Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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"Estamos prendendo cada vez mais, internando muito jovem, e isso não vai resolver o problema da violência”, diz Nalini, presidente do TJSP

Em sabatina no Programa Roda Vida, o desembargador avalia que sociedade está um pouco egoísta, "querendo se livrar de problema que teria que ter assumido antes"
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José Renato Nalini, atual presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), abre a discussão da roda, dizendo que sempre foi contra a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. “Acho um equívoco, porque, no momento em que reduzimos, não vamos parar em 16 anos; vamos acreditar que a juventude com 14 anos já tenha como responder pelas infrações, e baixar ainda mais”, explica. Para o presidente do TJ-SP, seria melhor “se pudéssemos prolongar o período de internação na Fundação Casa e combater as causas porque estamos prendendo cada vez mais, internando muito jovem, e isso não vai resolver o problema da violência”, justifica, acrescentando que "as pessoas precisam tentar resolver seus problemas, senão nunca teremos democracia participativa, dependeremos sempre do estado-babá".

Em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Nalini diz que necessita de muitas reformas. “Precisaria assumir sua função de ser um diploma protetivo de uma classe que precisa de atenção maior”. “Agora", pondera, "estamos numa sociedade um pouco egoísta, querendo se livrar de um problema que teria que ter assumido antes”. Para Nalini, o Estado tem tantas competências, se apropriou de tantas funções, que não dá mais conta. “Precisamos de um grande trabalho para que a sociedade assuma um papel protagonista, para que o Estado seja menos forte”, argumenta. “Aperfeiçoar o ECA não é trancar o menor de 16 anos; vamos aumentar a matéria-prima para as facções criminosas”, completa.

Nalini diz que em casos de menores como o de Champinha, o “ECA não faz distinção entre o psicopata e o jovem considerado normal”. “Precisamos ter um tratamento especial para o psicopata. A prisão é um mal necessário, alguns precisam ir para ela, mas a maioria não poderia ingressar na prisão. Estamos trancando quem deveríamos educar”, completa.

Mau exemplo, exemplo de todos

Sobre o corporativismo do Judiciário, o presidente do TJ-SP afirma que sempre defendeu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “E continuo defendendo: o CNJ foi concebido para ser órgão de planejamento, de um Judiciário que tem mil tribunais, cinco ramos de Justiça diferentes. Em dez anos, teve cinco presidências, não me parece que esteja perdido; o TJ tem o aval do CNJ”, afirma. Nalini acrescenta que qualquer denúncia que chega em relação à magistratura de São Paulo, a ministra manda direto para o TJ-SP. "Não tivemos nenhum incidente. Nossas apurações são sérias. Não deixamos denúncia nenhuma sem apuração", afirma.

Ao analisar o recurso da delação premiada, o presidente do TJ-SP comenta que é algo que choca as mentes dos cientistas de direito mais conservadores, já que é uma ideia pejorativa. Por outro lado, argumenta, do ponto de vista do custo-benefício, “se está permitindo que apuremos golpes e infrações que não conseguiríamos apurar com nosso sistema de inteligência", está sendo útil. “Quando tivermos uma polícia mais aparelhada, talvez não precisemos mais; por enquanto está sendo útil”; copiamos tanta coisa ruim, por que não copiamos coisas boas?”, indaga. Sobre casos como o do juiz que recentemente foi flagrado dirigindo o carro de Eike Batista, Nalini diz que “uma coisa que deixa o juiz brasileiro entristecido é que somos 17 mil; um dá mau exemplo, e vira exemplo de todos os juízes". E pergunta novamente: "por que não olhamos para aqueles milhares que estão cumprindo com sua obrigação?”.

Questionado sobre a lentidão da Justiça, o presidente do TJ-SP diz que o sistema brasileiro é caótico, pois aprecia o mesmo tema mais de 50 vezes. “A sociedade tem de discutir isso também; nós já temos essa visão, já nos acostumamos a esse padrão, essa modalidade de reexame". Diz que a Justiça não é rápida porque há uma "queda de braço entre qualidade e quantidade”. "Quando temos 100 milhões de processos, estamos levando ao conhecimento de um sistema que é complexo, cem tribunais, quatro instâncias, 50 recursos, levando questões que poderiam ser resolvidas no diálogo”, diz. Ao comentar mudanças necessárias no Judiciário, no sistema judicial como um todo, Nalini diz que juiz não age de ofício, é um servo da lei. “Quem muda a lei? O Congresso. O Parlamento precisa tratar o Judicário de acordo com as necessidades do Judicário”, alfineta.

Juiz paulista não dá entrevista

Perguntado se um juiz pode virar herói, como aconteceu com Joaquim Barbosa em redes sociais e em manifestações recentes, o presidente do TJ-SP afirma que “quando interpreta a vontade do povo, claro", acrescentando, que, por outro lado, "não é próprio da magistratura ficar sob holofotes”. “Os juízes que conheço são heróis anônimos. Para ser herói, basta cumprir seu dever. Temos inúmeros exemplos de juízes que inovaram, que criaram projetos, cuidando da questão da infância, da velhice desvalida”, argumenta. Nalini explica que a politização de alguns juízes acontece em uma escala muito reduzida. “Temos 2.500 em São Paulo, 17 mil no Brasil: quantos juízes estrelas você conhece? Juiz que tenta aparecer é dissuadido pela Corregedoria para que tenha uma posição mais discreta. Como se dizia aqui em São Paulo, juiz paulista não dá entrevista”, lembra.

Em relação ao polêmico auxílio-moradia de R$ 4.300, Nalini explica que veio em um momento que os magistrados necessitavam de reajuste. O recurso, lembra, "é previsão da lei orgânica da magistratura produzida no período de arbítrio". “São Paulo nunca pensou pensou em auxílio-moradia: cumpriu quando houve determinação do CNJ e do STF. Isso está na lei, e depende do Parlamento cortar se entender que não é cabível”, alega, defendendo a classe. Questionado sobre a marca que sua gestão deixará, o presidente do TJ-SP, que se aposenta no fim do ano, afirma que tentou alertar a sociedade de que não se produziu a profunda reforma estrutural do sistema de Justiça, um sistema muito complexo, que cresce cada vez mais. “Estou investindo na informatização e em multiplicar centros de solução pacífica de controvérsia”, resume.

Questionado se é melhor punir ou recuperar, diz que "pena é castigo, não só regeneração". No caso de casos de corrupção, diz que o corrupto deveria repor o dinheiro. "Essa é a maior pena pra quem é ganancioso, o pior castigo é ter de devolver o dinheiro", arremata. Já em relação à judicialização recente de políticas públicas, como aconteceu com as ciclovias da capital paulista, Nalini explica que o Judiciário está muito ativista em função da provocação do Ministério Público e de milhares de ONGs [organizações não governamentais], que, às vezes, impedem que a administração municipal funcione. "Projeto é para regulamentar, tratar de solução consensual, em que haja participação de todos os interessados. Menos técnica e mais dialogada", finaliza.

Participam da bancada de entrevistadores Frederico Vasconcelos (repórter especial do jornal Folha de S.Paulo e editor do blog Interesse Público), Laura Diniz (editora do site Jota.info), Luciana Gross Cunha (professora da Escola de Direito da FGV-SP), Gaudêncio Torquato (jornalista e professor da USP) e Rosana Schwartz (professora de sociologia do Mackenzie). O Roda Viva ainda conta com a presença fixa do cartunista Paulo Caruso.

Fonte: Luiz Genro | Jornalismo do site cmais+