Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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ENTREVISTA: juiz Maurício Porfírio Rosa

Jornal DIÁRIO DA MANHÃ, edição deste domingo:


Juiz da Infância e Juventude condena prática de aborto, mas defende adoção de políticas de planejamento familiar.


O juiz da infância e juventude Maurício Porfírio Rosa é um caso raro de autoridade pública com paixão pelo que faz. Preocupado 24 horas com o destino das crianças, toma como grande vitória cada caso de adoção bem sucedido e sofre com a dificuldade em encontrar famílias para as crianças maiores. Perto de completar dez anos no Juizado da Infância, Maurício Porfírio Rosa ainda se emociona quando fala do sonho de ver todas as crianças brasileiras em gozo de todos os direitos fundamentais. “Quando o Brasil entender que a criança é prioridade, em dez anos construímos um País muito melhor”. Criado pelo Juizado, o projeto Anjo da Guarda foi premiado pelo ONU como um dos 13 melhores da América Central, do Sul e Caribe. “Isso mostra que estamos no caminho certo, mas indica que temos graves problemas. O ideal é que nem existisse a necessidade desse tipo de programas”, pondera.


Na entrevista ao Diário  da Manhã, o juiz fala de temas polêmicos, como aborto, violência juvenil, renúncia à maternidade e politização dos conselhos tutelares. “Eu quero deixar bem claro que sou contra o aborto. Mas sou a favor do planejamento familiar. Que a mulher tenha os filhos que ela queira e não os que Deus mande.Temos que discutir o aborto sem hipocrisia”, defende Porfírio.



  • Constituição

    O artigo 227, fruto de milhões de assinaturas, coletadas pelas igrejas associações e outras entidades representativas da sociedade, diz que criança/adolescente, neste País, é prioridade absoluta. Os responsáveis são: família, cada indivíduo, as instituições e o Estado. Ou seja: todos são responsáveis. As crianças são nossas crias, os filhos da sociedade.

  • Estatuto da Criança e do Adolescente

    A forma de tornar o preceito constitucional factível era criar uma lei. Esta lei é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta lei trata a criança de forma especial. Por quê? A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), por exemplo, é uma lei que protege o trabalhador, para diminuir a desigualdade entre o trabalhador e o patrão. A mulher, nós a protegemos em razão de ser matriz. Ela aposenta mais cedo, tem direito à licença maternidade, não pode carregar peso superior a 25 quilos. Tem uma série de proteções da lei. Protegemos também os que são portadores de necessidades especiais. Voltamos, então, à criança e ao adolescente. Vamos garantir a eles certos direitos que diminuam a desigualdade entre eles e as outras pessoas. O que nos leva a tratar crianças e adolescentes de forma especial é o peculiar estágio de desenvolvimento. Criança é quem tem até 12 anos incompletos. De 12 a 18 anos incompletos é o que chamamos de adolescente.

     

  • Direitos especiais da criança

    A criança tem direito à vida, como todo ser humano, e principalmente dois, que quero ressaltar: o direito a uma família e à educação. Não se forja um ser humano normal fora do seio familiar. A família é o instrumento que leva o indivíduo a viver em sociedade. Não sendo possível dar à criança a família biológica, dar-se-á família substituta. Essa família se dá pela adoção, guarda ou tutela. A tutela é a criança órfã. A guarda é uma forma de colocação em que o Judiciário tira dos pais parcela do poder familiar e entrega a outrem. Por fim, a adoção, que é receber filho de outro como seu. É ato de amor, que salva a criança e melhora o País.

