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CONJUR: Novo CPC precisa ser formulado a favor da tecnologia processual

O Ministro Luiz Fux (STJ), presidente da Comissão de Juristas, ao conceder entrevistas sobre o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, entregue ao Senado no último dia 8 de junho, tem destacado que se trata de uma lei que virá para durar cinquenta anos. Essa ambição por certo exigirá um texto que esteja em sintonia com os avanços experimentados não só pela processualística moderna, como também pelas perspectivas de desenvolvimento do Poder Judiciário, sobretudo com as modificações ocorridas após a Emenda Constitucional 45/2004.


Na minha participação na oitava audiência pública, convocada pela Comissão e realizada em Curitiba, no dia 16 de abril deste ano, tive a oportunidade de exprimir a preocupação de que o novo Código pudesse nascer defasado, caso desconsiderasse as novidades introduzidas na experiência judiciária com o processo eletrônico. Salientei que o processo eletrônico já é uma realidade no Poder Judiciário e que a disciplina processual vem sendo amplamente afetada pela tecnologia, exigindo novas regras e comportamentos.


Na Justiça Federal da 4ª Região, por exemplo, desde o começo de 2010, somente é possível distribuir novas ações pelo meio eletrônico chamado e-proc. Nenhuma petição é mais recebida em meio físico. O advogado, de qualquer lugar do mundo, desde que tenha acesso à internet, pode peticionar e consultar processos, a qualquer hora do dia ou da noite. O chamado tempo morto do processo, quando os autos ficam aguardando a prática de determinados atos físicos, como a autuação da petição inicial ou a juntada de documentos, praticamente foi abolido, tornando a prestação jurisdicional mais célere e eficiente. O fenômeno também está se consolidando no âmbito dos tribunais superiores, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, com o e-STJ e o e-STF.


Naturalmente, com esse novo formato, dispensando papel e tinta, muitas regras processuais antigas, pensadas ainda sob o “paradigma dos autos físicos”, foram suprimidas. Não existe mais, por exemplo, o ato processual do escrivão conhecido como “autuação”, conforme determina o artigo 166, CPC. O recurso de agravo não conhece mais o “instrumento”, determinado pelo 525, CPC, pois o agravante não precisa mais juntar cópias do processo para instruí-lo, já que o processo todo ficará disponível para o Tribunal. Na mesma linha, a regra do artigo 526 do CPC não tem mais aplicação, pois, como o agravo é interposto no sistema de primeiro grau, já fica disponível ao juiz para eventual retratação, dispensando-se a juntada da respectiva cópia. Mais ainda: o agravo ficou mais barato, porque, além de menos papel, não se exige mais o pagamento do “porte de remessa e retorno” dos autos.


Por outro lado, o impacto dessa tecnologia e o redimensionamento das funções judiciárias em todos os níveis passam a exigir um tratamento normativo peculiar, de acordo com uma metodologia pragmática. Não é mais possível pensar a Justiça virtual com as mesmas bases da Justiça do papel. As soluções processuais num ambiente informatizado devem ser outras. Questões como a limitação do litisconsórcio facultativo, o processamento de cartas precatórias, os atos de comunicação processual e a declaração de incompetência, apenas para citar algumas, demandam outras respostas, diferentes e adequadas ao processo eletrônico.


No entanto, a proposta de novo CPC, apresentada pela Comissão, peca por continuar a pensar o processo civil pelo paradigma do papel. Insiste em repetir vetustas fórmulas de atos processuais, que remontam a séculos passados.


Com todo o respeito, mas não consigo imaginar que, no processo civil dos próximos cinquenta anos, “os atos e os termos do processo” continuem sendo “datilografados ou escritos com tinta escura e indelével”, como consta do artigo 164 do projeto, ainda que seja incluída a possibilidade de atos processuais digitados. Essas expressões têm origem no CPC de São Paulo de 1931, que é anterior à unificação do processo civil nacional e, segundo o qual, “os actos judiciaes devem ser escriptos em vernáculo, com tinta escura e indelével, datados por extenso e assignados pelas pessoas que nelles intervierem. Quando estas não possam ou não queiram fazel-o, assignarão duas testemunhas” (acrescentei o destaque). Esses termos não foram recepcionados pelo CPC nacional de 1939, mas retornaram à vida no CPC Buzaid, de 1973, ainda em vigor.


