ENTREVISTA PUBLICADA NO JORNAL OPÇÃO, edição deste domingo:
“A União nunca investiu em segurança pública”
Presidente da Asmego, que admite possibilidade de disputar re-eleição em 8 de dezembro, afirma que trabalho desenvolvido aproximou os magistrados da sociedade
Gente como o narcotraficante Leonardo Mendonça tem de ficar em prisão de segurança máxima; essa história de que polícia prende e Judiciário solta é uma grande falácia; o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem legitimidade para pressionar por seus direitos. As opiniões são de Átila Naves Amaral, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e refletem uma cabeça que se pode chamar de arejada. Por isso mesmo, Átila não se furta a dar opiniões que podem soar fortes, como dizer que o governo federal peca ao não investir em segurança pública. Ele também tece críticas à ineficiência do sistema jurídico brasileiro.
As ações desenvolvidas à frente da Asmego e o trabalho em parceria com o Tribunal de Justiça no sentido de aproximar o Judiciário da sociedade também são temas da entrevista. Com marcante bagagem na carreira, Átila Naves Amaral formou-se em Direito em 1990 pela Universidade Federal de Goiás, passou um ano pelo Ministério Público e está na magistratura desde janeiro de 1993. Mestre em direito agrário (com tese sobre o estatuto do desarmamento) também pela UFG, licenciado da quarta Vara de Família e Sucessões da Capital, onde é titular. Virtual candidato à re-eleição para a Asmego (o pleito será no dia 8 de dezembro) o jovem magistrado de 42 anos deu a entrevista que segue na quarta-feira, 4.
Euler de França Belém — Como magistrado, presidente da Asmego, como o sr. percebe a violência no Brasil? É uma questão meramente social ou o crime está organizado?
Questão totalmente complexa. Levando em consideração que a população carcerária no Brasil é de 300 mil homens e mulheres, vamos imaginar que tivéssemos o dobro de mandados de prisão para cumprir, chegaríamos a 900 mil pessoas presas ou necessitando de serem presas para preservar a sociedade. Isso representa 0,5% da população. Estou trabalhando com estatísticas, que é uma ciência fria, mas temos várias situações. Há vários componentes e o social é um deles. Vivemos em uma sociedade consumista que estimula as pessoas, “compre, tenha, sinta, prove”, e muitas vezes as pessoas não têm condições financeiras de fazer isso. Hoje o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza em todo o País inúmeros mutirões carcerários justamente para fazer a separação do joio do trigo. Sou da opinião que penitenciária, cadeia, é para situações excepcionais. A regra é a liberdade. Não tenho uma formação policialesca.
Euler de França Belém — O sr. é favorável à privatização dos presídios?
Totalmente. Descontadas as exceções, o particular realiza com mais eficiência, transparência, agilidade e melhor qualidade tudo que o poder público faz. Evidentemente que o Estado não pode privatizar os presídios e virar as costas. São necessários mecanismos eficazes de vigilância, de acompanhamento e supervisão.
Euler de França Belém — Como o sr. vê a questão de um narcotraficante como o Leonardo Dias Mendonça, que preso no antigo Cepaigo usou o presídio como jardim de infância e pôde articular o tráfico?
Isso reforça a necessidade de segregar em supermax — como os norte-americanos chamam os presídios de supersegurança máxima — algumas mentes como a desse rapaz. O que aconteceu não deveria acontecer, mas isso reforça o trabalho que o governo federal tem tido em criar as penitenciárias de segurança máxima. Precisamos adequar o regime de cumprimento de pena. Nossa Constituição, que é extremamente liberal, às vezes deixa as autoridades sem condições de manter um indivíduo como esse segregado por muito tempo. Atualmente é direito deles o convívio familiar — porque a prisão no Brasil é toda voltada para a reeducação —, é preciso oferecer assistência jurídica, religiosa, visita íntima e isso cria furos no sistema de segurança. Volto a frisar que prisão deve ser exceção, mas para esse tipo de gente deve ser rigorosa porque quem perde é a sociedade.
Euler de França Belém — O senador Demóstenes Torres (DEM) disse que todo ano o Congresso coloca uma verba para construção de presídios, mas durante os últimos três anos o presidente Lula faz contingência, pega essas verbas e transfere para a construção de estradas, por exemplo. Como o sr. vê essa questão?
