência e divulgação de todos os seus atos para a população conhecer seu trabalho, seja pela mídia em geral, permitindo o acesso do cidadão às sessões ou até transmitindo ao vivo os julgamentos do Supremo, ganha em legitimidade. E sem a conotação populista que poderia decorrer da dependência da manutenção no Poder por meio do voto. E, sobretudo, quando o Judiciário chama a população para ser parte da solução de seus próprios problemas em movimentos conciliatórios, realiza audiências públicas para ouvir a população em temas que tenham repercussão sistêmica e geral, ou mesmo quando, individualmente ou de forma institucional, se engaja proativamente em campanhas sociais, educativas de conscientização e promoção de direitos entendo que o juiz está atuando com o ativismo que a sociedade espera dele.