Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Ações revisionais emperram Justiça


Fonte: Jornal O Popular


São mais de 140 mil ações deste tipo na Justiça goiana, 99% delas são de financiamento de veículos


Uma em cada dez ações que tramitam na Justiça goiana é para revisão de contratos de financiamento. Destas, estima-se que 99% sejam relativas à aquisição de veículos. Um levantamento feito pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) ao qual O POPULAR teve acesso mostra que só entre ações de consignação, revisionais e de busca e apreensão, tramitavam, em fevereiro, 146.851 ações. O número é maior, já que parte das demandas para reintegração de posse também está inserida nas revisionais. Tramitam hoje no TJ goiano cerca de 1,6 milhão de processos.


O grande número de ações revisionais contribui para tornar a Justiça mais lenta. Ações que correm até o terceiro grau – recurso ao Superior Tribunal de Justiça – demoram, em média, três anos. Grande parte delas realmente foi proposta por pessoas às voltas com contratos lesivos, com juros abusivos, mas há também pessoas que agem de má-fé, buscando se beneficiar com a possibilidade de continuar usando o veículo, depositando em juízo um valor bem abaixo do contratado. O alerta é de representantes do TJ-GO, da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) e do Procon estadual.


Há casos em que o proprietário dá entrada na ação antes mesmo de pagar a primeira parcela do financiamento, logo depois de retirar o veículo da concessionária. O “negócio” avançou de tal forma que chegam à Justiça pedidos em que o advogado esquece de trocar o nome da parte ou da financeira, ao usar a petição padronizada para propor essas ações. Diante do grande volume de pedidos iguais, juízes também têm adotado um padrão de sentença. A situação preocupa quem lida diretamente com ela.


“A demora na tramitação do processo acabou se tornando uma espécie de incentivo involuntário para que as pessoas proponham ainda mais ações do tipo”, reconhece o juiz auxiliar da presidência do TJ-GO Carlos Magno Rocha da Silva. “A justiça que demora não julga direito”, acrescenta. “Existe a cultura do litígio. Às vezes, a pessoa sabe que tem uma chance pequena de ganhar, mas, enquanto a ação não chega ao fim e de posse de uma liminar que permite a ela depositar em juízo um valor menor, ela usufrui do carro por três anos ou mais”, pondera o juiz.


De olho nesse filão, muitos profissionais recorrem a expedientes até condenados por seus órgãos de classe para conseguir clientes. Não é difícil ver placas ou receber panfletos em semáforos oferecendo a possibilidade de reduzir o valor de parcelas de financiamento. Muitas dessas propagandas são feitas por advogados. Houve casos até de falsos advogados, em Goiânia e no interior, fazendo esse tipo de captação. “Os advogados que se valem de agenciadores podem ser representados no Conselho de Ética”, diz o secretário geral da OAB-GO, Júlio Meirelles.


No Procon estadual, o cálculo de financiamento de veículos para propor ação revisional é o segundo mais solicitado, atrás apenas para o de cartão de crédito. “É preciso ter muita cautela antes de contratar um financiamento desses. O ideal seria procurar o órgão de defesa do consumidor antes”, afirma o gerente de Pesquisa e Cálculo do Procon Goiás, Gleidson Tomaz. Quando faz os cálculos para o consumidor, o Procon entrega o laudo pronto para embasar o ajuizamento da ação. “Muita gente precisa disso, às vezes não analisa direito o contrato, mas há também quem age de má-fé”.


ACELERAR


O Tribunal de Justiça de Goiás acerta os detalhes para lançar em julho o Programa Acelerar, que contempla uma série de medidas para tornar mais célere o Judiciário. A redução no tempo de tramitação das ações revisionais – e o consequente enfraquecimento do “incentivo” ao aumento desses pedidos – é um objetivos do programa. “Temos algumas linhas de ação”, informa ao POPULAR o juiz Carlos Magno. Uma delas é o contato direto com os agentes financeiros para que eles tentem resolver essas demandas por meio da conciliação. Um banco investiu nisso com resultados muito bons.


