Jornal Diário da Manhã, edição desta terça-feira (5):
"Judiciário precisa ter casa condigna"
Em visita ao DM, presidente do TJ explica sobre o investimento de R$ 90 milhões em obras pelo Estado, o compromisso de tornar o poder cada vez mais acessível à população e da desburocratização dos ritos judiciais.
O desembargador Paulo Teles, presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), assumiu o compromisso de tornar o Judiciário mais acessível para a população a partir do mandato que se iniciou em 2009. Em um ano, ele literalmente saiu dos gabinetes e foi atuar nas ruas. Implantou o programa Justiça Efetiva e integrou parcela dos magistrados a um projeto maior para desburocratizar o ritual da Justiça. Lançou obras e dinamizou o planejamento sistemático do órgão. Enfim, deu imagem popular para um poder que mais parece uma igreja do que uma instituição prestadora de serviço público.
Preventivo, chamou todos para a conciliação – a última tentativa de ajuste entre as partes antes que o conflito de interesses se estabeleça e crie mais problemas para as varas da Capital e interior. O desafio não é simples, pois o Judiciário é o poder com mais apego ao passado. A tradição moldada em práticas arcaicas, como o pedantismo da linguagem jurídica (quando o lema cidadão é exatamente tornar clara a linguagem dos tribunais), ainda deixa o universo dos juízes deslocado da realidade social. Integrantes do Judiciário e povo não falam a mesma língua, mas Teles tem tentado criar mecanismos para traduzir tais expressões.
Por isso, o desafio do presidente é dos mais nobres. Ele tem consciência de que o poder a que pertence não é pronto e acabado. Tornar o Poder Judiciário em justiça efetiva é uma das tarefas mais complexas. E o motivo é simples: torna-se cada vez mais difícil lidar com a corrupção na Justiça, a morosidade provocada pelos recursos de prazos deletérios, a legislação falha e abstrata – que muitas vezes permite a interpretação ideal para os poderosos – e a completa ignorância do cidadão quanto aos seus direitos.
Nesta entrevista ao DM, após visita de cortesia à Redação, em que conversou com o jornalista e editor-geral Batista Custódio sobre atualidades, Paulo Teles demonstrou estar centrado em sua gestão. Confirma que não pretende mais disputar vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e reafirma interesse em deixar a magistratura antes da aposentadoria compulsória, aos 70 anos, pois acredita já ter feito bom trabalho. Ainda distante dos dias de descanso e com mais um ano de gestão pela frente, reafirma que pretende terminar ao menos 10 obras durante sua administração. No total, 46 edifícios estão em andamento.
Jamais o Judiciário teve tamanha movimentação nos canteiros de obras. Não é à toa, portanto, que Teles tenha nomeado um engenheiro para dirigir o Fórum de Goiânia. O ouvidor José Izecias, ex-reitor da Universidade Estadual de Goiás, assumirá um cargo que tradicionalmente é ocupado por magistrados, fato que mais uma vez demonstra o interesse da nova gestão em trazer ares democráticos, abertos e inusitados para o poder.
Diário da Manhã – O senhor teve algum interesse político ao popularizar a imagem da Justiça em Goiás?
Paulo Teles – Não. Isso foi inspirado no fato de que o Judiciário sempre deixou transparecer uma certa imagem para a população. O Poder Judiciário cumpria apenas o papel de julgador, mas não se relacionava em termos de participação associativa, cultural e política. Então, o Judiciário era um poder que não dialogava com o Executivo e Legislativo, não dialogava com a Câmara Municipal. Isso fazia com que ele parecesse um poder alheio às aspirações populares e deslocado da própria sociedade.
DM – No dia em que tomou posse, o senhor alertou aos magistrados que não gostavam de ficar em suas comarcas. Esse recado já surtiu algum efeito?
