A Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal Federal publicou, neste domingo (13/3), reportagem sobre o tratamento dado pelo STJ ao crime de aborto e como ele acontece na sociedade. O tribunal tem se limitado à análise jurídica, mas a matéria trata também do debate moral que envolve o tema, entre o direito absoluto da vida do feto e a autonomia da mulher em relação ao próprio corpo.
No texto, foi levado em conta o dado da pesquisa da organização não governamental sobre direito das mulheres, Ipas Brasil, em parceria com o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), denominada "A magnitude do aborto no Brasil: aspectos epidemiológicos e socioculturais", segundo a qual, no Brasil são realizados um milhão de abortos por ano e a curetagem é o segundo procedimento obstétrico mais realizado na rede pública.
A reportagem conta que na 5ª Turma do STJ, sob relatoria da ministra Laurita Vaz, tramita um Habeas Corpus em que a Defensoria Pública pede o trancamento de uma investigação contra centenas de mulheres suspeitas de fazer aborto em uma clínica de planejamento familiar no Mato Grosso do Sul. A Defensoria diz que no caso foi violado o sigilo médico, já que foram apreendidos os prontuários sem anuência dos profissionais.
Legislação
O aborto é tratado nos artigos 124 a 128 do Código Penal:
"Artigo 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos.
Artigo 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos.
Artigo 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
Artigo 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Artigo 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".
No país, o ato é classificado como crime contra a pessoa, diferentemente do que ocorre em alguns países que o classificam como crime contra a saúde ou contra a família.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que compõe a 5ª Turma do tribunal, acredita que é um erro tratar o aborto como um método contraceptivo. Para ele, as autoridades governamentais deveriam incentivar a distribuição de preservativo ou a injeção de pílulas do dia seguinte, porque "é muito menos traumático para a mulher e para a sociedade".
Violência
A reportagem também citou pesquisa feita pela socióloga Thais de Souza Lapa, na tese "Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros", segundo a qual, de um universo de 781 acórdãos pesquisados entre 2001 e 2006, 35% envolvem situações de violência contra a mulher.
Sobre isso, é citado o caso em que um homem que esfaqueou sua esposa quando ela estava no quinto mês de gestação, e mais duas pessoas, sendo uma maior de 60 anos. Nesse caso, o réu respondeu, entre outros, pelo crime de provocar aborto sem o consentimento da gestante, e a causa de aumento de pena de 1/3 pelo crime ter sido praticado contra idoso foi incluída na pronúncia, sem que houvesse menção a isso na denúncia.
Terceiros
Quanto à condenação da pessoa que instiga ou auxilia o aborto, o STJ manteve a prisão de um condenado de vender o medicamento Cytotec sem registro. Segundo a reportagem, o medicamento "vem sendo largamente utilizado como abortivo químico. Sua aquisição se faz via mercado negro ou por meio de receita especial".
No caso, o tribunal entendeu que o crime se configura com a própria venda irregular, e não considerou necessária a perícia para verificação da qualidade abortiva da droga.
Além do fornecedor, a corte também já condenou os profissionais que auxiliam a prática. Esse foi o caso de um ginecologista preso em flagrante em sua clínica em Porto Alegre (RS), que respondeu por aborto qualificado por quatro vezes, aborto simples, também por quatro vezes, tentativa de aborto e formação de quadrilha. O STJ não relaxou sua prisão cautelar, por julgar que os reiterados atos justificaram a prisão.
Anencefalia
A questão moral e religiosa, que sempre permeiam o assunto é intensificada quando o tema são os casos de anencefalia e má-formação do feto. A anencefalia é uma má-formação rara do tubo neural que ocorre entre o 16° e o 26° dia de gestação e é caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana. A causa mais comum é, supostamente, a deficiência de nutrientes, entre eles o ácido fólico.
Segundo a ministra Laurita Vaz, para quem o legislador não incluiu a anencefalia no rol das hipóteses autorizadoras do aborto, e por isso, o juiz não pode criá-la, "independentemente de convicções subjetivas pessoais, o que cabe ao STJ é o exame da matéria sob o enfoque jurídico".
O ministro Napoleão Nunes discorda e considera que a vivência religiosa ou filosófica interfere sim nos julgamentos, já que influenciam a conduta humana. Para ele, a questão da anencefalia não deve ser entendida sob a perspectiva puramente religiosa, mas sob uma perspectiva médica, e cada caso é único.
Perda do objeto
A reportagem termina retomando a análise da socióloga Thais de Souza, segundo a qual, entre os anos de 2001 e 2006, não havia decisões favoráveis em sua pesquisa para o pedido de interrupção de gravidez no caso de anencefalia, porque o objeto era perdido, ou seja, o bebê já tinha nascido ou a gravidez já estava adiantada demais.
Segundo o ministro Arnaldo Esteves Lima, havendo diagnóstico médico definitivo, que ateste a inviabilidade de vida após a gravidez, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, já que a morte do feto é inevitável, em decorrência da patologia. A 5ª Turma já entendeu que a via do Habeas Corpus é adequada para pleitear a interrupção da gravidez, por causa da real ameaça de constrição da liberdade da mulher.
Clique aqui para ler a íntegra da reportagem publicada pelo STJ.
HC 140.123
HC 139.008
HC 100.502