Temos o presídio de Catanduva, no interior do Paraná, e o de Campo Grande, no Mato Grosso, funcionando bem, mas precisamos de mais. É um trabalho que foi iniciado, se não aconteceram investimentos nesse período é uma desídia do governo federal em dar seguimento. Os envolvidos naqueles confrontos que ocorrem no Rio de Janeiro há cerca de 20 dias foram transferidos para o presídio do Paraná, mas já deveriam estar lá antes. Tudo isso passa por vontade política do administrador, que quer contingenciar e gastar em outras áreas.
Danin Júnior — Há uma reclamação frequente na polícia de que ela prende e o Judiciário solta. Seria por falta de estrutura do sistema judiciário ou é problema de legislação?
Essa história de que polícia prende e Judiciário solta é uma das grandes falácias que ouvimos todos os dias. Qual a cadeia de interior e presídio que não está lotado? Se tivéssemos celas e mais celas vazias e a criminalidade grassando nas ruas poderia até concordar. O que existe são regras de natureza constitucional que o Judiciário não pode se descuidar. Se ocorrer com a gente, ou alguém próximo, queremos todas as salvaguardas e garantias. Assisti a um vídeo em que um sujeito é assassinado no presídio de Presidente Bernardes (SP), e ele estava preso por falsificação de documentos. A princípio não é alguém que mereça estar em uma penitenciária, porque este crime não prevê penalidade tão pesada.
Hoje o mutirão carcerário vem sendo feito justamente para tirar dos presídios as pessoas que não precisariam estar lá. Esse mutirão também ocorreu no Entorno de Brasília, que é hoje no judiciário goiano o calcanhar de Aquiles. Lembro-me de passar por Águas Lindas há 10, 15 anos e não ver nada. Atualmente a cidade tem cerca de 300 mil habitantes. Como levar serviço de atendimento básico, de responsabilidade do Estado, de uma hora para outra. Isso repercute em números ruins que às vezes Goiás ostenta. Ano passado a Asmego realizou um movimento em Formosa para denunciar as más condições carcerárias. Fizemos um link com o Jornal da Rede Globo, para mostrar que o problema de segurança pública do Entorno era muito mais do DF do que de Goiás. Se tivéssemos esse estado que se convencionou dizer que polícia prende e Justiça solta, não teríamos uma população carcerária tão grande.
Cezar Santos — Então o que fazer com o Entorno?
Falta investimento e essa responsabilidade não pode ser só de Goiás. Visitei o Entorno esses dias, inclusive porque é lá que estão os colegas que trabalham nas piores condições possíveis. O Tribunal de Justiça tem feito investimentos. O Fórum de Águas Lindas já está licitado, Luziânia e Formosa têm Fórum novo e o de São Antônio do Descoberto foi recentemente inaugurado. Até o final do ano que vem todas as comarcas do Entorno terão Fóruns e isso tem custo. Eu sou da opinião de que o Estado não pode ser o único responsável por esses investimentos, a União e o governo do DF também têm que fazer a parte deles.
Danin Júnior — Qual seria em números a carência de juízes nas cidades do Entorno?
Acredito que com o aumento do quantitativo que tivemos, Formosa e Luziânia têm oito juízes, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina três. Águas Lindas que é o problema, temos a previsão de cinco juízes para uma cidade de 300 mil habitantes. Tudo no Entorno de Brasília é maximizado. Certamente que lá faltam professores, médicos, policiais civis e militares. O Entorno está por fazer e estão querendo que Goiás faça sozinho. Na área do Judiciário posso dizer que investimentos têm sido feitos, o Entorno hoje é prioridade para o Conselho Nacional de Justiça e para o Tribunal de Justiça do Estado.
Euler de França Belém — O que o sr. acha da tese de incorporar municípios do Entorno a Brasília?
Já demos nossa cota de participação quando ocorreu a marcha para o Oeste, iniciada por Getúlio Vargas e concretizada por Juscelino Kubitschek. Quando cedeu o território para o Distrito Federal, Goiás deveria receber por isso. Queremos o Entorno como deve ser, pertencendo a Goiás, mas com investimentos dos governos estadual e federal.