Paulo Teles – Houve uma diminuição dessas reincidências. Entretanto, na campanha que fiz para tentar chegar ao Superior Tribunal de Justiça, ouvi um dos ministros afirmando que, em Brasília, também nos finais de semana, os ministros que moram em outros Estados acabam deixando a Capital. Então, o problema é nacional, generalizado. Em razão disso, numa conversa em um encontro em Pirenópolis, abordei esse assunto com o ministro Gilmar Mendes (presidente do Supremo Tribunal Federal). E ele reafirmou essa dificuldade que o Judiciário tem de manter os juízes nos finais de semana em suas comarcas. Continuo dizendo que tem que ser solucionado. Sob pena de minoria, realmente mínima, desacreditar o Judiciário perante o povo.
DM – O senhor tem acompanhado uma crise institucional política concentrada no Executivo e Legislativo. Agora no caso de Brasília, o Ministério Público está sendo investigado pela Polícia Federal. O Judiciário também tem mazelas horrorosas a serem expostas para a sociedade?
Paulo Teles – Não é apenas o Brasil que passa por isso; o mundo todo passa por essa crise que eu diria ser moral. Os poderes se renovaram muito pouco ao longo do tempo. No Brasil, tivemos alguns traumas relativos ao Judiciário, Executivo e até Legislativo. Mas acho que os chefes de poderes ainda não alertaram paras modificações pelas quais o mundo está passando. Nós vimos a cada dia que a juventude está assumindo o comando do planeta. Quando falo em comando do mundo, costumo ressaltar a pouca idade dos novos promotores, juízes, procuradores e delegados. Como exemplo de ponta cito o marqueteiro do Barack Obama, um rapaz de 20 e poucos anos que projetou o presidente. Essas classes dominantes que estão administrando... por enquanto, os diversos poderes do mundo não se alertaram para isso. Essa mocidade pode assumir de repente o comando dos municípios, Estados e nação sem que tenham sido devidamente assistidos por essa geração que está passando o bastão.
DM – Falta diálogo entre as gerações?
Paulo Teles – Falta disposição dessa geração que está passando o bastão, falta humildade para ela reconhecer seus erros e alertar a juventude para que não cometa os mesmos erros.
DM – O senhor fez um cronograma das obras que pretende inaugurar?
Paulo Teles – Quando tomei posse, anunciei o emprego de R$ 70 milhões em 25 obras e fóruns. Esse ano encerro com uma projeção de 46 obras, em que aplicaremos, de fato, mais de 90 milhões. Afinal, o Judiciário precisa ter uma casa condigna para receber aqueles que vão ali pedir a solução de seus problemas. Ele precisa dar conforto ao juiz, funcionários e população. E esses investimentos são necessários não apenas na parte física. Agora mesmo, vamos assinar um contrato com uma firma de telecomunicações no valor de R$ 4,5 milhões só para internet. Estamos duplicando nossa banda larga. Então, o investimento é necessário tanto em moradia quanto em informática.
DM – Presidente, que obras já saíram do papel. O que existe de concreto?
Paulo Teles – Já licitamos e iniciamos as obras em todo o Entorno de Brasília. Estamos, neste ano, com mais dez obras já licitadas também. E as restantes vamos licitar até março do ano que vem. Espero encerrar meu mandato com 46 obras em andamento.
DM – E quantas deseja finalizar em seu mandato?
Paulo Teles – Talvez finalize dez obras, mas o importante é que quem vem por aí possa finalizá-las. E não é difícil finalizá-las porque todas obras ao serem licitadas têm o respectivo valor depositado em conta no Banco do Brasil.
DM – O senhor é oriundo da advocacia. Como tem visto certa resistência ao Quinto Constitucional, que garante aos advogados e integrantes do Ministério Público chegarem ao Poder Judiciário?
Paulo Teles – Não chega a ser problema porque essa resistência é generalizada. Ela é histórica. Existe aqui, ali, em algumas partes do Brasil e mais acentuadamente no Rio Grande do Sul – como me informaram. Advoguei 23 anos e cheguei no tribunal – já tenho 12 anos como magistrado. E sempre tive um relacionamento excelente com a classe que integra o Judiciário. Prova disso é que levei para o meu gabinete três juízes auxiliares, com os quais troco ideia diariamente, discuto projetos e analisamos a implantação de obras. Nunca tive qualquer resistência ou rejeição quanto à minha atuação no tribunal e muito menos como presidente. As inovações que tenho feito, felizmente, têm agradado juízes e advogados. Mas parece óbvio que um ou outro não se sinta a vontade com essas medidas.
