Mesmo com o ajuste fiscal da equipe econômica e da turbulência na economia, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello votou nesta quinta-feira (27) para proibir o governo de contingenciar recursos do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional).
Essa verba é utilizada para reforma e construção de unidades prisionais do país. Se a posição do ministro for seguida pela maioria do STF, o governo pode ter que desembolsar R$ 2,4 bilhões –que é o atual saldo disponível na conta do Funpen, de acordo com dados do Ministério da Justiça.
Os ministros começaram a discutir uma ação do PSOL que pede que o Supremo determine medidas para desafogar o sistema prisional do país. Após a posição de Marco Aurélio, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima semana.
Em seu voto, Marco Aurélio defende que o governo libere o saldo acumulado do Funpen e fique proibida de realizar novos bloqueios. O ministro também determina que Estados e União terão 90 dias para apresentar plano para solução no sistema carcerário. Atualmente, existem 563 mil presos no país, a quarta maior população carcerária do país, perdendo para Estados Unidos, China e Rússia.
"Só o STF revela-se capaz de superar bloqueios políticos e institucionais que impedem solução do sistema carcerário", disse o ministro, defendendo que intervenção do Judiciário na política do sistema carcerário é legítima e necessária.
Durante a sessão, o ministro Luís Inácio Adams (Advogado-geral da União) negou o bloqueio de recursos e afirmou que a decisão sobre contingenciar ou não determinada verba é do Congresso, responsável por avaliar quais recursos podem ser alvo do corte do Executivo.
Segundo Adams, o tema é complexo para ser decidido em uma única ação no Supremo. O ministro defendeu dividir responsabilidades entre os Poderes e também com Estados.
"Dos 136 convênios firmados com mais de R$ 1,6 bilhão autorizados, previstos para execução, 60 foram interrompidos por desistência do Estado, por incapacidade de execução, por falta de projeto e assim por diante", afirmou.
Adams afirmou que a realidade prisional do país é "complexa, difícil e dramática", mas não é uma realidade irreversível.
O governo tentou adiar o julgamento porque considera que o tema é uma espécie de "pauta bomba", diante do impacto que tem nas contas públicas.
Lixo
O voto de Marco Aurélio determina ainda que o juiz terá que avaliar as condições de lotação do presídio ao decretar as prisões provisórias.
Há ainda previsão para que o magistrado justifique o motivo de não adotar medidas alternativas em caso de prisão provisória de uma pessoa não condenada, como o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Fica estabelecido ainda, na posição do ministro, que os tribunais de todo o país implementem as chamadas audiências de custódia, quando a pessoa presa em flagrante precisa ser apresentada ao juiz em 24 horas.
"Deve ser reconhecida inequívoca falência do sistema prisional brasileiro. Diante desses relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica", afirmou o ministro.
Num longo voto apontando a precariedade e a situação degradante dos presídios, Marco Aurélio defendeu que a inobservância pelo Estado figuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia do Estado.
"As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se lixo digno do pior tratamento possível, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre", disse.
Fonte: Márcio Falcão, de Brasília | Folha de S. Paulo