Que a internet trouxe muitos benefícios aos operadores do Direito e aos jurisdicionados, há poucos que ainda duvidam. Mas com o avanço tecnológico, também surgiram problemas. Um deles é em relação à publicidade das informações processuais na rede mundial de computadores. A preocupação ganhou força no Conselho Nacional de Justiça, que estuda regulamentar a publicidade do processo eletrônico.
Hoje, é possível pesquisar nos sites de vários tribunais do país se uma pessoa responde ou é autora de uma ação na Justiça, bastando digitar o nome e um dos sobrenomes do pesquisado. Dependendo do tribunal e do tipo de ação, a secretaria da vara disponibiliza, além dos atos processuais e das decisões, o que foi tratado em audiência.
O conselheiro Walter Nunes, coordenador do grupo de trabalho sobre o tema, explicou à revista Consultor Jurídico que a ideia não é restringir o acesso a informações que são públicas, a não ser que o o processo esteja em segredo de Justiça. O que o CNJ pretende é definir quais, como e para quem as informações serão disponibilizadas na internet.
Quem quiser conferir o processo físico, basta ir à secretaria da Vara onde tramita o processo e pedir para olhá-lo. Já no processo eletrônico, a ideia é criar categorias de informações que podem ser acessadas livremente e outras que dependem de um cadastro e de solicitação para se ter acesso por meio eletrônico.
“O Judiciário ter de cumprir sua atividade e prestar conta de seus atos é uma coisa; a extensão dessas informações é outra”, disse. Walter Nunes diz que o dever de informar tem a ver com dados básicos, como o trâmite processual e a decisão, e não com outros documentos, como a petição inicial e um testemunho.
“O processo judicial é conflituoso.” Ele afirma que, na petição inicial, pode haver ataques a outra pessoa. “Com comedimento, isso é até natural”, constata. Se isso for publicado na internet sem qualquer triagem, entende Nunes, pode trazer aborrecimentos para as pessoas envolvidas. Ele afirma que a sentença traz as angústias expostas na inicial, mas de modo a não expor desnecessariamente as partes.
“Não há restrição alguma”, garante. Walter Nunes afirma que a iniciativa vai ampliar o acesso às informações. O conselheiro lembra que a Constituição prevê que, no caso de conflito entre dois direitos fundamentais, como o da preservação da intimidade e do acesso à informação, este se sobrepõe quando há interesse público.
O grupo trabalha com a ideia de que para as partes do processo e seus advogados cadastrados o acesso a todos os documentos será integral. Já as informações básicas, como os nomes dos litigantes, as informações relativas ao trâmite processual e as decisões serão abertas a todos, independente de cadastro no tribunal. A exceção é para a Justiça Trabalhista. Neste caso, só será possível ver essas informações básicas, digitando o número específico do processo e não pelo nome das partes.
Walter Nunes explicou que, no caso da Justiça trabalhista, a preocupação é de que as informações processuais sobre os reclamantes acabem prejudicando o trabalhador. Isso porque, explicou, o mercado de trabalho poderia ficar restrito a pessoas que, simplesmente, estavam exercendo seu direito de ingressar com ação contra o empregador anterior.
Já um terceiro que queira ter acesso a algum documento do processo, por meio eletrônico, seja por ter um interesse específico ou por questão de pesquisa e estudo, tem de se cadastrar e formular um pedido. O Judiciário analisará a formulação e franqueará o acesso. Nunes afirma que o critério que o juiz analisará para permitir o acesso aos documentos é o mesmo que ocorre hoje. Se o processo não estiver em segredo de Justiça, o interessado pode ir à secretaria e olhá-lo.
O que muda no processo eletrônico, diz o conselheiro, é que o Judiciário vai saber quem teve acesso àquelas informações eletronicamente. Se, depois, o conteúdo parar no YouTube, por exemplo, será possível identificar a pessoa que o incluiu no site e ela poderá ser responsabilizada por eventual dano.
O conselheiro do CNJ levou em conta o fato de que, mesmo em processos que não estão em segredo de Justiça, há documentos que precisam ser resguardados. Ele citou o exemplo de uma testemunha em um processo contra um acusado considerado de alta periculosidade. Hoje, há possibilidade de o depoimento ser gravado em sistema audiovisual. Se ele souber que aquele documento pode parar no YouTube, talvez não queira prestar o depoimento, disse o conselheiro.
A ideia de regulamentar o que será disponibilizado na internet, disse o conselheiro, surgiu antes mesmo de o processo eletrônico ganhar impulso. Walter Nunes diz que, em alguns casos, basta digitar o nome da pessoa que, dependendo do tribunal, aparecem dados sobre o processo no sistema de busca do Google. “Isso começou a trazer preocupações e inconvenientes”, afirmou. Um dos exemplos é de pessoas que responderam a um processo criminal e foram absolvidas, ou mesmo de condenados. “Isso só dificulta a reinserção social.”
O conselheiro afirma que, no final de maio, deve levar a questão ao Plenário do CNJ. Com a iniciativa aprovada, o texto deve ser submetido a consulta pública de 30 dias a fim de que haja uma ampla participação não só dos operadores do Direito como da sociedade em geral.
Revolução tecnológica
Empolgado com o tema, o conselheiro disse que a revolução do Judiciário está no processo eletrônico, já que a morosidade é fomentada pela burocracia. Ele comentou sobre a rapidez que se consegue com a simplificação das práticas processuais. Um exemplo é a documentação de audiências através do sistema de gravação de áudio e imagem. Antes, o juiz tinha de ditar para alguém documentar o que era falado.
Nunes contou que, na Espanha, onde esteve no início de março, o processo eletrônico está engatinhando. Ele afirmou que a peculiaridade do Brasil, com uma quantidade enorme de processos, fez com que se avançasse para utilizar a tecnologia a favor da Justiça. O conselheiro também lembrou que o processo eletrônico é mais do que eliminar papel. “É uma gestão eletrônica do serviço jurisdicional.”