DM – Além disso, o Quinto Constitucional está na lei. É questão de soberania popular. Nos Estados Unidos, não tem concurso para juiz. E na Inglaterra, ele sequer deve ser formado em Direito.
Paulo Teles – É, vai mais pela experiência. No Brasil, o modelo é este que adotamos e respeitamos. Há uma campanha nacional comandada pela Associação dos Magistrados Brasileiros no sentido do extinguir esse Quinto. Mas vejo que será uma perda para a população.
DM – As posições do Supremo Tribunal Federal (STF) nesse ano que passou foram polêmicas e, muitas vezes, questionáveis. Como o senhor encara esta nova forma do poder se inserir na realidade do País?
Paulo Teles – O Supremo tem discutido os grandes temas de forma mais direta. Hoje, existe uma interlocução muito grande com a comunidade. E, muitas vezes, aquilo que a população recebia como decisão pronta e acabada, sem sequer saber do ponto central da discussão, hoje é revelado pela tevê. Muitas vezes, a população não tinha o alcance daquela decisão porque não tinha conhecimento das entranhas do poder. Por isso, de repente, ela se assusta. Mas o Supremo está no caminho certo. A população vai se acostumar, afinal, o poder tem que popularizar.
DM – É este o princípio que defende?
Paulo Teles – É isso. Precisamos da circulação do juiz no meio da povo. Queremos sua convivência dentro da população. Observamos a questão Battisti. Isso assustou a população quando deixaram para o presidente resolver a tema. Como cidadão, acho que a solução deve ser do Supremo. Porque, se deixar a cargo do mandatário, ele pode dizer que estão ferindo a soberania do País. De repente, o presidente não vai olhar com olhos do jurista, mas com olhos de político.
DM – Presidente, quando é que o cidadão vai ter acesso à petição dele pela internet?
Paulo Teles – Você já pode fazer isso, mas a publicidade da petição, por enquanto, está restrita aos juizados especiais, com o sistema do Projudi.
DM – Mas no Projudi, o cidadão não tem acesso. Só tem acesso quem tem a senha, que é o advogado dele.
Paulo Teles – Acredito que esse investimento de R$ 4,5 milhões que estamos fazendo em 2010 poderá ser ampliado para que toda população tenha acesso às petições que o advogado realizar. Primeiro, temos que consolidar o Projudi. E consolidando, claro, podemos expandir a ideia para esse acompanhamento individual que está propondo. Não é difícil disso ocorrer aqui em Goiás não, porque já estamos preparando Goiás para ser o melhor parque de informática do Brasil em termos judiciários.
DM – O que o senhor espera do novo diretor do Fórum?
Paulo Teles – O ouvidor José Izecias tem a experiência de reitor, tratou muito bem da Universidade Estadual de Goiás. É um homem que tem uma visão muito ampla de sociedade e capacidade administrativa. E é um gestor nato que circula muito bem no meio administrativo, não só do Judiciário. Espero e tenho certeza de que ele será um diretor que cumprirá significativa parte de todas as metas do nosso plano estratégico.
DM – Presidente, o senhor continua com a disposição de ser um integrante da corte do STJ?
Paulo Teles – Disputei por inspiração de alguns amigos que diziam que tinha chances. E com muita vontade e garra fui para disputa. Entretanto, isso me custou 45 dias do meu exercício administrativo, pois me afastei da presidência. Existe agora em fevereiro uma nova vaga, mas não vou disputar.
DM – Porque o senhor não vai disputar?
Paulo Teles – Porque pretendo me dedicar exclusivamente a esse projeto atual e encerrar minha administração o mais próximo de 100% das metas realizadas.