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Em artigo, juiz conta como foi o seminário sobre Direitos Humanos em Ottawa

Na segunda parte do artigo feito pelo juiz Mateus Milhomem, ele relata o que aconteceu nas palestras sobre como o conceito de pena é um obstáculo cognitivo à inovação do sistema de direito criminal; a opinião pública e justiça penal e “LES JUGES FACE AUX DROITS DE LA PERSONNE DU SYSTÈME PÉNAL”.


Leia abaixo o texto:


Em 15 de setembro de 2010, após viagem de trem a partir de Montreal, onde se via a fartura dos campos de milho e cereais diversos da zona rural canadense, os juízes brasileiros foram imediatamente encaminhados para a Universidade de Ottawa, onde aconteceu, a partir do entardecer, interessante seminário sobre Direitos Humanos. Com várias palestras em português (existem respeitadíssimos brasileiros que lá lecionam), ao lado do francês e do inglês, e calorosa recepção em modernas instalações educacionais, foram discutidos temas polêmicos, que são trazidos em capítulos:


COMO O CONCEITO DE PENA É UM OBSTÁCULO COGNITIVO À INOVAÇÃO DO SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL, Álvaro PIRES, Departamento de Criminologia da Universidade de Ottawa - Embora a palestra tenha sido puramente teórica, o tema é palpitante e muito atual, o que atraiu longo aplauso da audiência. Em resumo, foram discutidos como as teorias modernas da pena (retribuição, dissuasão e reabilitação prisional) constituem um obstáculo epistemológico à construção de um direito criminal do cidadão. Gaston Bachelard criou o termo obstáculo epistemológico ou cognitivo, que são ideias que foram boas no passado, mas impedem a implementação de novas ideias.


Foucalt lançou alguns enigmas que ainda não foram devidamente compreendidos, como por que a prisão, dentre tantas opções possíveis de sanções em matéria de direito criminal, acabou ocupando uma importância tão grande na era moderna? E como ela conseguiu resistir a todas as críticas que existem desde que ela nasceu (séc. 18 para 19)? Segundo pensadores do passado, a reparação da vítima não é suficiente para o direito penal, e o tempo não era considerado para a punição, mas sim um ato pontual como morte, galeras, chicotadas, expulsão, multa, confisco e marcas físicas. Se no presente inexistem tais castigos, fato é que as penas são executadas, e não geridas, o que seria o mais correto. O tempo como pena apenas veio quando se buscou parcelar o sofrimento em uma escala, o que o pensador Norberto Elias traz como escala de sofrimento temporal.


Ponto interessante na palestra foi quando, respondendo a pergunta por nós dirigida, quanto aos sociopatas, que não são doentes mentais e para os quais a pena é apenas um período onde ficam impossibilitados de prejudicar outras pessoas, disse que ainda não se tem uma resposta para este problema no Canadá, a não ser mantê-los afastados com dignidade da sociedade por toda a vida, e isto é algo a ser pensado para o Brasil, pois pessoas assim são reconduzidas à sociedade justamente por não serem contempladas nas leis ou nas instituições penais atuais, o que gera um risco permanente à população. Também foi perguntado quanto a trazer a vítima e seus direitos humanos para a área penal, tendo argumentado que, em nome dos direitos humanos, existem sempre vários pontos de vista, e a sociedade ocidental aceita com mais facilidade uma vítima que quer condenar do que uma vítima que busca o perdão. Para estimular ainda mais a discussão, lanço argumentação no sentido de que a pena mais justa, em nosso atual estágio de evolução, seria aquela que privilegiasse o trabalho e estudo e que o condenado, na medida do possível, recompusesse o patrimônio físico e psicológico das vítimas coletivas e individuais atingidas pelo crime, uma justiça reconstrutiva, e que a pena vazia e cara tivesse maior utilidade social.


OPINIÃO PÚBLICA E JUSTIÇA PENAL: ELEMENTOS DE REFLEXÃO ACERCA DE UMA RELAÇÃO PROBLEMÁTICA - Houve exposição no sentido de que a pena, atualmente, não leva em conta o público, o que as pessoas pensam não é pertinente para o estado, o que traz crise de legitimidade. Da Inglaterra veio o caso James Bulger, onde dois meninos de 10 anos cometeram um homicídio na Inglaterra. Inicialmente, após uma série de brincadeiras de mau gosto, decidiram que iriam brincar de uma criança perder-se da mãe e, após ficarem o dia inteiro, decidiram atirar pedras na vítima de dois anos de idade, que foi deixada inconsciente sobre os trilhos de um trem. A opinião pública e a imprensa sensacionalista foram decisivas para que fossem julgados como adultos, e, sucessivamente, após manifestações de pena mínima pelo Lord Chief Justice e Ministro do Interior, fossem condenados com pena aberta, during her majesty´s pleasure, onde não existe patamar máximo. Na Inglaterra, a idade mínima para punição são 10 anos, mas, para casos graves, pode ser julgado como adulto. Concluiu dizendo que, atualmente, não é mais possível ignorar o público, entretanto, deve-se ter em conta o interesse da mídia, e que a diferenciação entre a preocupação do público (é geral, por exemplo, com uma onda de crimes) x clamor público (um caso grave em particular) x público informado dos detalhes do caso (advogados ouvintes, platéia, associações) deve ser observada. Como tema a ser pensado, lançamos questionamento no sentido de que, face a evolução da comunicação, não seria o caso de implementar-se a emancipação penal, ao invés do critério puramente biológico, onde menores de idade que já tivessem tido união estável, negócio, trabalho ou demonstrassem grande maturidade, seriam julgados como adultos, após sentença de emancipação penal a ser lançada em procedimento preliminar.


LES JUGES FACE AUX DROITS DE LA PERSONNE DU SYSTÈME PÉNAL - Para a palestrante, existe uma relação confusa entre os direitos humanos e o direito penal, eis que o populismo punitivo é um problema contemporâneo. Isto faz com que os direitos humanos estejam confusos e, não raras vezes, sejam usados em direções opostas. Pornografia é constitucionalmente livre, mas o movimento feminista o condena, todos com base em direitos humanos. Outro ponto é que, até a sentença condenatória, os direitos humanos são observados, mas, após a condenação, a pesquisadora verificou que existe diminuição em suas observâncias, o que faz com que os direitos humanos sejam fortes no processo e fracos na pena.


Autor: Mateus Milhomem de Sousa, Juiz de Direito em Goiás