Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Já são mais de 30 mil denúncias


A Lei Maria da Penha colocou no banco dos réus 31.595 pessoas desde que foi sancionada, em agosto de 2006, de acordo com levantamento do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). A quantidade de acusados é tão grande que 85% dos 246 municípios goianos têm população menor que o total de agressores no Estado. Além da violência cometida por maridos contra mulheres, uma nova “modalidade” de opressão começa a ser observada: a cometida por filhos contra mães, sobretudo por conta do envolvimento com drogas.


Quase 20% dos processos criminais relacionados à Lei Maria da Penha tramitam em Goiânia. Devido as práticas de violência doméstica e familiar contra a mulher na capital, o judiciário determinou a aplicação de 1,2 mil medidas protetivas de urgência, todas em vigor atualmente. A decisão ocorre após visita de equipe multidisciplinar que verifica a realidade familiar e faz um relatório que fundamenta as atitudes dos magistrados.


Essas penalidades incluem afastamento do lar ou local de convivência com a mulher; impedimento do agressor se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, com fixação de limite mínimo de distância entre eles; e restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores. O descumprimento das medidas protetivas de urgência pode levar à prisão. No momento, existem dez homens presos em Goiânia pela desobediência.


Há sentença proferida em 65% dos processos em tramitação em Goiânia. No entanto, na maioria dos casos ainda cabe recursos. Os dados do TJ-GO vão desde a sanção da lei, mas ainda podem haver processos abertos antes.


Interior


Embora registre a maior quantidade de processos em números absolutos, Goiânia não está entre as cidades com mais ações judiciais relacionadas à Lei Maria da Penha. Proporcionalmente, os municípios de Joviânia, Mineiros e Cromínia possuem as maiores incidências de violência contra a mulher. Em seguida vem Goianira, que faz parte da região metropolitana da capital. Na outra ponta da tabela estatística estão Jaraguá, Buriti Alegre, Panamá e Barro Alto, com os menores índices.


“O número de processos reflete a mudança de mentalidade provocada pela lei, que protege as vítimas e encoraja as denúncias”, diz o juiz Rinaldo Aparecido Barros, do 1° Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. O magistrado também observa o aumento de acusações após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter entendido que o Ministério Público pode denunciar o agressor mesmo que a mulher não apresente queixa contra o algoz. A decisão é de fevereiro do ano passado.


Na lei sancionada em 2006, o agressor só poderia ser processado se a mulher agredida fizesse uma queixa formal. A norma permitia inclusive a ofendida retirasse a queixa, o que era muito comum. Mesmo com a mudança, a situação continua alarmante, segundo a promotora Rúbian Corrêa Coutinho, que atua no 1° Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. “O quadro é muito mais aterrador do que os números conseguem mostrar. Há centenas de casos não registrados, seja por medo, dependência financeira ou pela crença de que o agressor vai melhorar”, analisa a promotora.


Amarrada nua na cama durante uma semana


Fernanda (nome fictício), costureira de 25 anos, entrou no último domingo ao Centro de Valorização da Mulher (Cevam). Chegou ao abrigo vinda de Trindade, cheia de hematomas espalhados pelo corpo, com os olhos roxos, e muitas, muitas marcas na alma ... Desde o dia 11 de março, ela era mantida sob o jugo do companheiro, doze anos mais velho, pai de seus três filhos - de 4 e 2 anos, e um bebê de apenas 8 meses, que a jovem trouxe consigo. O homem que deveria protegê-la, e que ela julgava amá-la, a manteve, durante um semana inteira, em cárcere privado, na própria casa em que, um dia - bem distante na memória dela -, foram felizes.


“Eu fiquei todo esse tempo amarrada na cama, nua, desesperada. Ele me queimou com cigarro, quebrou o meu nariz, me bateu com cabos elétricos. Quanto mais eu gritava e pedia para ele parar, mais ele me espancava”, relata Fernanda, sentindo, ainda, as dores da violência. “Como se não bastasse, ele me colocou para dançar, daquele jeito, nua, na frente de dois caras que apareceram na casa. E me obrigou a transar com ele, muitas vezes; me estuprou”, conta a jovem, quase parecendo referir-se a uma cena que assistiu no cinema, incrédula diante da realidade que viveu.