Euler de França Belém — O que o senhor acha da proposta do deputado federal Pedro Wilson (PT) de se criar um fundo nacional de segurança pública?
A União nunca investiu em segurança pública, essa é a verdade. Agora aparelha melhor a Polícia Federal e criou a Força Nacional de Segurança, instituição que faz incisões pontuais. Quando se fala em fundo está se tratando de recursos. Para levar recursos é preciso tirar de algum lugar. O governo federal certamente vai resistir, mas já não cabe essa história de que segurança pública é dever dos Estados e a segurança nacional é dever da União. Isso já passou da hora de ser revisto.
Euler de França Belém — A proposta de Pedro Wilson é viável?
Penso que todos os Estados têm interesse. É preciso ver agora se politicamente vamos conseguir.
Cezar Santos — O sr. concorda que a criação desse fundo pode não ser de interesse do governo, já que tiraria os Estados da dependência de recursos para esse setor?
Dinheiro para segurança pública não vai para os Estados. O governo federal se esconde no dispositivo constitucional que diz que a segurança pública é dever dos Estados.
Euler de França Belém — Apesar de o regime semiaberto ser considerado um avanço do ponto de vista jurídico, pessoas saem, cometem crimes e voltam sem serem identificadas. O que precisa ser feito com o semiaberto?
Fiscalizar. Nosso ordenamento jurídico não prevê a colocação de pulseira eletrônica, mas sou a favor desse método. Eu sou muito liberal na questão de cumprimento de pena. No sistema que temos o encarceramento vai gerar um criminoso cada vez mais habilitado. O semiaberto é uma transição daquele reeducando que já ficou no regime fechado. No fundo o reeducando é fruto da sociedade que vivemos. Dentro de um regime jurídico democrático, participativo, humanitário e pluralista esta pessoa terá que voltar para o seio da sociedade.
Cezar Santos — A criminalidade não é opção do indivíduo?
Não é só isso não. Seria muito simplista dizer que a criminalidade é só uma questão de opção. Ela envolve muitas situações e a opção é apenas uma delas. Mas como não temos como corrigir essa escolha precisamos mitigar o retorno desse indivíduo para a sociedade. Não temos penas de prisão perpétua, de banimento, de morte. Esse indivíduo, querendo ou não, vai voltar para o seio da sociedade. Se tivéssemos um sistema jurídico mais eficiente, um número maior de pessoas poderia ser solto, apesar de a polícia prender.
Danin Júnior — De 1988 para cá, com a promulgação da Constituição, aparentemente a sociedade se tornou um pouco mais dura em relação às punições. O senhor concorda?
Euler de França Belém — No referendo do desarmamento a população deu outra resposta à esperada pelo governo e grande parte dos veículos de comunicação. Há também outro detalhe sobre o que as pessoas estão pensando. O senador Demóstenes é relator de um projeto no Congresso para aumentar as penas de crimes hediondos. O cumprimento de até 40% passaria para 50%, isso da primeira vez. O reincidente passaria de 60% para 66%.
Cezar Santos — Pedir mais dureza não seria um sentimento de impotência da sociedade que se vê presa da violência e da falta de segurança?
A sociedade é muito volúvel, isso é histórico. Numa enquete, com o atual quadro de insegurança pública, se as questões envolverem endurecimento de pena, medidas de segurança, vai se obter respostas altamente favoráveis a mais dureza. Se por outro lado for noticiado naquela mesma semana algum erro judiciário, por exemplo, que certa pessoa ficou anos presa sem culpa, pode ter certeza que o quantitativo de pessoas pedindo endurecimento vai reduzir. Isso porque as pessoas opinam dentro do quadro de medo e insegurança que estão vivendo. Mas não tenho dúvida que se fizer uma pesquisa em uma sociedade refém como a nossa, vai se chegar à conclusão de que as pessoas querem o endurecimento de pena. Algumas serão a favor da pena de morte, outros já acham que “roubou uma vez corta uma mão, roubou outra a vez corta a outra mão, roubou a terceira vez corta o pescoço”. Não quero uma sociedade dessa para os meus filhos. Mas costumo dizer que o sistema jurídico brasileiro é um dos mais seguros do mundo. Particularmente, se eu tivesse que ser processado, entre o sistema romano-germânico, que é o adotado no Brasil, ou no anglo-saxão, eu preferiria o primeiro. O sistema latino prestigia mais o direito de defesa.