Da mesma maneira, não consigo conceber que, no processo civil do futuro, continue o escrivão a numerar e rubricar as folhas dos autos, conforme prevê o artigo 162 do mesmo projeto, facultando “às partes, aos advogados, aos órgãos do Ministério Público, aos peritos e às testemunhas rubricar as folhas correspondentes aos atos em que intervierem”, como prevê o artigo 162, parágrafo único, do projeto, tal qual o artigo 143 do CPC-SP de 1931 e o artigo 18 do CPC de 1939.


Soa arcaico, com o perdão da palavra, ainda fazer constar que “não se admitem nos atos e nos termos espaços em branco, bem como entrelinhas, emendas ou rasuras, salvo se aqueles forem inutilizados e estas expressamente ressalvadas” (artigo 166 do projeto, da mesma forma que o artigo 15 do CPC de 1939) ou que “é vedado lançar nos autos cotas marginais ou interlineares, as quais o juiz mandará riscar, impondo a quem as escrever multa correspondente à metade do salário mínimo vigente na sede do juízo” (artigo 157 do projeto, como no artigo 144 do CPC-SP de 1931 e no artigo 17 do CPC de 1939). Ainda que continue vedado às partes e aos seus advogados empregar expressões injuriosas no processo, será impróprio, em tempos de processo eletrônico, o juiz mandar “riscar” essas expressões (artigo 67 do projeto, como no artigo 15 do CPC de 1973, em vigor).


Além disso, o advogado do futuro próximo – e do presente da Justiça Federal – não mais lutará pelo direito de “examinar, em cartório de justiça e secretaria de tribunal, autos de qualquer processo” (artigo 90, inciso I) ou “retirar os autos do cartório ou secretaria, pelo prazo legal” (artigo 90, inciso III), “assinando carga no livro próprio” (artigo 90, parágrafo 1º), pois ele terá – e já tem – acesso aos autos eletrônicos, a partir de qualquer parte do planeta, no momento em que desejar. O que dizer então da manutenção da regra pela qual “é lícito também aos procuradores retirar os autos pelo prazo de uma hora, para obtenção de cópias, independentemente de ajuste” (artigo 90, parágrafo 3º)? Ou da previsão de sete artigos para disciplinar a “restauração de autos” (do artigo 628 ao 634)?



Esses pequenos trechos do projeto de CPC servem para mostrar que a nova codificação poderá nascer velha. E o problema não é apenas terminológico. Não basta apenas substituir as palavras.



Em primeiro lugar, a reapresentação do processo civil, com status de novo, mas construído a partir da premissa dos autos físicos, é intenso estímulo para a manutenção do atraso na informatização do Poder Judiciário. No espírito do novo CPC, o processo eletrônico ainda é a exceção. Essa proposta acomoda os segmentos do Judiciário que ainda mantêm a atrasada gestão processual em autos de papel. Para que evoluir, se a nova legislação continua a confortar as nossas velhas práticas judiciárias? Para que processo eletrônico, se o novo Código de Processo Civil, feito para durar meio século, ainda nos permite autuar petições iniciais, fazer carga dos autos ao advogado e exigir que o escrivão passe horas rubricando páginas do processo?



Em segundo lugar, os ramos do Judiciário que já se atreveram a informatizar o processo terão que conviver com regras processuais inadequadas, senão incompatíveis, com a sua realidade. Precisamos de um CPC que tenha aptidão para responder aos desafios da moderna tecnologia processual, que ajude – e não trave – o aprimoramento da prestação jurisdicional. Um CPC para hoje, que sirva para o amanhã.



Não podemos justificar a falta de mudança pelo atraso. Não é porque o processo eletrônico praticamente não existe nas Justiças estaduais, que se justifica continuar pensando pelo paradigma do papel. É o mesmo que não adotar o chip na Jabulani, para garantir que o árbitro assinale o gol, só porque algumas federações de futebol não teriam como implantar a tecnologia.



O Conselho Nacional de Justiça está a cobrar, de todos os ramos do Judiciário, uma gestão administrativa profissional e de qualidade total. A informatização do processo está planejada e será implantada em todos os lugares nos anos que se seguirão. Não haverá mais máquinas de datilografia nos cartórios e os juízes não assinarão sentenças com caneta de tinta escura e indelével. O papel fará parte do passado, tornando a Justiça mais eficiente e barata, com forte compromisso ambiental.



Se o projeto de novo CPC não representar esse avanço, melhor que seja rediscutido ou refeito. Talvez até não seja hora de uma nova codificação, considerando as transições para o processo eletrônico. Ou, se a hora for esta, que as regras sobre os processos físicos pendentes constem como disposições transitórias do novo Código. Mas se houver insistência nesse texto repleto de arcaísmos, então o Código, feito para durar cinquenta anos, não sobreviverá para ver a próxima década.