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Artigo de juiz de Rio Verde publicado no Popular discute papel dos Juizados Especiais

O juiz Ricardo Luiz Nicoli (foto), do 2º Juizado Especial de Rio Verde, assina hoje (27/02) artigo publicado pelo jornal O Popular no qual aponta as deficiências porque passam essas unidades judiciais. Criados com o objetivo de democratizar o acesso à Justiça pelo cidadão, os Juizados Especiais enfrentam hoje toda sorte de problemas. "(...) os Juizados Especiais não conseguem mais processar, de forma célere, os litígios que lhe são apresentados. Tornaram-se vítimas do próprio sucesso, pois os investimentos em infraestrutura e pessoal não acompanharam o aumento das demandas", diz Ricardo Luiz Nicoli em seu artigo.


Confira, a seguir, a íntegra do texto.


Juizados especiais: paixão e morte


Os Juizados Especiais, criados pela Constituição da República de 1988 (inspirados na Lei dos Juizados de Pequenas Causas, Lei nº 7.244/84), foram regulamentados pela Lei nº 9.099/95 e teve como ideia fundamental a facilitação do acesso à Justiça pelo cidadão, especialmente a camada mais humilde da população, por intermédio da gratuidade de seus serviços, da simplicidade dos seus procedimentos, e da maior agilidade na resolução dos conflitos.


Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Justiça Estadual de 1º grau recebe anualmente mais de 15 milhões de novos processos, sendo que, destes, quase 4 milhões são ações protocoladas nos Juizados Especiais (Justiça em Números de 2010). Em Goiás, dos 225.007 novos processos protocolados em 2010 no 1º grau (processos de conhecimento e execução de título extrajudicial), 114.551 foram protocolados nos Juizados Especiais. Isto equivale a mais de 50% de todo o movimento da Justiça Estadual de 1º grau (repetindo: somente processos de conhecimento e execução de título extrajudicial). Nos Estados do Amapá e Rio de Janeiro, o número de ações novas protocoladas nos Juizados Especiais supera os números da justiça comum, isto é, a entrada de processos é maior no Juizado Especial do que na justiça tradicional. Em outros Estados, como Acre e Piauí, o volume de processos novos que ingressa anualmente nos Juizados é quase idêntico ao da justiça comum.


Os dados do CNJ revelam que os Juizados Especiais cumpriram seu objetivo de ampliar o acesso à Justiça, oferecendo uma nova arena judicial para solução rápida de questões simples, comuns, do dia a dia do cidadão, que até então não tinham acolhimento pelas vias tradicionais da Justiça em decorrência da desproporcionalidade entre os custos do processo (tempo, despesas e honorários) e os seus possíveis benefícios.


A experiência foi tão bem sucedida que os Juizados Especiais se transformaram em modelo a ser seguido e remédio para todos os males. É a vitrine do Poder Judiciário. Com isso, começaram a sofrer uma incessante tendência de expansão de sua competência (microempresa, empresa de pequeno porte, Fazenda Pública). Atualmente, vários projetos de lei tramitam no Congresso Nacional visando o alargamento da competência dos Juizados. No interior do Estado de Goiás, os Juizados Especiais estão resolvendo até os casos submetidos à conhecida Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). É claro que esse aumento das competências e essa expressiva quantidade de processos demonstrados nas estatísticas do CNJ – derivado também da confiança da população em uma solução rápida para seus litígios pelo Poder Judiciário –, naturalmente provocou e está provocando uma sobrecarga que tem reflexo direto no tempo de tramitação dos processos – problema mais sentido pela população na Justiça brasileira –, retardando a solução dos litígios.


Em Goiás, essa demora é ainda mais sensível quando os processos chegam ao 2º grau, nas Turmas Recursais. Nessa instância falta tudo. Ela é completamente “virtual” (sem qualquer trocadilho com o processo eletrônico). Não há estrutura material e nem de pessoal. Juízes e servidores acumulam funções. Sacrificam suas atividades nas unidades judiciárias para atender nas Turmas Recursais, ao passo que não atendem a contento nessas porque não podem deixar de atender aquelas, formando um círculo vicioso.


Em outras palavras, os Juizados Especiais não conseguem mais processar, de forma célere, os litígios que lhe são apresentados. Tornaram-se vítimas do próprio sucesso, pois os investimentos em infraestrutura e pessoal não acompanharam o aumento das demandas.


O próprio CNJ identificou esses problemas na estrutura dos Juizados Especiais, tanto que determinou que os Tribunais destinem recursos materiais e de pessoal proporcionais à sua demanda (Recomendação nº 4/2006 e Provimento nº 7/2010). Para não inviabilizá-los, é necessária a definição do quadro de servidores (secretários, escreventes, assistentes) adequada ao número de processos, inclusive nas Turmas Recursais; capacitação e definição de recursos para manutenção e modernização periódica dos equipamentos (principalmente porque o processo eletrônico somente tem eficiência com equipamentos apropriados).


Urge reestruturar os Juizados Especiais, destinando-lhes os investimentos condizentes com a importância e alcance social, sob pena de serem anulados os benefícios que esse sistema proporcionou ao cidadão, levando à morte o segmento do Poder Judiciário mais bem avaliado pelo usuário da justiça.


Ricardo Luiz Nicoli é juiz do 2º Juizado Especial de Rio Verde, mestre em Poder Judiciário pela FGV/RJ