Cezar Santos — Como resolver o problema?
Temos formas inteligentes de resolver isso e a sociedade precisa se envolver cada vez mais. O que mais se precisa é de investimento. Não digo simplesmente construir cadeias e aumentar vagas em presídios, mas trabalhando certas realidades de forma mais inteligente. O poder judiciário hoje sofre uma verticalização. Desde 2005 temos um sistema totalmente vertical. Antigamente os Tribunais de Justiça dos Estados trabalhavam de forma diversa, não havia padronização. Hoje temos um órgão central de cúpula, chamado Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dá a diretriz.
Inã Zoé — Falando em CNJ, estão sendo realizados os chamados mutirões de Justiça. Como está isso em Goiás?
Fui informado de que cumprimos 67% da meta 2, na qual temos que, até o final de dezembro, julgar todos os processos protocolados até 2005. Goiás, na semana passada com 62%, era o primeiro colocado no País; hoje com 67%, somos o terceiro. Isso representa uma liderança em termos de planejamento estratégico. Saúdo com bons olhos a chegada do Conselho. Nossa associação já esteve no CNJ, do ano passado para cá, 11 vezes levando pressões de Goiás para que ele se posicione. A Asmego ingressou este ano com uma representação no CNJ contra a assistência judiciária na Capital, uma das maiores injustiças que conheço. Se o cidadão tem condições financeiras de bancar as custas de um processo vai para uma vara privatizada. Se não tem condições, entra pela assistência judiciária. Lá existem 13 mil processos esperando, Na outra vara, que é a da justiça paga, há uns 5 mil processos e lá eles andam. O princípio para a razoável demora no processo para o beneficiário da assistência dura quase três vezes mais do que aquele que paga. Fomos ao CNJ e, por unanimidade, foi determinado que distribuíssem todos os processos da assistência por todas as varas, dentro do princípio da universalização do acesso à Justiça. Em Goiás, cartorários insatisfeitos foram ao STF e conseguiram uma liminar suspendendo essa ordem do Conselho. Essa medida que nossa associação tomou tem uma grande importância e aguardamos a solução do mandado de segurança no Supremo, mas isso demora. Estamos tentando junto a Assembleia Legislativa resolver isso por lei, que venha universalizar essa distribuição. Não se podem criar varas a partir da capacidade econômica das partes. Hoje temos no Estado varas de pobres e varas de ricos.
Danin Júnior — Qual o custo desta Justiça paga?
Cada tipo de ação tem uma custa diferente, mas não é nada assombroso em termos de valores.
Cezar Santos — O sr. diz que o CNJ é positivo, mas se vê crítica de abusos e ingerências. Como explicar isso?
O CNJ é um órgão adolescente, foi instalado em 2005. A pressão que ele sofre é grande já que veio como o redentor das práticas do judiciário brasileiro. Vez ou outra acontecem abusos, mas friso que são imensamente menores do que as vantagens do sistema verticalizado.
Danin Júnior — O controle externo veio para ficar e é desejável isso?
Nesse controle temos pessoas indicadas pelo Senado, pelos Tribunais. É um órgão misto, e na minha avaliação foi muito positivo. A tendência é que o CNJ se aprimore cada vez mais em termos de rotinas administrativas para os Tribunais.
“O juiz se isola para decidir”
Inã Zoé — O que o sr. destacaria de mais relevante em sua gestão a frente da Asmego?
Fizemos um trabalho de aproximação entre os magistrados de Goiás e a sociedade. A atual direção do Tribunal de Justiça, com o presidente Paulo Teles, tem tido práticas administrativas inovadoras nesse sentido. E a Asmego é parceira incondicional dos trabalhos que a presidência do Tribunal faz. Achamos extremamente produtiva a gestão de Paulo Teles, sobretudo na desmistificação da figura do juiz como agente político impenetrável e intransponível.
