A edição de hoje do jornal Diário da Manhã publicou o artigo “O magistrado tem honra!", de autoria do juiz de Direito Jenonymo Pedro Villas Boas, que também é Assessor Especial da Presidência para os Serviços de Proteção à Saúde e Pecúlio da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás.
Confira:
O magistrado tem honra!
"Muito se falou no Brasil até 2004 em reforma do Poder Judiciário, como se bastasse para solução dos problemas que afligem o Judiciário brasileiro um ato legislativo de reforma da estrutura do poder encarregado de dirimir conflitos de interesses, acentuados nas últimas décadas, não somente pelo crescimento populacional, mas, principalmente pelo significativo aumento das vias de acesso à Justiça.
A chamada reforma do Judiciário, inaugurada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, entretanto, não eliminou imediatamente os mais graves problemas enfrentados pelo Judiciário brasileiro, pois trouxe acertos e desacertos – os quais somente o tempo poderá aquilatar ou aniquilar. Entretanto, a sólida instituição judiciária brasileira, constituída por tribunais centenários, tem sabido em alguns pontos absorver os impactos negativos da dita reforma protagonizada pelo legislador constitucional.
Um desses aspectos negativos da reforma consiste no “sucateamento” da Lei Orgânica da Magistratura, que tem gerado crises, principalmente no tocante às prerrogativas dos magistrados, ou pelo menos no que se compreende atualmente como prerrogativas, tudo na perspectiva de se abrir um corredor para o “controle externo do Poder Judiciário”, que não poucas vezes se confunde com um efetivo controle da atividade judicial.
A criação do Conselho Nacional de Justiça pela referida Emenda Constitucional, aparentando um sinal de avanço para o efetivo controle externo tão almejado pelos intelectuais da República, que dizem pensar o Judiciário, acabou por gerar um grande abismo entre o Poder Judiciário atualmente existente e o Judiciário almejado pela cidadania. Explico-me quanto a isto: havendo o legislador constitucional conferido poder legiferante ao conselho, “enquanto” não editado o Estatuto da Magistratura, a lei atual de regência dos magistrados vem perdendo força (num fenômeno chamado por José Geraldo de Souza Júnior de anomia) no tocante a garantia das prerrogativas da magistratura, instituídas em prol da independência funcional do magistrado, que sempre se reverte em favor da cidadania, nos regimes verdadeiramente democráticos.
Este escamotamento das garantias da magistratura, também denominadas prerrogativas, acabou dando azo, por exemplo, ao surgimento da Resolução nº 30 do Conselho Nacional de Justiça, pretendendo regular o processo administrativo disciplinar do magistrado, engendrada, “quem sabe” por intelectuais que muito se deixaram influenciar pelo sistema aurido do Código Rocco, editado pelo “duce” na península para justificar práticas políticas do regime fascista italiano do primeiro quartel do século passado, que na década de quarenta fomentou a legislação penal brasileira de grande influência nos sistemas disciplinares sancionadores que dali se seguiram.
No Estado Novo, a legislação autoritária do governo Vargas acabou por criar uma figura ímpar, vulgarizada depois pelo sentido comercial que se emprestou à atividade de operadores jurídicos, que naquele momento de perseguição política faziam plantões nas portas dos presídios na busca de informações para defesa de seus constituintes, perseguidos politicamente e que tinham seus direitos e garantias constitucionais postergados – da mutação desta atividade surgiu o chamado advogado de porta de cadeia, vulgarizando a honrosa atividade do advogado, uma das mais nobres do sistema republicano.
É mais ou menos isto que está acontecendo no âmbito do Judiciário, guardadas as devidas proporções, no que tange ao denuncismo inconsequente deflagrado por maus profissionais que se aproveitam do momento de ruptura entre um sistema judiciário que existiu até 2004 e o novo sistema, agora sob os auspícios do controle do CNJ – “até que venha o Estatuto da Magistratura”.
Alguns se aproveitando da fragilização das prerrogativas dos magistrados, em plena transformação jurídica, para tentarem obter resultados judiciais através do uso das estruturas disciplinares sancionadoras. E o fazem sem qualquer rubor.
Surge neste momento na história judiciária brasileira o que podemos chamar de “advogado de porta de corregedoria”, uma espécie de lobista que tenta instigar os aparelhos correicionais contra magistrados, apontando falhas, levantando suspeitas – com representações infundadas, tudo em prol de resultados em processos de seus interesses.
Não são poucos os magistrados que sofrem com este tipo de assaque moral, que fere suas prerrogativas e que passada a contingência, são por parte destes agentes desavisados esquecido no limbo em que procuraram lançar a honra do magistrado, que por uma contingência estava em seu caminho.
Contudo, vale dizer, em bom som: magistrado tem honra! E deve fazer valê-la.
Como dito, estamos em momento delicado para exercício da magistratura, em que muitas das nossas iniciativas são mal interpretadas, pois aos olhos de alguns somos “funcionários públicos privilegiados” que, segundo esses, ganham muito e trabalham pouco, somente alguns dias da semana. No entanto, essa não é a realidade da magistratura, composta na sua maioria absoluta de pessoas devotadas às suas funções, que trabalham diuturnamente para distribuir justiça, não distinguindo sábados, domingos dos outros dias da semana, que saem de férias e permanecem em seus gabinetes por dias atualizando o seu trabalho.
Por isso, não pode o magistrado (usando aqui a imagem de Washington de Barros Monteiro) se afastar de sua honra, pois esta é como uma ilha escarpada, que dela se afastando não permite o retorno para lugar seguro.
Sendo atacado em sua honra, por representações infundadas, por atos que atinjam diretamente seu brio profissional, deve o magistrado, realmente comprometido com sua atividade, buscar a reparação do dano moral, propondo para tanto a ação judicial devida, confiando que será julgado por outro magistrado, isento e independente.
Para tal fim, em atitude inédita, a atual presidência da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás colocou à disposição dos seus associados assessoria jurídica capacitada. E, vale dizer, os resultados começam a aparecer, inclusive no que se espera: uma mudança interna de concepção quanto à defesa da honra do magistrado."