Hoje, no jornal FOLHA DE S. PAULO:
A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) abriu investigação interna para apurar se houve envolvimento de agentes secretos em escutas clandestinas em telefones do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes.
A abertura de sindicância foi motivada por reportagem publicada pela revista "Veja" desta semana, que reproduz uma conversa telefônica de Mendes com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), no dia 15 de julho. Mendes e o senador confirmaram ontem (30) o diálogo.
A "Veja" diz ter obtido a transcrição da conversa das mãos de um agente da Abin --que, por lei, não pode realizar interceptações telefônicas. E atribui o grampo a agentes secretos em associação a investigadores da Polícia Federal.
A PF nega ter feito escuta sem autorização judicial, mas disse que poderá abrir inquérito caso seja comprovado que a conversa reproduzida pela revista é fruto de grampo ilegal.
Ontem, Mendes afirmou que pedirá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a investigação da denúncia de grampo. Segundo a Agência Brasil, Mendes e Lula conversaram por telefone e acertaram um encontro para os próximos dias.
O presidente do STF anunciou que os ministros da Corte terão uma reunião de emergência amanhã (1º) para decidir outras providências a serem tomadas pelo tribunal. "Não se trata apenas de uma ação pessoal, mas contra o presidente de um dos Poderes da República. O STF vai reagir. Parece ser a instauração de um estado policialesco no Brasil", disse Mendes.
Além da abertura da sindicância, a Abin anunciou, em nota, que pedirá ao ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Jorge Félix, que acione a Procuradoria Geral da República e o Ministério da Justiça para a abertura de investigações.
Em depoimento na CPI dos Grampos na Câmara, o diretor da agência, delegado Paulo Lacerda, negou que agentes façam escutas e atribuiu a acusação a uma visão "preconceituosa" e "intolerante" sobre o órgão.
Outras autoridades
De acordo com a "Veja", além de Gilmar Mendes, foram monitoradas ilegalmente outras autoridades dos três Poderes. A revista cita o ministro do STF Marco Aurélio Melo, o chefe-de-gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e José Múcio (Relações Institucionais) e o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), entre outros nomes.
Mendes disse ontem não ter dúvidas de que outras autoridades vêm sendo grampeadas. "É um fato extremamente grave. Estamos vivendo quadro preocupante de crise institucional."
O deputado Demóstenes Torres pediu providências a Garibaldi Alves. De acordo com ele, o presidente do Senado se comprometeu a convocar a Comissão de Controle de Atividade de Inteligência do Congresso para investigar o caso.
O senador disse não ver o "dedo do governo" no suposto grampo, mas, em sua opinião, o episódio mostra o descontrole sobre a Abin. "Há autoridades do governo grampeadas. O que há é um banditismo sem controle que fere definitivamente a harmonia dos Poderes."
Satiagraha
O suposto grampo ilegal do ministro aconteceu uma semana depois de deflagrada a Operação Satiagraha, que prendeu duas vezes o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity. Nas duas ocasiões, o presidente do STF concedeu habeas corpus ao banqueiro, livrando-o da prisão. As decisões foram muito contestadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, mas defendidas por colegas de Mendes no Supremo.
Em 10 de julho, seguranças do tribunal disseram ter encontrado "provável escuta" na sala do assessor-chefe do presidente. O fato alterou a rotina do tribunal, que ordenou a realização de varreduras antigrampo periódicas nos gabinetes de todos os ministros e no plenário.
Em nota, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que "tomará as providências solicitadas pela Abin e pelo Ministério Público", que podem pedir à Polícia Federal a abertura de inquérito policial.
Também em nota, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, qualificou de "intolerável" a denúncia de grampo. Ele pediu "apuração rigorosa e imediata dos fatos e responsabilização penal dos envolvidos neste ato criminoso que afronta o Estado democrático de Direito e fragiliza a credibilidade das instituições do Estado".