Nestes dois anos à frente da Asmego tivemos algumas iniciativas pioneiras, além do trabalho institucional, o bê-á-bá, como as unidades de lazer e os planos de saúde. Procuramos uma ligação maior da magistratura com a sociedade. Criamos oito regionais da associação pelo interior, fizemos encontros regionais abertos à comunidade, o Congresso dos Magistrados de Goiás desde o ano passado é aberto a toda comunidade jurídica e acadêmica. A Asmego procura ser uma parceira nas boas práticas administrativas do Tribunal de Justiça.
Cezar Santos — O sr. é candidato a re-eleição?
Estou discutindo com a classe se é conveniente me recandidatar. Se for da vontade da maioria devo sim disputar as eleições.
Cezar Santos — Está mudando o conceito de que a Justiça está fora da realidade do cidadão?
Nós somos formados para decidir as coisas com imparcialidade. Então o juiz, muitas vezes, se isola em um superlativo nessa tentativa de poder estar isento para a decisão. Fui juiz no interior por 12 anos e senti na prática que não temos um relacionamento social, para que isso não seja confundido como uma aproximação promíscua e não venha interferir na nossa imparcialidade. Mas os tempos mudaram. O presidente Paulo Teles, dia desses, teve uma iniciativa de alcance simbólico excelente. Trouxemos o ministro Nilson Naves, do STJ, para fazer uma palestra no Congresso da Associação e ele foi entusiasta da iniciativa do presidente em receber as pessoas na praça. Não que vá solucionar os problemas todos do Judiciário, mas humaniza. Não somos fim, o Judiciário é um meio. O CNJ tem buscado soluções nas mentes mais brilhantes do país. A sociedade cobra isso.
Danin Júnior — Com essa medida de aceleração não se corre o risco de haver processos mal julgados? Qual o controle disso?
Há risco, mas o sistema brasileiro é muito seguro quanto a isso. Vamos supor que um juiz preocupado com o cumprimento da meta 2 erre, existe o Tribunal de Justiça. Se um desembargador, que também tem meta 2 para cumprir, também errar, tem o Supremo Tribunal de Justiça. Se um ministro do STJ errar, recorre-se ao Supremo. Essas são camadas de proteção do sistema.
Danin Júnior — Os juízes podem sofrer maior pressão de quem está no poder?
Em Goiás mesmo existem ações civis públicas contra governantes, uns são condenados, outros absolvidos. Temos salvaguardas constitucionais que blindam o magistrado brasileiro. Ele não pode ser afastado do processo, transferido de comarca se não quiser, nem ter os vencimentos reduzidos. Isso traz um debate interessante, porque o que muita gente chama de privilégio da magistratura, nós chamamos muita vezes de salvaguardas. O juiz é um cidadão pela metade. Posso votar, mas não posso ser candidato, para isso preciso me exonerar ou me aposentar. Juiz não tem direito de ir e vir, tem que residir na comarca onde trabalha ou em uma próxima, autorizado pelo presidente do TJ. Um juiz não pode ser gerente de uma empresa, não pode exercer outra profissão a não ser a de professor. Temos uma série de restrições no nosso exercício.
Cezar Santos — O sr. acha isso negativo?
Particularmente me sinto um pouco incomodado por não ter certos direitos que às vezes o mais humilde cidadão tem. Acho que o magistrado poderia ser candidato, não vejo problema. Mas tudo bem se o legislador constituinte entendeu que não pode.
Cezar Santos — Como especialista nessa área, como o sr. acha que governo deveria agir em relação ao Movimento Sem Terra (MST), que não tem existência jurídica e vem promovendo uma série de invasões e destruições?
Vivemos numa malha social em que cada um puxa de acordo com sua conveniência. Apesar de incomodar, o MST é uma realidade. Existe uma promessa constitucional de revolução no campo, de reforma agrária, e por outro lado existem garantias de direito à propriedade. Sou muito otimista quanto a isso e vejo que esses embates fazem parte da democracia. Se houver fluxo de capital para o segmento produtor não há problema nenhum, mas isso muda se às vezes existir recursos para o movimento de assentamento. Temos que reconhecer que, apesar dos abusos, o movimento dos trabalhadores é legítimo e temos que conviver com isso. Os excessos que existem devem ser resolvidos nos tribunais. Aquele ato que assistimos no interior de São Paulo, com a destruição de laranjais, é um crime de dano à sociedade.