Sem saída, exausta e já com vontade de morrer, Fernanda diz que decidiu arriscar algumas mentiras para o agressor, na tentativa de ele considerá-la “uma louca, uma bandida”, e, enfim, matá-la “de vez”. A jovem inventou histórias de abuso contra os próprios filhos e se surpreendeu com a reação do pai das crianças: “Ele, então, me soltou e correu comigo para a delegacia, dizendo que iria me botar na cadeia. Jamais poderia imaginar essa reação da parte dele; achei, mesmo, que ele me mataria. Foi a minha salvação”.


Ao ser ouvida pela polícia, longe de seu algoz, Fernanda contou tudo o que vinha sofrendo nos últimos dias. Depoimento tomado e exames feitos, o homem, então, foi preso em flagrante. A jovem foi orientada a buscar abrigo no Cevam, de onde pretende sair, assim que se recuperar, para mudar-se para outro Estado. Só o bebê está com ela; os outros dois filhos estão com a avó materna. “Meu conselho para todas as mulheres desse mundo é que não aceitem a primeira vez, porque, quando começa, não para! A mulher não deve ter medo de ameaças nem se esconder; deve denunciar e buscar ajuda, o quanto antes”, alerta Fernanda.


No dia em que o agressor praticamente a sequestrou, ela estava na casa dos pais. “Ele me procurou dizendo que estava sendo ameaçado e que sentia medo de ficar sozinho. Eu, boba, acreditei e fui com ele. Coisa de mulher que sempre confia, apesar de tudo”, lamenta.


Entorno do DF tem muitos casos e pouca estrutura


Com cerca de 1 milhão de habitantes, o Entorno de Brasília concentra 25% de todos os processos em tramitação pela Lei Maria da Penha em Goiás. São 7.338 casos ,bem acima dos dados da capital, onde 5.759 processos tramitam na Justiça. Mas vale lembrar que em Goiânia vivem 1,3 milhão de pessoas,300 mil a mais do que na região próxima à Brasília. E para piorar a situação,a estrutura para combater os agressores na região é bastante precária, isso quando existe. Em Águas Lindas, por exemplo, não há nem sequer Delegacia da Mulher. São 1.767 processos em tramitação, a 2ª maior quantidade no Estado. Na cidade as investigações são feitas no Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) pelo mesmo delegado que investiga todos os outros tipos de crimes que são registrados.


Dependência econômica é principal motivo para silêncio


A dependência econômica é o principal motivo para mulheres aguentarem as agressões. Inclusive, motivam o arrependimento de algumas que tiveram a coragem de denunciar. “Infelizmente a Lei Maria da Penha não dá completa proteção, com mecanismos que ofereçam autonomia financeira”, afirma o juiz Rinaldo Aparecido Barros.


A promotora Rúbian Corrêa Coutinho sustenta que o risco de romper a relação, a vergonha ou medo de procurar ajuda, a sensação de fracasso na escolha do parceiro, a crença religiosa, a preocupação com os filhos e o despreparo da vítima, da família, da sociedade e dos serviços públicos e particulares também desencorajam as denúncias. “Quando o STF autoriza a denúncia sem a queixa da agredida, o judiciário reforça os direitos humanos. Essa lei é uma ação afirmativa para uma parcela da população que está vulnerável”, diz.


Especialista em direito da família, a advogada Chyntia Barcellos ressalta que a violência contra a mulher é um fenômeno mundial que também incide entre os jovens. “Apesar da liberdade e do conhecimento das mulheres mais novas, elas ainda são vítimas de homens criados dentro de uma cultura machista e consumidora de bebidas alcoólicas. O álcool está diretamente associado às agressões”, afirma.


Violência de filho contra mãe eleva índice


A violência praticada por filhos contra mães pode ser considerada um dos fatores que elevaram os registros de crimes enquadrados na Lei Maria da Penha em Rio Verde, no Sudoeste do Estado. A constatação é da titular da Delegacia da Mulher, Renata Ferrari, que aponta o uso de drogas como gerador de condutas como agressão ou extorsão dentro de casa.


Com aproximadamente 180 mil habitantes, o município aparece entre os líderes da violência doméstica em Goiás. Atualmente, existem 1.647 processos em tramitação gerados na cidade. Os números superam os de Anápolis (1.041 processos), que tem cerca de 330 mil habitantes, e quase se equiparam aos de Aparecida de Goiânia (1.733 processos), com mais de 450 mil habitantes.