O Poder Judiciário deve tomar para si a tarefa de agregar o feitio incerto da democracia ao Direito, impondo, quando necessário, um caráter reestruturador à sociedade, rompendo com a juridicidade tradicional e adaptando-se a novos conceitos, voltados para a garantia e afirmação dos direitos sociais. As palavras emocionadas e carregadas de responsabilidade foram proferidas pelo juiz Carlos Alberto França, substituto do 2º grau, ao tomar posse como desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) na tarde desta segunda-feira (22), no Plenário da Casa. Um dos mais novos juízes de Goiás a assumir o cargo, o magistrado falou sobre o papel constitucional da Justiça como um todo e ressaltou a importância de oferecer à população uma prestação jurisdicional com independência, agilidade e transparência, sem deixar de lado a visão social e humanista. “Ética e técnica, conhecimento jurídico e saber tecnológico, complementado-se a serviço do bem comum”, pontuou, renovando o compromisso com a função e garantindo que continuará o trabalho desenvolvido na magistratura com a mesma disposição dos primeiros anos, sem se curvar à interesses que não estejam ligados à Justiça.
Carlos França relembrou um pouco da sua trajetória profissional e garantiu que a seriedade a lisura sempre pautaram seu trabalho e sua vida pessoal. “Embora não tenha sido meu objetivo primordial alcançar promoções e sim contribuir para a solução ágil dos conflitos e para a pacificação social, como era meu dever, a dúvida não me acompanhou”, destacou. Ao classificar as virtudes da Justiça, o magistrado apontou como primordial o fato de que seu ideal é voltado inteiramente para os outros e deixou um recado à nova geração de juízes: “Dediquem-se, sem receios, à carreira abraçada, lembrando sempre que cada decisão prolatada é um passo na construção da cidadania e na concretização do ideal de Justiça”, enfatizou. Sempre educado e gentil, o novo desembargador disse que o momento é de agradecimento a todos os que o acompanharam na sua jornada ao longo dos anos, entre eles familiares, filhos, colegas de profissão, servidores, advogados promotores, procuradores de Justiça e membros da Corte Especial. Ao fazer um agradecimento especial e carinhoso à mulher Ana Cristina Peternella, subprocuradora-geral de Justiça, o magistrado contou que o relacionamento nasceu dentro do prédio de um fórum, quando ainda era juiz substituto na comarca de Formosa. “Ah minha amada. Meu verso, meu silêncio, minha música. Sem ti, não sou nada. Sou coisa julgada, jogada, sou pedra rolada. A existência sem ti é como olhar para um relógio só com o ponteiro dos minutos. Tu és a hora. És o que dá sentido e direção ao tempo. Minha amiga mais querida”, acentuou, em seu discurso, usando versos do poeta Vinícius de Moraes.
Satisfeito e honrado, o desembargador José Lenar de Melo Bandeira, saudou o novo colega a quem classificou de “altruísta, modelar chefe de família, amigo de todas as horas e magistrado exemplar”. “Vossa excelência é um homem de valor, cuja notoriedade em sua função o trouxe a essa Corte de Justiça para amarrar, em definitivo, sua história pessoal, seu passado, suas escolhas e sua vocação à história, aos anseios e aos valores do Judiciário goiano”, enalteceu.
Ao lembrar o tempo dedicado por Carlos França à magistratura goiana e sem empenho à atividade judicante, Lenar citou o novo desembargador como um dos mais “pacíficos, construtivos e profícuos” diretores de Foro que a capital já teve. “Em seu biênio como 1º juiz corregedor e diretor soube traçar um caminho correto, por onde se escoaram, sem atrito, os problemas. Foi enérgico, mas justo, promoveu a instituição e trabalhou para o crescimento da Justiça. Uniu ao invés de desagregar. Teve calma ao lidar com erros humanos e foi pródigo ao realçar suas virtudes”, elogiou. De acordo com Lenar, neste momento é preciso fazer com que a força do direito prevaleça na nação, tendo a lei como único parâmetro da convivência social. “A Justiça deve funcionar com a mesma imparcialidade diante do opulento e do humilde, do poderoso e do fraco, para que todos sejam submetidos ao mesmo trato e sujeitos aos mesmos critérios”, ponderou.
