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Falta vontade da sociedade para transformar o Estatuto da Criança em realidade, diz professor

Os 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), completados este ano, não têm muito para  ser comemorado. O grande avanço foi o cumprimento da determinação constitucional de criar a própria lei destinada a essa parcela da população, avaliou em entrevista à Agência Brasil o professor José Nilton de Sousa, da Coordenadoria de Projetos Educacionais (Cope), da Universidade Federal Fluminense (UFF).



"Esse é o grande avanço. Porém, a realização do que está no plano da lei você não consegue perceber no dia-a-dia", salientou Sousa. O Estatuto da Criança e do Adolescente será discutido hoje (24), no Seminário Direitos Humanos em Debate, promovido pela Faculdade de Direito da UFF, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. O evento foi aberto na última segunda-feira (22) pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da  República. O debate sobre o ECA é coordenado pelo professor José Nilton de Sousa, matemático da UFF.



Ele disse que o Brasil dispõe hoje de uma legislação que figura entre as mais avançadas do mundo para crianças e adolescentes. "Mas, não consegue dar conta da realização dessa lei". Segundo Souza,  o  índice de homicídios de adolescentes nos conflitos urbanos é uma amostra disso.



A pesquisa Juventude e Políticas Sociais, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em maio passado, mostra que cerca de 60 mil jovens do sexo masculino morreram no país entre 2003 e 2005,  78% vítimas principalmente de homicídios e acidentes de trânsito. A pesquisa sublinha que o quadro é mais complicado entre os jovens negros de 18 a 24 anos. De 2003 a 2005, a taxa de mortalidade entre os negros nessa faixa etária foi de 325,04 para 100 mil, enquanto entre os brancos foi de 204,58 por 100 mil.



"É uma coisa desesperadora. É um direito à vida que não estamos conseguindo assegurar". Na avaliação do professor José Nilton de Sousa, o que falta não é só vontade política para transformar a lei em realidade. "Não há desejo. Não se consegue observar o outro com seus direitos, com seus deveres. Enquanto você não aceita o outro, tudo é possível. Até mesmo exterminá-lo".



Seguindo esse comportamento, é possível não oferecer escolas com qualidade, programas de saúde ou de creches eficientes "porque não há o respeito ao outro". Sousa reconheceu que esse estado de coisas decorre da violência. "A violência na sociedade brasileira sempre foi intensa". Ele advertiu, no entanto, que  se essa ordem não for invertida, "alguém tem que proclamar a paz, alguém tem que desejar a paz e prosseguir".



É fundamental, apontou Sousa, que o Estado assuma seus compromissos e viabilize políticas públicas em todos os planos e que  a população - "os adultos, em especial" - comece  a  perceber "que o filho do outro  também pode ser seu filho". Com isso, todos  terão de  buscar a viabilização de escolas prazerosas para as crianças, além de saúde e segurança. "Ou seja, nós precisamos ter o envolvimento real de todos, porque cada garoto que está no plano urbano, nas ruas, pode ser meu filho também. É uma  questão de posição".



José Nilton de Sousa é responsável pelo programa Oficina do Saber, da UFF, que  tem entre seus projetos o pré-vestibular popular para  pessoas de baixa renda. O projeto existe há oito anos e tem dado resultados significativos. "Ele ousa pegar adolescentes de favelas e colocá-los dentro das universidades públicas, capacitando-os para   fazer o vestibular".



O projeto junta os jovens  universitários  com os jovens de locais carentes para que haja uma fusão, "apostando que isso possa trazer uma ressonância, ou um envolvimento maior na localidade de origem desses adolescentes". O professor afirmou que esses jovens de favelas saem normalmente de escolas públicas "capengas". Todavia, graças à relação de solidariedade com os alunos da universidade, em nove meses "há uma sintonia de produção de conhecimento onde esses jovens conseguem recuperar tudo que a escola pública não produziu durante oito ou nove anos".



Segundo ressaltou Sousa, muitos desses jovens já estão cursando engenharia, enfermagem, pedagogia, serviços sociais. A taxa de aprovação tem sido em torno de 31% do grupo. "Isso mostra que é possível, no plano da universidade, reverter toda essa mazela que nós, enquanto sociedade, estamos produzindo", expôs.