Euler de França Belém — É muito bonita a forma como o sr. está falando, mas o fato é que em nenhum país desenvolvido existe algo como o MST.
É só ver o que aconteceu em Paris no ano passado. Imigrantes parisienses fecharam a cidade, quebraram carros, fizeram barricadas por causa de aumento de tarifa.
Euler de França Belém — Mas por causa disso pode se achar que o MST é movimento legítimo?
Estou dizendo que existe uma promessa constitucional de se fazer uma reforma agrária e isso é inegável. Os movimentos sociais têm que pressionar e essa forma de pressionar é legítima. Os abusos têm que ser solucionados à luz dos procedimentos jurídicos cabíveis e penso que os radicais brasileiros são até menos radicais que os de outros países.
Euler de França Belém — Mas onde o sr. viu alguém invadir e quebrar o Congresso?
Há uma corrente política forte que trabalha em cima dos movimentos sociais pela reforma agrária. Há uma agroindústria forte também com a CNA (Confederação Nacional da Agricultura). No Congresso Nacional dos Magistrados, recentemente, em São Paulo, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da CNA, foi palestrante.
Cezar Santos — Mas a CNA tem existência jurídica e o MST não. Não é possível nem apenar os abusos.
Euler de França Belém — Existem setores hoje que consideram o MST uma entidade terrorista. Ele tem práticas terroristas, não?
Se olhar bem, o MST é formado por diversas ONGs com existência jurídica que trabalham sobre o guarda-chuva do chamado movimento dos trabalhadores rurais sem terra. Temos a Via Campesina, outra vertente do movimento, e as federações de trabalhadores da agricultura espalhados pelo país. Nessa formação, reconheço como legítimo o trabalho que realizam. Dizer que o MST não tem personalidade jurídica, tudo bem, mas as Federações dos Trabalhadores da Agricultura têm e são elas que realizam boa parte desses movimentos pelos Estados. O MST, a exemplo da CUT, que até bem pouco tempo também não tinha personalidade jurídica, também realiza trabalho de agrupamento dessa forças. Caso de polícia se resolve na polícia, mas esses movimentos não podem ser desconsiderados.
Euler de França Belém — Então o sr. considera que a invasão do Congresso Nacional é apenas um caso de polícia?
Até onde eu vi, não houve nenhum tipo de violência física contra nenhum congressista. Eles foram a Brasília se manifestar. A cidade foi criada de forma que dificulta muito essas manifestações populares. Eles acabaram entrando e quebrando algumas vidraças. A polícia legislativa deve nesse caso agir e prender os que estão envolvidos.
Euler de França Belém — O sr. tem formação socialista?
Acredito na democracia como forma de atingir nossos objetivos.
Danin Júnior — Seria possível no Brasil implantar o sistema norte-americano de alguns Estados e distritos, em que o poder judiciário, inclusive a chefia de polícia, é eleito pela sociedade e não por concurso?
Nos Estados Unidos, nos municípios menores, os chamados condados, há a eleição, mas nas grandes cidades se tem juízes concursados. Alguns dos juízes da magistratura federal também passam por concurso público. Como cidadão, gostaria de ser julgado por um juiz que tenha sido submetido a um concurso, passado por um curso de formação. Já temos no Brasil uma série de distorções, imagine mais essa.
Danin Júnior — Mas existe aí uma equipe técnica para dar o apoio necessário e a eleição viria para dar maior sintonia entre o juiz com a sociedade em que está inserido.
Nas peculiaridades culturais do Brasil, penso que é melhor termos juízes concursados. Penso que se a sociedade for ouvida também vai se posicionar nesse sentido. Nós temos no órgão de cúpula, que é o Supremo, onde todos os ministros chegaram por acesso político, e nesse caso funciona. Mas para uma magistratura de primeiro grau é interessante se ter um técnico. Nossos concursos são sérios, o Tribunal inclusive está terceirizando a Fundação Carlos Chagas para isso. Temos condições de selecionar as melhores cabeças.