Os vários desafios e sobressaltos que permeiam o caminho da magistratura, habilitando, assim, Carlos França para o mais alto posto do Tribunal goiano, foram enumerados por Lenar, ao afirmar que o juiz dá vida à norma jurídica, transformando o abstrato em concreto, aplicando a lei à realidade. “No mundo contemporâneo temos que distinguir os que clamam por liberdade para usufruir de seus benefícios, dos que a invocam apenas para destruir a ordem jurídica que preserva a liberdade”, observou.
Sem protocolos
Visivelmente emocionada e fugindo dos protocolos inerentes aos discursos tradicionais, Ana Cristina Peternella esclareceu que o fato de estar representando o Ministério Público de Goiás (MP-GO) na solenidade foi uma feliz coincidência, uma vez que o procurador-geral de Justiça, Eduardo Abdon Moura, tinha um compromisso inadiável no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília. “Assim, numa dessas felizes coincidências que a vida às vezes nos prepara, cá estou com a missão de fazer a saudação aos mais novo integrante desta Corte. A tarefa será, a um só tempo, difícil pela necessidade de controlar a emoção e o orgulho que me assaltam, bem como de não carregar o tom pessoal e intimista, pois ninguém acompanhou com tanta proximidade a carreira que, hoje, é coroada com a ascensão de desembargador. Testemunhei, verdadeiramente, pelo partilhar comum dos nossos destinos, a dedicação ímpar, a vocação natural e o amor sincero do empossando à função judicante ”, explicou, comovida, ao destacar que ao longo dos anos a magistratura sempre foi sua “mais séria concorrente”.
Segundo Ana Cristina, ainda existe um longo caminho a ser trilhado para que seja alcançada a tão almejada justiça social. “A conquista da cidadania plena para a totalidade dos brasileiros ainda depende de muita luta social e este, costumeiramente, desagua no Poder Judiciário. Nesse quadro, a importância não só do Judiciário, mas do sistema de justiça como um todo é inquestionável, pois o conceito de democracia deve tomar por base as instituições e eficiências destas. Devem, portanto, Judiciário, Ministério Público, advocacia e defensoria pública, que logo se tornará realidade em nosso Estado, trabalhar de maneira autônoma e equilibrada, na busca racional pleo ponto balizador das diferentes forças existentes em uma sociedade plural”, asseverou, renovando o compromisso do MP de contribuir para a paz social e o trabalho incansável na consolidação da democracia.
Em seu discurso, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Goiás (OAB-GO), Henrique Tibúrcio Pena, assegurou que para consolidar o acesso pleno à Justiça é preciso torná-la mais próxima do cidadão, como o exemplo desenvolvido no Estado pelo presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), desembargador Paulo Teles. “É preciso num esforço conjunto dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário fazer com que as custas judiciais, a taxa judiciária e a bandeira histórica da OAB estejam ao alcance do cidadão comum, aquele que labuta todos os dias, se sacrifica, que faz com que esse grande Estado siga adiante”, declarou. Dirigindo-se diretamente a Carlos França, o presidente da OAB chamou sua atenção para importância do cargo. “O senhor é, assim como os demais desembargadores desse tribunal, pleo juramento institucional, guardião efetivo do princípio fundamental da democracia e da Justiça. É, ainda com redobrada responsabilidade legítimo representante do povo goiano”, conclamou.
Além do presidente do TJGO, desembargador Paulo Teles, e sua mulher Maria do Socorro Ribeiro Teles, presidente da Organização das Voluntárias do Judiciário (OVJ), familiares do empossando, servidores e público em geral, participaram da prestigiada solenidade várias autoridades como o governador de Goiás, Alcides Rodrigues Filho, vice-governador Ademir Menezes, vereador Anselmo Pereira Sobrinho, vice-presidente da Câmara Municipal de Goiânia, entre outros.
Critérios rigorosos
Escolhido em 25 de outubro pela Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) como novo desembargador da Casa, pelo critério de merecimento, Carlos França sucederá o desembargador Alfredo Abinagem, ex-componente da 2ª Câmara Cível do TJ, que se aposentou em junho, ao completar 70 anos. A escolha do magistrado ocorreu durante sessão administrativa extraordinária da Corte, presidida pelo desembargador Paulo Teles. Foram avaliados nove juízes e Carlos França foi o mais bem colocado, figurando em primeiro lugar na lista.
