A conciliação está perto de virar regra em todo o país. E não é apenas no projeto de lei que pretende mudar o Código de Processo Civil, apresentado ao Senado por uma comissão presidida pelo ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça. O Conselho Nacional de Justiça deve tomar a frente e editar uma resolução que uniformizará a prática em todos os tribunais brasileiros. A norma, que está em fase de preparação no Conselho, pode ser publicada entre os próximos dois meses.
As mudanças incluem a implantação dos serviços de mediação e conciliação de modo permanente em primeira e segunda instâncias, e dita as regras para os procedimentos. Hoje apenas estimuladas pelo CNJ, as formas alternativas de solução de conflitos são adotadas com procedimentos diferentes em cada Justiça. Com a resolução, porém, o estímulo vira exigência. Segundo a conselheira Morgana Richa, do CNJ, a resolução pode entrar em vigor até setembro.
“A ideia é ampliar o acesso à Justiça por meio da conciliação, e que o Judiciário induza o jurisdicionado a esse caminho por meio de uma melhor organização”, diz um dos autores da proposta estudada pelo CNJ, o processualista e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kazuo Watanabe. “Solução de conflitos deve ser instrumental, e não alternativa.”
É dele também outra sugestão que pode colocar no mapa as resoluções alternativas de conflitos. Consta da proposta que as soluções de demandas sem sentença passem também a contar como critério de merecimento para promoção na carreira dos magistrados. Hoje, apenas sentenças pesam nas estatísticas. “Acordos pacíficos não geram recursos ou execuções”, defende Watanabe, que também é presidente do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. “Juiz tem que parar de pensar que isso é menos virtuoso.”
A via alternativa é pouco utilizada, na opinião do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso. Em entrevista publicada pela revista Consultor Jurídico nesta quarta-feira (11/8), ele afirma que a sociedade não precisa apenas que o Judiciário julgue rápido os processos, mas que a demanda diminua. “Sentença termina conflito, mas não põe fim a ele”, disse durante evento que presidiu na Associação dos Advogados de São Paulo nesta segunda-feira (9/8), em comemoração ao Dia do Advogado. “Já na conciliação não há vencedor ou vencido”, concordou a conselheira Morgana Richa, que também palestrou.
Peluso sustenta sua afirmação na quantidade de recursos que normalmente se seguem depois das prolações dos juízes. “O número de execuções forçadas de sentença mostra isso”, diz. “Já soluções acordadas têm número irrisório de descumprimentos.”
Na avaliação do corregedor-nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, a quantidade de acordos pode ser maior se as decisões da Justiça também forem mais rápidas. “É melhor um acordo de boa-fé do que uma decisão contrária”, afirmou no evento. Ele acredita que conclusões ágeis empurrarão o fim das demandas para a conciliação.
As soluções pacíficas hoje oferecidas pela Justiça dependem de voluntários. Os Juizados Especiais Cíveis de São Paulo, por exemplo, contam com conciliadores que não recebem para trabalhar. A ajuda apenas é certificada como atividade jurídica, e entra na contagem exigida em concursos públicos para magistratura. A proposta em estudo no CNJ inclui o treinamento dessas pessoas, tarefa que ficaria sob a responsabilidade do próprio Conselho. “No futuro, é preciso caminhar para a profissionalização da tarefa, com o custo assumido pelo Estado”, diz Watanabe.
Embora não haja nenhuma lei no país que obrigue as partes a tentarem um acordo, o anteprojeto do novo Código de Processo Civil dá maior respaldo à conciliação. A proposta, feita por uma comissão de juristas sob a batuta do ministro Luiz Fux, do STJ, inclui uma fase prévia obrigatória que pretende pôr as partes para conversar antes do ajuizamento do processo. Se passar o texto original no Congresso Nacional, o réu que deixar de comparecer injustificadamente a essa fase, por exemplo, poderá ser processado por ato atentatório à dignidade da Justiça.