Assunto é pauta do V Simpósio Internacional para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que começou nesta quinta (16), em Fortaleza (CE)
A rede que explora o tráfico internacional de pessoas tem conexões em todos os continentes. No Brasil, ela utiliza o estado de Goiás, há pelo menos dez anos, como importante polo de saída de mulheres para serem prostituídas em outros países. Esse diagnóstico foi traçado na mais recente pesquisa sobre o assunto, que está em andamento e é coordenada pela professora Telma Durães, da Universidade Federal de Goiás (UFG). A pesquisa é intitulada Tráfico Internacional de Mulheres: Goiás – Pensando a Prevenção.
Ao longo de 2012 e 2013, a professora Telma visitou prostíbulos, conversou com vítimas, profissionais do sexo, autoridades e representantes de organizações não governamentais no Brasil, em Portugal e na Espanha. Após vários relatos e uma série de documentos analisados, ela identificou que Anápolis é a cidade goiana mais citada como origem das mulheres traficadas para os dois países europeus.
“Nós fomos a campo e percebemos que, a partir de dados do governo e de ONGs de Goiás e também da polícia espanhola, por exemplo, Goiás ainda era um local importante, e a cidade de Anápolis aparecia nas entrevistas e nos documentos. Naquele momento Goiás ainda se mantinha em posição destacada como polo de saída de mulheres”, afirmou a pesquisadora da UFG.
Entre as informações analisadas durante a pesquisa estão dados da Polícia Federal que colocam Goiás no topo de uma lista de inquéritos instaurados no País, de 1999 a 2011, para investigar o tráfico de pessoas. O estado registrou no período um total de 174 indiciamentos de suspeitos.
Outra informação importante foi apurada junto à Resgate Brasil, uma ONG suíça que atua no Brasil e presta atendimento às vítimas, promovendo sua ressocialização: em 2011 retornaram ao Brasil 54 pessoas que viviam em situação de vulnerabilidade na Europa. Desse total, 21 retornaram para Goiás, sendo que a maioria foi explorada sexualmente naquele continente.
Combate
A gravidade do crime de tráfico de pessoas, além de despertar a curiosidade de estudiosos como a professora Telma, mobiliza as autoridades. Nesta quinta-feira (16/4), por exemplo, magistrados, representantes do Ministério Público, defensores públicos e policiais estão reunidos em Fortaleza (CE), para participarem do V Simpósio Internacional para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT7). No evento, a saída de mulheres do Brasil para exploração sexual no exterior será um dos principais temas abordados.
O caso de Goiás, em particular, continuará sendo investigado pela professora da UFG. Ela se prepara para voltar à Europa, dando sequência à pesquisa, em uma nova etapa que é voltada à prevenção do tráfico de pessoas. “Saber por que as mulheres de Goiás estão entre as que mais se envolvem com o tráfico é o nosso desafio. Saber, por exemplo, por que Anápolis? Para saber os motivos, teremos de debruçar sobre essa questão”, disse a professora.
Ela contou que durante o trabalho de campo, em 2012 e 2013, entrevistou pouco mais de 20 mulheres no estado de Goiás, das quais quatro haviam retornado da Europa após serem exploradas pela rede do tráfico de pessoas. Segundo os depoimentos, há apartamentos na Europa habitados apenas por mulheres traficadas a partir de Goiás.
“Essas quatro mulheres são muito sofridas. As experiências são muito traumáticas. Uma que não conseguimos entrevistar, que é irmã de uma das entrevistadas, está envolvida com drogas. Essas mulheres voltam ao Brasil sem muito apoio da família, até porque na maioria das vezes a família nem sabe do problema. Outras são estigmatizadas, porque são tidas como prostitutas, então são mulheres que trazem uma experiência muito dolorosa de vida. Isso, para elas recuperarem, é muito difícil”, relatou a pesquisadora.
Dívidas
Segundo a professora, uma das entrevistadas em Goiás conseguiu voltar da Europa após saldar uma dívida com a quadrilha que a explorava. “Geralmente a forma de manter as mulheres que caem na rede do tráfico é por meio da contração de dívidas. Essa mulher que entrevistamos conseguiu pagar. Mas as outras todas saíram fugidas, com a apoio de ONGs, com a ajuda de homens, no caso clientes”, conta Telma Durães, acrescentando que muitas mulheres são obrigadas a vender drogas para conseguir pagar essas dívidas.
O fluxo de mulheres de Goiás para fins de exploração sexual na Europa ocorre há pelo menos dez anos. O problema, lembrou a pesquisadora, ficou nacionalmente conhecido quando a imprensa noticiou que a cidade goiana de Uruaçu tinha boa parte da economia local movimentada com o dinheiro de mulheres prostituídas na Espanha
“Tanto é que na cidade há um bairro conhecido como Bairro das Espanholas. Elas compravam casas, montavam negócios. Pode ser que isso tenha contribuído para Goiás ter sido foco de atenção de pesquisadores e também ser colocada, nas estatísticas, como local importante de saída de mulheres”, analisou a pesquisadora da UFG.
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Fonte: Jorge Vasconcellos | Agência CNJ de Notícias