O Conselho Nacional de Justiça autorizou que o mesmo juiz presida, simultaneamente, dois tribunais do júri. O procedimento vem sendo usado pelo Tribunal Popular do Júri da Comarca de Campo Grande para acelerar os julgamentos. Para o CNJ, não há ilegalidade. Para presidir dois julgamentos ao mesmo tempo, o juiz fica presente a uma das sessões e acompanha a outra com o auxílio de uma câmera.
O caso foi levado ao CNJ em dezembro do ano passado pela OAB de Mato Grosso do Sul. A seccional formulou uma consulta ao Conselho com base em um parecer feito pela assessoria jurídica da entidade, questionando o comportamento do juiz Aluizio Pereira dos Santos. Desde 2006, o magistrado já presidiu 226 sessões, em pares simultâneos, na 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande. Presente a uma delas, a outra é assistida em um televisor. Um escrivão, um assessor jurídico, um analista judiciário e dois oficiais de Justiça auxiliam os trabalhos em seu lugar, mas o comando permanece sob sua responsabilidade. O juiz afirma que a medida permitiu que a pauta de julgamentos fosse colocada “rigorosamente em dia”.
Para a OAB de Mato Grosso do Sul, os júris simultâneos ferem princípios constitucionais e podem abrir precedentes para que as sessões virem de cabeça para baixo. “Isso pode levar ao cúmulo de um juiz presidir mais de dois julgamentos ao mesmo tempo e, posteriormente, até ao veredito de um júri virtual”, antevê o presidente da seccional, Fábio Trad. O questionamento se baseia na previsão do Código de Processo Penal de que o juiz deve presidir os julgamentos. Não estando na sala de audiência onde a sessão ocorre, ele não teria como fazê-lo, como afirma o parecer da OAB-MS, feito pelo assessor jurídico da entidade, Dartagnan Zanella Messias. “O juiz precisa estar presente durante a colheita das provas, para dirimir pontos de conflito. Não se pode esperar ele passar de uma sala para outra. Sem a presença física do juiz, viola-se o devido processo legal”, afirma Trad.
Em resposta à ação, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afirmou que a medida foi tomada para contornar a morosidade da tramitação de processos, uma vez que o estado tem “a maior população carcerária do país”. Segundo o tribunal, somente casos simples e que não tenham “vários réus, vítimas ou testemunhas” são agendados dessa forma. “Na eventualidade de algum incidente, caso não esteja presente, chama-se o juiz para resolver o impasse, o que se faz imediatamente, tudo gravado por estenotipia”, afirmou o juiz. “O magistrado não é o destinatário dos debates, mas apenas os jurados”, acrescentou, comentando que a função do juiz limita-se a resolver debates quanto à produção de provas. “Caso não ocorram, dispersa-se dos debates, despachando ou sentenciando outros processos.”
A decisão do CNJ foi tomada em 31 de março por maioria apertada – sete votos contra seis. Seguindo o voto do relator, o conselheiro e advogado criminalista Técio Lins e Silva, o Plenário entendeu que, no caso concreto, não houve violação ao devido proceso legal porque ambas as partes envolvidas – acusação e defesa – sempre têm de concordar com o procedimento. “Não se vislumbra óbice administrativo que impeça o juízo requerido em manter a prática de sua nova metodologia”, diz o acórdão (clique aqui para ler). O secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron, também se manifestou pela aprovação da ideia pelos conselheiros. “Esse tipo de júri não causa prejuízo a ninguém e só é realizado com a concordância das partes”, afirma.
Segundo o presidente da OAB-MS, a seccional deve pedir, nessa quinta-feira (7/5), que o Conselho Federal da OAB entre com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o procedimento. A iniciativa, porém, já conta com a voto contrário do próprio secretário-geral da entidade, Alberto Toron.