Danin Júnior — Dizem que há uma nova de geração de juízes muito boa. É verdade?
É a geração pós-1988, que vem mais antenada com a questão da flexibilização da imagem do magistrado. O juiz antigamente tinha uma série de resguardos que eram absolutamente desnecessários. Eu participo da sociedade, me integro, leciono, sou marido, pai, cidadão pronto para discutir nossos problemas e tentar contribuir com soluções, sem o "excelência".
Danin Júnior — O que o sr. acha da indicação do José Antonio Toffoli para o STF?
Disseram que Toffoli não foi aprovado em dois concursos para a magistratura paulista. Brinco que depois do resultado seu anjo da guarda passou a mão na cabeça dele e disse: "Não fica triste não, estou guardando uma coisa muito melhor para você no futuro". A indicação foi como outra qualquer. Ele foi advogado-geral da União, fez um trabalho técnico reconhecido e chegou lá pelas regras do jogo. Temos o 5º constitucional nos tribunais, são aqueles que chegam ao Judiciário. Em Goiás, por exemplo, são 8 desembargadores dos 36 que chegam por critérios de vinculação com o 5º, são 4 advogados e 4 promotores ou procuradores de justiça do MP que chegam ao tribunal.
Cezar Santos — Como o sr. vê a posição do Brasil ao dar asilo político ao terrorista italiano Cesare Battisti , um homem que matou e foi condenado em seu país?
Essa discussão é ideológica. Uma corrente entendeu que a ação dele foi política, a justiça Italiana, se não me engano, entendeu que foi uma ação de crime comum. Particularmente acho que Battisti cometeu crime comum nos anos 70. Acho que o Supremo vai rever e extraditar.
Inã Zoé — Reduzir a menoridade penal seria um avanço no Brasil?
A redução da menoridade penal de 18 para 16 anos tem defensores e opositores ardorosos. Sou radicalmente contra a redução porque vamos levar para um ambiente promíscuo de penitenciária pública adolescentes que ainda poderiam sofrer um processo de reabilitação. Vi isso por que fui por 12 anos juiz da Infância e Adolescência em Goianésia. Em Goiânia o doutor Mauricio Porfírio faz um trabalho muito bem feito, e entende que o adolescente tem que receber apoio.
Inã Zoé — Mesmo aquele jovem que mata, estupra?
Não podemos tomar exceção como regra. Nem todo menor infrator mata e estupra. Para aqueles que cometem esse crime a legislação já prevê um período de internação de até três anos.
Inã Zoé — E esse tempo é o suficiente para a recuperação?
Não sei se é suficiente. Mas se um adolescente de 14, 15, 16 anos tem um tratamento dentro de uma legislação que tende a ser endurecida cada vez mais, é possível obter respostas positivas. Dentro da minha formação já consegui recuperar diversos adolescentes problemáticos com estudo, recreação e um bom papo.
Danin Júnior — O Ministério Público foi um órgão que passou por renovação institucional, uma atuação mais marcante. Como é o relacionamento com MP nesta nova fase mais incisiva?
Em Goiás posso dizer que nosso relacionamento é muito bom. A Asmego realiza eventos em conjunto com a AGMP (Associação Goiana do Ministério Público). Evidentemente que no campo das ideias, hora ou outra, pode haver alguma divergência, mas essa emancipação que o MP passou a ter como órgão envolvido com os interesses sociais e coletivos trouxe benefícios enormes para a sociedade. Não vejo nenhuma trinca entre magistrados e promotores de justiça.
Danin Júnior — A sociedade ficou escandalizada quando as operadoras de telefonia divulgaram o uso de cerca de meio milhão de grampos telefônicos autorizados pela justiça. Os juízes acreditam que o uso dessa tecnologia, investigando as pessoas secretamente, é uma boa saída?
Nos últimos anos houve uma banalização do uso desse recurso pela Justiça. Interceptação telefônica é assunto privativo de juiz criminal. A CPI dos grampos encontrou autorizações dadas por juiz do Trabalho, de Família, enfim, virou uma celeuma. Um dos direitos que o cidadão brasileiro tem é a intimidade. O grampo não pode ser necessariamente o início de uma investigação criminal, existe um conjunto probatório que precisa ser trabalhado.