Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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“A população encontrou no Judiciário uma nova arena para as lutas sociais”, diz professor da ESMEG em curso sobre ativismo judicial

curso ativismo judicial escola magistratura goias41 Professor José Ricardo Cunha

Casos concretos, conceitos, perspectivas históricas e efeitos sociais do ativismo judicial foram temas de curso ministrado pelo professor José Ricardo Cunha, da UERJ, a magistrados goianos


Sessenta magistrados goianos participaram, nesta sexta-feira (13), do curso Ativismo Judicial – Limites e Possibilidades, ministrado pelo professor José Ricardo Cunha, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Juízes da capital e do interior discutiram casos concretos e se debruçaram sobre aspectos históricos em torno tanto da judicialização da política quanto do ativismo judicial. “Na Vara de Família, me deparo constantemente com situações como os pedidos de internação compulsória que, muitas vezes, exigem uma ação do juiz para além da previsão legal”, destaca a juíza Lígia Nunes, da comarca de Goiânia, uma das participantes do curso. A diretora da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, ao lado do juiz Thiago Castelliano, coordenador de Marketing e Imagem da ESMEG, abriram o curso. O professor José Ricardo Cunha conversou com a equipe de Comunicação da ESMEG sobre esse palpitante tema que gera discussões dentro e fora das escolas de Direito. Confira os principais trechos da entrevista.


Os conceitos de judicialização da política e ativismo judicial estão próximos mas não querem dizer a mesma coisa. O que caracteriza um e outro?
Judicialização da política e ativismo judicial são conceitos correlatos mas não querem dizer o mesmo. O protagonismo do Judiciário em decisões envolvendo questões socialmente relevantes, nas últimas décadas, é um exemplo de judicialização da política. Sejam estas questões de caráter político, econômico, cultural. Isso ocorre muito em função das constituições européias do pós-guerra. Depois da segunda guerra mundial, o processo de reconstrução política passou pelas constituições maiores, as constituições analíticas e de pautas mais extensas. Elas transformaram lutas sociais em direitos subjetivos. E se o que era luta social vira direito subjetivo, isso significa que eu tenho uma nova arena para buscar os meus direitos, que é a arena judiciária. Essa transformação foi primordial para colocar o Judiciário no centro do processo decisório. E o que aconteceu na Europa depois da segunda guerra aconteceu na América Latina depois do período das ditaduras militares, no final da década de 1980.


E o que podemos, então, caracterizar como ativismo?
O ativismo ocorre quando um juiz ou um tribunal vai, por uma certa frequência de decisões, ampliando as suas próprias competências. Ou seja, ele vai além do que já está previsto no próprio ordenamento jurídico. Em alguns casos, até, sua decisão vai de encontro ao que está previsto na lei. Assim, o ativismo tem menos a ver com os assuntos e mais a ver com a forma de decidir. Por exemplo: se o Superior Tribunal Eleitoral está discutindo a quantidade de parlamentares que cada Estado pode ter, isso é ativismo? Não necessariamente. Dependerá da maneira como ele decidir. O ativismo tem a ver com decisões que são muito criativas, que produzem interpretações mais extensivas da lei.


E que aspectos negativos os estudiosos do ativismo elencam para esse fenômeno?
Os analistas vão dizer que os aspectos negativos do ativismo estão distribuídos em grupos diferentes de coisas. O primeiro seria o risco de enfraquecimento dos poderes eleitos. Na medida em que a população identifica que o Poder Judiciário, pela sua maneira de agir, é que vai assegurar determinados direitos, a populacão tende a não se preocupar mais em quem ela vai votar. O cidadão pensa: por que eu vou escolher o prefeito da minha cidade se no final das contas é o juiz da minha comarca quem vai decidir minha vida? Outro risco tem a ver com o próprio Poder Judiciário. Teme-se que este seja transformado numa espécie de balcão, onde as pessoas recorrem quase como se fosse aquele serviço social dos órgãos da prefeitura ou do Estado. Essa “balconizacão do Poder Judiciário” tem duas consequências imediatas: a primeira é que ela cria uma espécie de relação clientelista entre cidadão e Judiciário. E a segunda é que ela aumenta esponencialmente a demanda da Justiça. Um outro risco do ativismo é ele gerar uma desmobilização popular. Os cidadãos podem interpretar que é mais eficaz buscar o Judiciário para conquistar alguma coisa, que se mobilizar. É como se a população fosse transferir para a mão do juiz a sua autonomia. Por fim, um outro risco é a sociedade apostar no juiz ou no tribunal como o seu maior intérprete moral. Ou seja, questões que são moralmente relevantes, difíceis, passaram a ser decididas não por um amplo debate social, mas pelo poder Judiciário. Vide lei de biossegurança, pesquisas com células-tronco, direitos nas uniões homoafetivas.


E quais seriam os aspectos positivos em torno do ativismo judicial?
A atuação do Poder Judiciário supre as lacunas, as omissões dos poderes eleitos. Os legisladores e os administradores são eleitos, mas muitas vezes não enfrentam o tema. Essas lacunas da democracia acabam impedindo que o cidadão exerça seu direito legítimo. Então é bom que, se os agentes eleitos não fazem nada, que o juiz o faça. Outro aspecto positivo é que alguns analistas vão dizer que os movimentos sociais já se deram conta de que o Judiciário é mais uma arena de luta. E é uma arena de luta que às vezes consegue apresentar uma linguagem mais concreta, o que facilita a própria mobilização. É mais fácil, por exemplo, fazer uma reunião do sindicato quando a pauta é: vamos propor uma ação trabalhista para conseguir esses direitos, do que fazer uma reunião do sindicato para discutir a campanha salarial. Ou seja, o processo judicial funciona como elemento catalizador. Outro aspecto positivo é que isso gera um sentimento na população de que a constituição e as leis são para valer, são para se levar a sério. Isso gera um sentimento positivo, uma cultura de cidadania na população, aumenta a autonomia do cidadão.


Esse fenômeno do ativismo judicial exigiu o surgimento de um novo juiz?
O ativismo sempre ocorreu. Juízes do passado também foram ativistas. Essa ideia de ampliar as próprias competências, de ir além do que diz a lei, ter uma interpretação extensiva da lei, sempre aconteceu. Só que no caso do Brasil, isso tinha um viés um pouco mais conservador. O fato é que a magistratura brasileira se renovou nas últimas décadas. E o ativismo, que sempre existiu, passou a ter também um outro perfil, mais progressista. Assim, podemos dizer que temos ativismo de esquerda e de direita.


Essa tensão entre Legislativo e Judiciário tende a aumentar?
Tende a aumentar até que alcance o ponto da acomodação. Porque, no que diz respeito ao Brasil, muito do que se vê de ativismo ainda está ligado às Cortes Superiores. Juízes de primeira instância são menos ativistas mas mergulhados na judicialização da política. Então, a tensão ainda tende a aumentar à medida que esse fenômeno do ativismo judicial for se espalhando na primeira instância.


Fonte: Assessoria de Comunicação da ESMEG | Ampli Comunicação


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