A Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet) criticou a aprovação, pelo Senado, do projeto de lei que enquadra crimes cometidos pela internet. De acordo com a instituição, a lei transfere responsabilidades, como a da investigação, do Estado para a sociedade e vai gerar custos de R$ 14 milhões a R$ 15 milhões por ano para os provedores, só para armazenamento de dados.
No total, o projeto cria 13 novos crimes, com penas que variam de um a três anos de prisão na maioria dos casos. O texto considera crime estelionato e falsificação de dados eletrônicos ou documentos; criação ou divulgação de arquivos com material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes; roubo de senhas de usuários do comércio eletrônico; e divulgação de imagens privadas.
A associação de provedores discorda principalmente do artigo que determina que os provedores devam informar às autoridades, de maneira sigilosa, as denúncias que receberem e que tiverem indícios de crime. O objetivo é ampliar o controle sobre essas práticas na rede. "A função do provedor não é essa. É a polícia quem investiga, não o provedor. Investigar é função do Estado", disse o presidente do conselho diretor executivo da Abranet, Eduardo Parajo.
Para Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio, o artigo pode gerar "denuncismo". "A Constituição veta o sigilo, a regra é a transparência. Qualquer pessoa pode começar a denunciar seus vizinhos, seus amigos, e o provedor é obrigado a reportar. Isso pode levar à criminalização de milhares de pessoas", afirma o professor da FGV. Ele pede à Câmara, que agora vai analisar o assunto, o veto do artigo.
O senador Aloizio Mercadante, autor do parecer sobre o projeto, afirma que as críticas são feitas sem conhecimento das mudanças feitas no texto e do que efetivamente foi aprovado em plenário. Segundo ele, os provedores são obrigados a divulgar apenas as denúncias formais de crime, quando houver indícios. "O provedor não tem papel de fiscalização, não é censor. Não tem que ter esse papel", diz o parlamentar.
Outro ponto de discórdia é o que determina que essas empresas tenham de manter "em ambiente controlado e de segurança", por três anos, os dados de acesso de internet dos clientes, com origem, data e horário. As informações devem ser repassadas às autoridades, mediante pedido judicial.
Para a Abranet, o prazo é exagerado. "A própria Convenção de Budapeste [documento internacional sobre crimes na rede] fala em 90 dias. Na diretiva européia, o prazo máximo é de dois anos. Três anos é além da conta", diz o presidente da Abranet.
Como o texto responsabiliza o "responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público" por esse armazenamento, a Abranet aponta que as empresas terão de criar mecanismos para identificar os funcionários, gerando custos. "No fim das contas, essa responsabilidade foi para a sociedade como um todo. As empresas vão ter que se preparar para ter logs de acesso. Qualquer empresa que tenha uma rede, que permita o uso do computador, terá custos", diz Parajo.
Para o senador Eduardo Azeredo, relator do processo no Senado, os provedores oferecem um "serviço de interesse público" e por isso devem ter certas responsabilidades. "Não há nenhuma novidade nisso. Foram feitas audiências públicas e a Abranet foi ouvida", diz o senador. "É uma responsabilidade. Pedimos que a empresa tenha a responsabilidade de guardar os dados para quando a Justiça determinar". Segundo ele, esses dados ocupam apenas 2 DVDs por ano em um grande provedor.
Azeredo também classifica como "bobagem" a interpretação de seis professores da FGV que indica que o projeto dá margem à criminalização de usuários de internet que baixam e trocam arquivos (músicas, textos e vídeos) sem autorização do titular.
Um dos artigos classifica como crime "acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso". E outro criminaliza "obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível"
Segundo a FGV, o texto dos dois artigos é "amplo demais", incluindo não só as redes de internet, mas também iPods, conversores de TV a cabo ou o desbloqueio de celulares. Lemos, da FGV, classifica o texto como "amplo e vago". Entretanto, para o relator do projeto, o texto é bastante claro. "É bobagem essa coisa de iPhone, de música. Uma leitura equivocada. O texto deixa claro que se trata de [violação de] dados protegidos", diz o Azeredo.
Em 2006, o mesmo projeto havia causado polêmica quando especialistas e provedores de acesso reagiram contra a obrigatoriedade de identificação prévia de internautas. Entretanto, para o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito eletrônico, a aprovação da lei é bastante positiva para o país, na medida em que reforça a legislação atual. "É um passo para fechar buracos na legislação. Nunca vai haver uma lei perfeita, mas é um bom começo. O início de um movimento para regulamentar a internet no Brasil", diz.