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AMB: Calandra critica resolução do CNJ em artigo

Em artigo publicado pelo jornal Correio Braziliense, na edição desta segunda-feira (25), o presidente da AMB, Nelson Calandra, contesta a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que estabelece novo horário de funcionamento dos Tribunais estaduais. No texto, intitulado "Justiça para quem precisa da Justiça", Calandra apresenta um contraponto à decisão e afirma que esse não é o caminho mais adequado para ampliar o acesso à Justiça no país.


Leia o artigo.


Justiça para quem precisa da Justiça



O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deliberou sobre o horário de funcionamento da Justiça brasileira, determinando que o atendimento seja efetivado das 9h às 18h em todo o território nacional indistintamente. Isso é bom? Na verdade, a medida ganhou aplausos de vários setores, que a entenderam salutar. Quem apoia argumenta que a iniciativa serve para agilizar a prestação jurisdicional, na medida em que, em tese, aumenta a carga de trabalho.


Se essa assertiva fosse levada às últimas consequências, o Judiciário deveria seguir a jornada do juiz e, assim, ter seu horário estendido para 24 horas por dia, todos os dias da semana. Afinal, se há algo que não pode sofrer interrupção é a distribuição da Justiça.


Há pontos que precisam de explicações mais aprofundadas, como se descobrir qual estudo embasou decisão tão importante. Porque nos custa acreditar que uma resolução com efeitos sobre milhões de brasileiros, de norte a sul do país, seja fruto de uma penada, sem o detalhamento de seus efeitos negativos e, mais importante ainda, sem preocupação com os resultados.


Na verdade, se houve esse estudo, os magistrados, maiores interessados na agilização da prestação jurisdicional, foram solenemente esquecidos. Parece óbvio lembrar que o Brasil é uma República Federativa e que a autonomia entre os entes da Federação e os Poderes deve ser respeitada. Ninguém, em sã consciência, é contra mudanças que tragam melhorias para a Justiça. Assim, o mérito da questão é descobrir quais serão os efeitos da resolução para o jurisdicionado e para a Justiça. Dito de maneira mais clara, a resolução aumentará de fato a velocidade na prestação jurisdicional?


Infelizmente, a resposta à indagação é negativa. Estudos sérios, como um do Banco Mundial, revelam que a demora no julgamento dos feitos não está relacionada ao tempo em que o processo fica com o juiz para apreciação. Ao contrário, a causa principal da demora é justamente o movimento dos processos e todas as diligências.


Assim, o que normalmente não pode ser analisado sob o prisma meramente matemático, nesse caso pode ser resumido em simples equação aritmética. X: o número de servidores depois da resolução será o mesmo. Y: o horário de atendimento será ampliado. X Y é igual a menos servidores se dedicando à movimentação cartorária, o que certamente aumentará o acervo de processos. Noutras palavras, a resolução tem grande possibilidade de obter o resultado diametralmente oposto ao pretendido.


O que de fato vai ocorrer é aumentar a sobrecarga dos servidores, já submetidos a condições precárias de trabalho. No limite do absurdo, ver-se-á essas pessoas batendo às portas do Judiciário trabalhista para fazer valer seus direitos e obter uma jornada de trabalho digna.


Há diversas outras razões para que o assunto, no mínimo, comportasse mais debate, como os diferentes fusos horários do Brasil, os hábitos diferenciados de cada região e, principalmente, o planejamento voltado ao futuro do Judiciário, missão precípua do CNJ.


Causa estranheza que, enquanto a maior parte do mundo investe profundamente em modernização e informatização, o Conselho Nacional de Justiça parece apostar no contato pessoal. Quais fundamentos de administração, economia ou transparência foram usados na resolução para retirar servidores de suas funções para os deslocar ao atendimento? A estrutura física do Judiciário é quase em sua totalidade precária e soa como desumano colocar as pessoas em filas intermináveis, sob o inexplicável mantra de que assim se faz transparência e aumenta a produtividade.


Não custa lembrar que o processo, como efetivado na Justiça brasileira, talvez seja a perfeita materialização do conceito de auditoria. De natureza eminentemente pública, o processo é fiscalizado por juiz, partes, advogados, Ministério Público, Corregedoria e CNJ.


O acesso ao Judiciário não será ampliado com o aumento do horário de funcionamento dos fóruns. Apenas teremos mais Justiça quando houver significativos investimentos em qualificação, treinamento e modernização. Qualquer medida que fuja dessas imperiosas necessidades será apenas mais um factoide. E, convenha-se, de factoides e acervo de processos a Justiça já está assoberbada.


NELSON CALANDRA

Presidente da AMB