Para a definição do novo desembargador foram levados em consideração cinco critérios: desempenho, produtividade, presteza, aperfeiçoamento técnico, e conduta, conforme estabelece a Resolução nº 106, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 6 de abril deste ano. A medida dispõe sobre os critérios objetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de Justiça. Em primeiro lugar, Carlos Alberto França alcançou 1.597 pontos, seguido pelos juízes também substitutos do 2º grau Amaral Wilson de Oliveira, com pontuação de 1.592,05, e Maria das Graças Requi, que atingiu 1.563 pontos.
Currículo impecável
Natural de Campina Verde (MG), Carlos França, um dos mais novos magistrados a assumir o cargo de desembargador no Estado, chega ao Tribunal goiano aos 45 anos. De origem humilde, ao mesmo tempo em que ajudava os pais na manutenção da família trabalhando na lavoura e criação de animais bovinos, cursou o ensino primário na escola rural da Fazenda Cruz, zona rural do município de Campina Verde, onde passou a estudar numa escola pública local do ginásio até o 2º grau. Também trabalhou como balconista/atendente em um bar e depois na casa lotérica da cidade até chegar à capital em 1984, onde, com dificuldade, prosseguiu com os estudos até passar no vestibular para Direito na Universidade Federal de Goiás (UFG) no ano seguinte.
O novo desembargador formou-se em 1989 pela UFG, tendo ingressado na magistratura de Goiás em 1990 através de concurso público. Em setembro do mesmo ano, foi nomeado juiz substituto pelo então presidente do TJGO, desembargador Messias Souza Costa, sendo lotado, através do mesmo ato, na comarca de Alto Paraíso. Na sequência, foi promovido titular das comarcas de Alto Paraíso, Planaltina, e Formosa, na época comarcas de 1ª, 2ª e 3ª entrâncias. Nos primeiros cinco anos dedicados à judicatura atuou em regiões carentes e de difícil provimento e respondeu por diversas comarcas localizadas no nordeste goiano como Alvorada do Norte, Posse, Cavalcante e São Domingos.
Em 23 de agosto de 1995 foi removido de Formosa para o 5º Juizado de Pequenas Causas de Goiânia, sendo relotado de imediato para o Juizado da Infância e Juventude da capital. Após dois anos de atuação no referido juizado foi relotado na 6ª Vara Cível de Goiânia, onde permaneceu até 1º de fevereiro de 2007. De 1998 a 2000, Carlos França atuou como membro da Turma Julgadora Cível da capital. Nos períodos em que esteve à frente do juizado e da 6ª Vara Cível foi convocado pelo TJGO para atuar em duas situações complexas: conduzir os trabalhos na Vara de Execuções Penais (VEP), logo após a rebelião do Cepaigo, no primeiro semestre de 1996, e o processo de falência da Encol em 2000.
Dedicação exclusiva à magistratura
Em 1º de fevereiro de 2007, o novo membro da Casa assumiu o cargo de 1º juiz- corregedor e diretor do Foro de Goiânia até 1º de fevereiro de 2009. Após deixar a Diretoria do Foro passou a juiz titular da 11ª Vara Cível de Goiânia. Durante o tempo em que atuou como juiz na capital foi designado diversas vezes para substituir desembargadores na Corte entre eles Byron Seabra Guimarães, Jalles Ferreira da Costa, Kisleu Dias Maciel Filho, Stenka Issac Neto, José Lenar de Melo Bandeira e Leobino Valente Chaves. Em março deste ano foi removido para o cargo de juiz substituto do 2º grau, tendo atuado nesta condição em substituição à desembargadora Amélia Netto Martins de Araújo. Em seguida, passou a responder pelo cargo vago de desembargador surgido com a aposentadoria do desembargador Alfredo Abinagem, que era membro da 2ª Câmara Cível do TJGO. Ele é casado com a procuradora de Justiça Ana Cristina Ribeiro Peternella França com quem teve dois filhos: Guilherme Peternella França e Rafael Peternella França.
Texto: Myrelle Motta
Fotos: Wanger Soares (Veja mais fotos em nossa galeria de imagens)