Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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CNJ está na contramão da história, diz juiz

Para presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, poder de investigação do conselho fere a Constituição.


Henrique Nelson Calandra defende autonomia de tribunais para investigar seus próprios membros.


UIRÁ MACHADO

DE SÃO PAULO


Para o desembargador Henrique Nelson Calandra, 66, a ampliação dos poderes de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) "vai na contramão da história republicana".


Calandra é presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), entidade que reúne 16 mil juízes de todo o país e que nas últimas semanas esteve no centro de uma polêmica no Judiciário.


A pedido da AMB e de outras duas associações de magistrados, o Supremo Tribunal Federal tomou duas decisões que limitaram o CNJ.


Primeiro, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu que o CNJ não pode investigar juízes antes da atuação das corregedorias dos tribunais.


Depois, o ministro Ricardo Lewandowski interrompeu apuração do conselho sobre a folha de pagamento de 22 tribunais de Justiça.


As duas decisões são provisórias e podem ser revistas no ano que vem, quando o plenário do STF se reunir.


Ainda assim, geraram um racha no mundo jurídico, opondo aqueles que defendem poderes maiores ao CNJ aos que veem abusos na atuação do órgão de controle externo do Judiciário.


"Não somos contra nenhuma investigação", diz Calandra. "Mas o CNJ precisa agir de acordo com a lei."

A seguir, trechos da entrevista de Calandra à Folha.


Por que a AMB ajuizou ações de inconstitucionalidade contra a atuação do CNJ?

Henrique Nelson Calandra - As ações que nós propusemos são pontuais, sobre um ou outro tema que foge àquilo que seria normal esperar do CNJ. São alguns pontos que ferem a Constituição.


Por que a AMB entende que o CNJ não pode agir antes das corregedorias dos tribunais?

Esse é o tema principal: se a ação do CNJ deve ser subsidiária ou concorrente.

Primeiro, não há necessidade de que o CNJ atue de forma concorrente, isto é, quando o processo disciplinar ainda está no tribunal. Já somos obrigados a comunicar ao CNJ a existência de cada processo disciplinar.


Se houver alguma falha, se o tribunal apenas fez de conta que apurou, então o conselho pode avocar [chamar para seu julgamento] o processo.


Além disso, imagine o número de processos que o CNJ teria que apurar no Brasil.

Um terceiro ponto é que não faz sentido haver duas instâncias disciplinares simultâneas. Não traz proveito a ninguém um juiz ter que responder ao mesmo tempo a um processo em Brasília e a outro na capital do Estado. Aliás, traz dificuldade de defesa e não ajuda na apuração.


O ex-ministro Nelson Jobim escreveu artigo em que chama de regressista a tese da subsidiariedade, segundo a qual o CNJ não pode agir antes das corregedorias dos tribunais.

Com todo o respeito que tenho pelo ministro Jobim, nossa tese não regride. Ela preserva a Federação. O sistema federativo só respira através de tribunais autônomos. Avançar a atividade censória do CNJ vai na contramão da história republicana. Ele pode e deve agir quando os tribunais não o fazem.

Mas sua função mais importante não é a censória, é a de colaborar no planejamento e na melhora da atividade judicial.


Qual a sua opinião sobre a atuação da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça?

Duas coisas precisam ficar claras. Primeiro, não somos contra nenhuma investigação. Nossa vida é sempre passível de verificação. Segundo, não representamos contra a ministra. Queremos que se apure o vazamento de informações sigilosas.


Como o senhor responde à impressão que muita gente tem de que os juízes agem de maneira corporativista?

Infelizmente, juízes não são grandes comunicadores. Temos dificuldade de transmitir à população a importância do nosso trabalho.

Não tem caixa-preta no Judiciário. Há erros. É por isso que foi criado o CNJ, e com a nossa concordância.

O que me preocupa é o estigma do magistrado desonesto. Se eles existem, temos que identificá-los, dar os respectivos nomes, colocá-los para fora da carreira e puni-los criminalmente.

Agora, veja a situação: quem somos nós, juízes, se acabamos apontados como incapazes de julgar um par, alguém que de algum modo violou seus deveres profissionais, mas ao mesmo tempo temos a obrigação de impor penas ao indivíduo que comete um delito na sociedade?

Nosso julgamento é técnico. Se falhas existem, vamos melhorar o sistema. Mas a melhora não está em suprimir o julgamento nos tribunais dizendo que são parciais.

Enquanto formos juízes independentes, nosso povo vai poder respirar democracia e liberdade.


O CNJ tem representado ameaça para a democracia?

A nossa crítica é que não se pode investigar todos os juízes, lançando-os como alvo do Coaf [órgão do Ministério da Fazenda que monitora movimentações financeiras], só por serem juízes. Não se pode quebrar o sigilo fiscal e bancário de familiares sem um fato concreto a apurar. O CNJ precisa agir de acordo com a lei.