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Demandas na Justiça podem cair se sistema de precedentes funcionar, diz juiz do TJSP, palestrante confirmado no XIII Congresso Goiano da Magistratura

Juiz Fernando Gajardoni falará no congresso sobre os principais reflexos do novo CPC em seu 1º ano de vigência Juiz Fernando Gajardoni falará no congresso sobre os principais reflexos do novo CPC em seu 1º ano de vigência

Existe uma real possibilidade de redução das demandas judiciais no Brasil se o sistema de precedentes funcionar. Quem afirma é o juiz do TJSP Fernando Gajardoni sobre a aplicação do Novo Código de Processo Civil, em entrevista ao Portal Jota. O magistrado também falará sobre o tema em palestra no XIII Congresso Goiano de Magistratura, promovido pela ASMEGO nos dias 1º e 2 dezembro, na sede da entidade, em Goiânia.

Segundo ele, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) precisam tomar uma decisão rápida sobre como operacionalizar o sistema trazido pelo novo Código de Processo Civil (CPC). “O STJ e STF estão com a faca no pescoço. Ou eles decidem rápido, sem debater suficientemente [determinada questão], e resolvem o problema da primeira instância ou eles deixam o ‘pau comer’ na primeira instância para depois debater com calma e decidir. A gente vai ter que fazer uma escolha. Não dá para ter as duas”, afirmou.

O novo CPC inovou ao atribuir efeitos vinculantes aos julgados proferidos pelo STF e pelo STJ, em recursos extraordinários e especiais repetitivos.

“Temos pressa que o STJ e o STF julguem rápido porque, quando eles julgam, é possível diminuir absurdamente o número de demandas iguais que tem o precedente como paradigma”, afirma o juiz e professor de Direito Processual da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP-USP).

Mesmo com apenas oito meses de vigência, Gajardoni afirma que o novo CPC tem gerado consequências positivas, como a possibilidade de credores protestarem títulos judiciais no cartório. “Por incrível que pareça, o protesto tem uma capacidade de gerar um incômodo para o devedor que acaba levando ele a pagar a dívida. É uma forma extrajudicial de tentar resolver um problema judicial”.

Gajardoni participou da palestra sobre os principais desafios à implementação do novo CPC durante o VI Encontro Nacional de Juízes Estaduais (Enaje), realizado na Bahia.

Leia a entrevista:

O Judiciário brasileiro tem condições estruturais para cumprir o determinado pelo novo CPC?

Do ponto de vista estrutural, o Código traz algumas promessas estruturas que o Judiciário ainda não tem condições de cumprir, ainda mais em momento de restrição econômica. Por exemplo, ele aposta em mediação e conciliação. Só que não há mediadores e conciliadores. Não adianta o juiz fazer conciliação e mediação porque isso vai atrasar ainda mais o andamento dos processos.

Segundo problema estrutural é que o Código promete que os advogados poderão fazer sustentação oral por videoconferência do local em que eles estiverem. Não existe essa estrutura ainda na maioria dos tribunais do país. Se a gente achar esse dinheiro, podemos estruturar.

Não adianta pensarmos a realidade com o pensamento do Estado rico e estruturado. É necessário pensar na realidade brasileira: de vara que tem um juiz e dois servidores.

Quais são os pontos problemáticos do novo CPC em relação à interpretação da norma?

O Código prometeu que os recursos seriam reduzidos. No entanto, tem mais recursos. Uma técnica do julgamento dos antigos infringentes, determinado no artigo 942, a pessoa não precisa nem recorrer para ter a revisão da decisão. A promessa de diminuir recursos não existe.

Além disso, o código prometeu simplificar o processo brasileiro. Mas o modelo do novo CPC é um processo muito mais complexo. Ele trabalha com precedentes no sistema de civil law, são sistemas de direito comparado. Então, a complexidade para o operador do direito é muito mais difícil. A ideia dos precedentes é de que ele não é analisado apenas pela interpretação da norma jurídica, mas pelo fato que deu origem ao precedente.

Tenho uma decisão, por exemplo, que entendeu que o ICMS pode ser cobrado numa operação. Numa operação similar, esse precedente não pode ser aplicado, porque ele não é relativo aos mesmos fatos. Eu preciso de um outro precedente. Eu posso aplicar para os fatos iguais, mas não para fatos diferentes. Então quando a gente fala da necessidade da “razão de decidir” é exatamente essa análise conjunta entre o fato que formou o precedente e a própria norma jurídica estabelecida pelo tribunal.

Existem reclamações de que os tribunais superiores estão firmando precedentes a partir de algumas poucas decisões e não de uma tese firmada após longos debates. Esse problema existe realmente?

O problema existe e a culpa é do nosso sistema. A gente tem pressa que o STJ e o STF julguem rápido porque, quando eles julgam, é possível diminuir absurdamente o número de demandas iguais que tem o precedente como paradigma. A partir do momento que você força eles a julgar rápido, julgam uma, duas, três ações e editam uma súmula, mandam para o repetitivo. A ideia seria que eles tivessem tempo de debater. Mas esse tempo instaura o caos na primeira instância, porque tem decisões divergentes, milhares e milhares de ações em andamento. Então é uma equação difícil.

O STJ e o STF estão como a faca no pescoço porque ou eles decidem rápido, sem debater suficientemente, e resolvem o problema da primeira instância ou  deixam o “pau comer” na primeira instância para depois debater com calma e decidir. A gente vai ter que fazer uma escolha. Não dá para ter as duas.

Já é possível analisar consequências na prática após a vigência do novo CPC?

Ainda é muito cedo. Oito meses de vigência no sistema brasileiro não é nada. Até porque você tem que pensar que há processos ainda que estão correndo relacionados a fatos julgados na vigência do Código de 1973, ainda que a norma processual tenha aplicabilidade imediata.

Agora, eu posso apontar algumas coisas que aparentemente já têm melhorado. Por exemplo, a questão de protesto judicial, do artigo 517, a possibilidade dos credores, transitado em julgado a decisão, depois do devedor ter sido intimado para pagar e não ter efetuado o pagamento, eles podem protestar o título judicial no cartório. E o protesto, por incrível que pareça, tem uma capacidade de gerar um incômodo para o devedor que acaba levando ele a pagar a dívida. É uma forma extrajudicial de tentar resolver um problema judicial.

A discussão sobre o artigo 139, inciso 4º, tão polêmica, sobre a possibilidade do juiz aplicar medidas atípicas, suspensão de CNH, restrição de uso de áreas comuns em condomínios, isso tudo já está gerando um receio por parte dos devedores de sofrer essas medidas. E isso já tem acentuado o adimplemento das obrigações.

Qual é a maior promessa do novo CPC?

Precedentes. Se o sistema de precedentes funcionar a gente tem uma real possibilidade de diminuir profundamente o número de demanda no Brasil.

Minha impressão é que a grande maioria da magistratura entende que o modelo de precedentes é bom porque o modelo racionaliza o sistema. Acaba com aquela ideia de loteria judicial de um ganhar e outro perder. Todos os juízes passam a seguir esse precedente. É óbvio que têm juízes que não gostam por acharem que o modelo fere a autonomia, que é inconstitucional porque acaba violando o livre convencimento do juiz. Mas, com todo o respeito, para mim, inconstitucional é tratar as pessoas de forma diferente e não é violar o livre convencimento do juiz. Talvez [o juiz ] tenha liberdade para interpretar os fatos, mas precisa seguir a hierarquia, para dar uma racionalidade ao sistema.

Fonte: Portal Jota (com edição da Assessoria de Comunicação da ASMEGO | Ampli Comunicação)