A necessidade de critérios objetivos para promover juízes por merecimento parece ser unânime na classe. Foi com base nessa constatação que o Conselho Nacional de Justiça aprovou, na sessão de quarta-feira (7/4), a Resolução 106 que define novos critérios para selecionar os candidatos que querem chegar à segunda instância. A iniciativa do CNJ foi bem recebida pelos magistrados, mas trechos do texto já começam a ser apontados como subjetivos.
“Louvamos a iniciativa de estabelecer critérios. Ao contrário da Resolução 100 [que trata da mesma matéria] que ficou inócua, a 106 veio para pontuar e ranquear melhor esse processo. Mas, consideramos que em alguns pontos houve retrocesso”, opina o juiz Emanuel Bonfim Carneiro Amaral Filho, diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros. Ele aponta o artigo 4, inciso V, como um deles. O dispositivo prevê que, na votação, "os membros votantes do Tribunal deverão declarar os fundamentos de sua convicção, com menção individualizada aos critérios utilizados na escolha relativos à: V - adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura Nacional (2008)".
“Quem dirá se o juiz cumpriu ou não o Código? Como um desembargador poderá provar se a conduta não foi adequada? Isto não está claro”, considera Bonfim. Com o intuito de melhorar a Resolução, a associação vai sugerir alterações ao CNJ antes da publicação.
O juiz Luís Paulo Pasotti Valente, vice-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra-2), entende que as novas exigências “são favoráveis na medida que tornam objetivas a promoção por merecimento”. Pasotti Valente também apoia a iniciativa, mas destaca a subjetividade do artigo 9º, linha a. O dispositivo determina que "na avaliação da adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura Nacional serão considerados: a) a independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e capacitação, dignidade, honra e decoro".
Segundo ele, a exigência dá uma margem muito grande para se questionar posturas pessoais. "Essa questão pode se tornar um fator de complicação na prática”. Como exemplo, o vice-presidente da Amatra-2 citou o caso hipotético de um juiz divorciado que, com a nova norma, pode perder pontos ao ser avaliado por um desembargador contrário ao divórcio. “Vai depender da orientação filosófica de quem escolhe. Não digo que essa seja a intenção do CNJ, mas a sociedade é muito plural e, na aplicação do texto, pode ocorrer esse tipo de interpretação que não condiz com o Judiciário”, explica.
Para Ricardo de Castro Nascimento, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), o prazo da agilidade na prestação jurisdicional por tempo médio, previsto no artigo 7, inciso II, precisa ser específico. O dispositivo prevê que deve ser considerado "o tempo médio para a prática de atos" e "o tempo médio de duração do processo na vara, desde a distribuição até a sentença". “Será necessário incrementar com a aplicação de uma estatística prévia para definir qual é esse prazo médio”, sugere. E emenda: “Essa resolução é uma tentativa válida de disciplinar um assunto muito delicado. A Constituição fala em critérios objetivos, mas isso é praticamente impossível. A subjetividade permeia as escolhas”.
Nascimento faz questão de destacar o artigo 1º, parágrafo 1, que prevê o prazo de 40 dias para a promoção acontecer. “Isso vai agilizar o processo e acabar com a lentidão dos tribunais para preencherem as vagas”, declara. O presidente da Ajufesp acredita que a melhor opção é aguardar a implementação. “Vamos esperar para saber como será a adaptação dessas normas”.
Francisco Glauber Pessoa Alves, presidente da Associação dos Juízes Federais da 5ª Região (Rejufe), considera que os critérios de objetividade da resolução são “exigências mínimas para qualquer magistrado”. “Toda exigência que vise o aprimoramento do processo de promoção não pode ser rotulada como excessiva ou desnecessária. Infelizmente, durante muito tempo foi regra a utilização de critérios de apadrinhamento para aferir o merecimento. Essa má-conduta sempre denegriu a seriedade do processo de escolha”, afirmou.
Risco de engessamento
O artigo 5º, que trata sobre os itens de avaliação da qualidade das decisões, leva em conta a aplicação das súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores. De acordo com Emanuel Bonfim, a exigência pode prejudicar as sentenças de primeira instância. “As súmulas dos tribunais superiores são indicativas. O juiz pode seguir, é até um norte. Mas, com a cobrança dela, corremos o risco de engessar a criatividade das decisões. Quantas teses novas saem do primeiro grau? Se o juiz achar que sempre terá que citar uma súmula, sua criatividade será inibida”.
Ricardo de Castro Nascimento concorda com a ponto defendido pela AMB. “A exigência fere a independência do juiz de primeira instância. Ele é obrigado a seguir a súmula vinculante apenas”. Luís Paulo Pasotti Valente faz coro com os colegas de trabalho. “Essa questão deve ser pontualmente discutida. A aplicação pelo juiz das súmulas dos tribunais pode comprometer a independência do magistrado. Entendo que a perspectiva de manter uma aplicação de súmula de maneira indefinida pode prejudicar a flexibilidade de novos entendimentos”. (
(Texto de Geiza Martins)