Outra linha de ação é na própria Justiça. Carlos Magno revela que existe até a possibilidade – “menos provável”, adianta – de criação de uma vara especializada em direito bancário. A alternativa que se mostra mais viável é a uniformização do fluxo do processo, reduzindo o tempo de demora para a apreciação das ações no primeiro e no segundo graus. “Um dos maiores motivos de elevação da taxa de congestionamento, em todo o País, são essas ações repetitivas”, justifica. “Não queremos tolher direitos, mas dar uma resposta mais rápida”.


Com 426 mil procedimentos, execução fiscal é outro gargalo


As ações de execução fiscal são outro gargalo da Justiça estadual. Há hoje em tramitação 426.329 ações desse tipo, propostas por prefeituras contra contribuintes inadimplentes, a grande maioria por débitos referentes a Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Só da Prefeitura de Goiânia, são cerca de 300 mil ações de execução fiscal. Cerca de 80% delas têm valor abaixo de 100 reais, revela o juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), Carlos Magno Rocha da Silva. Um levantamento do próprio tribunal mostra que gasta em torno de R$ 2,8 mil com cada processo.


A meta do TJ-GO é reduzir de 300 mil para 40 mil o número de processos de execução fiscal em Goiânia em quatro anos. Para isso, está sendo formatado um acordo com a Prefeitura de Goiânia. Uma das propostas é estabelecer um valor mínimo – 860 reais é um dos números em torno dos quais se trabalha – para propor ações de execução. O TJ-GO também deverá trabalhar em conjunto com o município para executar um programa de conciliação fiscal. “Hoje, todo e qualquer débito fiscal vem para o tribunal. Pretendemos sanar esses equívocos com um acordo de cooperação técnica, que será assinado”, adianta o juiz.


Carlos Magno pondera ainda que é preciso criar a cultura do pagamento de impostos. “Hoje, a maioria dos contribuintes só lembra de pagar IPTU quando vai vender a casa”, observa, acrescentando que o Programa Acelerar terá como objetivo enfrentar o aumento das demandas com inteligência para o diagnóstico correto e a racionalização do trabalho.


No Procon, 80% dos cálculos são de veículos


Dos cálculos feitos pelo Procon Goiás para a possível propositura de ações revisionais, 80% são relativos a financiamentos de veículos e o restante a empréstimos bancários. Quem está decidido a tentar judicialmente reduzir as taxas desse tipo de contrato tem no Procon um importante aliado, já que os técnicos do órgão fazem os cálculos e entregam o laudo pronto para o consumidor. “Recentemente, houve uma mudança na metodologia desses cálculos, o que facilitou a prestação de serviços ao consumidor, já que não há limite ou tabelamento dos juros que podem ser cobrados no País”, destaca o gerente de Pesquisa e Cálculo do Procon Goiás, Gleidson Tomaz.


Apesar de não haver limite, o Código de Defesa do Consumidor preconiza que é preciso haver equilíbrio financeiro entre o banco e o consumidor. Antes, o Banco Central calculava uma média de juros desse tipo de contrato, mas, desde março deste ano, o método mudou, com a descentralização.


TAXAS ESPECÍFICAS


“Não há mais questionamento por usarmos uma taxa única. Agora, temos taxas específicas, por exemplo, para empréstimos de servidores públicos e de aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)”, exemplifica Tomaz. Mais recente, diz ele, é a lei que prevê que o consumidor continuará pagando o mesmo valor e só ao final da ação haverá a definição do valor a ser pago. Se a pessoa pagou a mais, por exemplo, deverá ser ressarcida. “Isso deve desestimular as pessoas que agem de má-fé, que não pagaram nem uma parcela do financiamento e já nos procuram para fazer o cálculo e entrar na Justiça”, acredita o gerente do Procon Goiás.


Advogado aponta motivações


Secretário geral da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Júlio Meirelles analisa que uma série de fatores motivou o aumento no número de ações revisionais de financiamentos nos últimos dez anos no País. O primeiro, avalia, é a conscientização do consumidor sobre os seus direitos. Outra situação, diz ele, é a cobrança abusiva por parte de algumas instituições financeiras. Há também maior oferta de serviços, tanto de financiamento como de assistência jurídica.


O problema ocorre, diz Meirelles, quando a captação é feita de forma irregular, vedada pelos princípios éticos da advocacia, como a distribuição de panfletos. O conselheiro lembra que neste ano houve prisão de falsos advogados em Goiânia e Inhumas a partir da oferta de serviços para reduzir o valor das prestações de financiamentos.