     

  • Adoção no Brasil

    Do ponto de vista cultural de nosso País, adoção é arrumar um filho para quem não teve. Aí o potencial pai adotivo busca uma criança que pareça com ele, recém-nascida, porque ele acha que pode moldar. Consequência gravíssima disso é que tenho inscritos em Goiânia mais de 560 candidatos, mas o perfil de crianças que querem adotar é branca, recém-nascida e do sexo feminino. Isso faz com que a fila fique enorme. Quem quer criança com esse perfil, vai esperar anos. Daí surge a ideia de que o processo é burocrático e demorado. Não é verdade. Esse paradigma cultural faz com que deixemos mais meninos nos abrigos e menos meninas. O abrigo não é uma coisa boa, porque aquilo não é uma família. É um lugar temporário. E não se tem o carinho de uma família. Nós vivemos em uma sociedade violenta. Os meninos que vão sobrando nos abrigos não são criados com afeto, carinho, com o amor de uma família. A tendência desse ser humano é obviamente a violência.

     

  • Aborto e violência

    A violência diminuiu demais nos Estados Unidos nos anos 90, salvo engano meu, e não se sabia por que. Não houve uma mudança, não se criou novas tecnologias nem se aumentou a distribuição de renda. Um jornalista e um economista descobriram que nos Estados onde se aprovou a lei do aborto, 15 anos depois, a violência caiu. A análise disso é simples: a criança mal amada, não desejada, rejeitada... a tendência dela é à violência. Eu quero deixar bem claro que sou contra aborto. Mas sou a favor do planejamento familiar. Que a mulher tenha os filhos que ela queira e não os que Deus mande. Temos que discutir o aborto sem hipocrisia. A mulher rica faz com todos os recursos médicos. A pobre é condenada a criar um filho que não quer.

     

  • Conselhos Tutelares

    O Estatuto da Criança e do Adolescente, em sua sabedoria, de lei festejada, criou o Conselho Tutelar para fazer valer os direitos à creche, escola, tratamento de saúde; retirar as crianças de pais violentos, etc. É para ir ao front onde as coisas estiverem acontecendo. Essa criação trouxe problemas. Porque dá prestígio ao conselheiro tutelar na medida em que requisita remédios, vaga em hospital, vaga em escola. Lamentavelmente, os nossos políticos começaram a se meter onde não deveriam. A sociedade deveria escolher conselheiros independentes e autônomos. O vereador quer que o irmão seja candidato ou o parente ou o correligionário. Nada contra o conselheiro que faz um bom trabalho e faça política. Mas não posso concordar com aquele que vai fazer política no conselho tutelar. Com isso temos eleições disputadíssimas. Mas não posso generalizar porque lá têm muitas pessoas comprometidas. Boas. Cabe ao povo tomar a decisão mais correta. 

     

  • Anjo da Guarda

    Visitando os abrigos via que muitas crianças sequer tinham a esperança de receber uma visita. Não existiam efetivamente para ninguém. Isso me causava grande angústia. Pensei em fazer algo diferente. Foi assim que surgiu a ideia do Anjo da Guarda. Fizemos o projeto como uma porta de colocação das crianças em famílias. Criamos as figuras do padrinho prestador de serviço, do padrinho provedor e do padrinho afetivo. Colocamos com os padrinhos afetivos às crianças inadotáveis. Com mais de cinco anos. Para criar vínculos com crianças que possam vir a ser adotadas, damos cursos. Preparamos as famílias. No ano passado, tivemos um sucesso tão grande que 20 das crianças que passaram as festas de fim de ano ou férias com os padrinhos ficaram com as famílias. Nós conseguimos subir a média de adoção de 46 para 146 crianças por ano.

     

  • Renúncia à maternidade

    No Brasil, para o pai abandonar o filho é muito fácil. A mulher, quando engravida, tem três escolhas. Abortar, abandonar ou criar contra a sua vontade. Nós estamos estudando formas de a mãe que não quer criar o filho manifestar isso formalmente. Para que a criança seja adotada ainda bebê.

     

  • Serviço

    As inscrições para receber crianças para este período do ano  estão fechadas. Mas o projeto é contínuo. Neste mês, porém, pessoas com idade superior a 18 anos, casadas ou solteiras, inte-ressadas nesta ação afetiva temporária, podem se inscrever para ser anjo da guarda.