Projeto de lei, aprovado em primeira votação no Senado, cria figura do “juiz de garantia” e altera mais de 700 medidas.
Na última semana, o Senado votou e aprovou o polêmico projeto de lei (PLS 156/09) sobre a reforma do Código de Processo Penal (CPP), que prevê dentre mais de 700 medidas, a disponibilização de um magistrado exclusivo para investigações de processos, novos direitos para detidos, investigados, réus e vítimas, bem como a radical alteração do modelo tradicional de prisão cautelar. O projeto deverá passar por nova votação no plenário da Casa, para então ser encaminhado a Câmara dos Deputados.
O projeto de Lei é de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), fruto de um anteprojeto elaborado por uma comissão composta de nove juristas em meados de 2008. A esse texto, foram anexadas outras 48 propostas inerentes ao processo penal. O atual Código Penal de 1941 está prestes a completar 70 anos de idade, e seus entusiastas acreditam que as novas medidas tem o objetivo de modernizar o atual sistema processual, além de adequá-lo aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.
Algumas medidas propostas são vistas como inovadoras, como a criação da figura do juiz de garantia, que controlará a legalidade da investigação criminal e será responsável pelos direitos fundamentais do suspeito. Pelo código do Processo Penal em vigor, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença. Com as mudanças propostas, caberá a um juiz dar garantias e atuar na fase da investigação, ficando o outro juiz do processo, responsável pela tarefa de julgar.
Contudo, há no meio jurídico quem se posiciona de forma contrária. É o caso do magistrado Ari Ferreira de Queiroz, da 3ª vara da Fazenda Pública Estadual na comarca de Goiânia. O juiz é contra a medida, que segundo ele, foi copiada do sistema judicial italiano. “É uma grande besteira. Copiaram esse modelo da Itália e querem implantar no Brasil, um País de realidade totalmente diferente da europeia”, diz.
Ari de Queiroz é um crítico da reforma do CPP. Segundo ele, a questão deve passar por ampla discussão na sociedade. O juiz também afirma não reconhecer seis dos nove juristas que integraram a equipe técnica de elaboração do projeto. “São promotores que não têm experiência como juízes. Temo por medidas que sejam apenas para atender os anseios das promotorias dos diversos Ministérios Públicos espalhado pelo País”, enfatiza.
Entretanto, o magistrado abre exceção em relação a um item do projeto que propõe a utilização de videoconferência nas interrogações de acusados e a constatação da denúncia pelo réu antes da instauração formal do processo criminal. “A videoconferência é uma ideia boa. Mas devemos perguntar se a sociedade precisa realmente de um novo código penal. Acho que precisamos mesmo é de resolver problemas pontuais”, pondera.
Já o juiz Jesseir Coelho de Alcântara é favorável a uma reforma no Código Penal brasileiro. Ele ressalta um dos itens cautelares do projeto, que prevê o monitoramento eletrônico de preso durante o cumprimento da pena, por meio de pulseiras e tornozeleiras eletrônicas. “Sou a favor do monitoramento eletrônico de presos, desde que seja para aqueles apenados de crimes menos graves e de baixa periculosidade”, afirma.
O juiz destaca que em outros países a experiência deu certo, e que seria útil a sua utilização no Brasil. “Recentemente, estive nos Estados Unidos, e pude comprovar de perto o sistema de pulseiras de monitoramento eletrônico, e acho que pode ser bem aplicado no Brasil, começando com os condenados de casos menos graves ”, diz.
Jesseir de Alcântara também é favorável à videoconferência. “Sou extremamente favorável, porque hoje o deslocamento do acusado para ser ouvido no fórum é muito oneroso, além de implicar problemas de segurança”, diz.
Com relação ao júri, o projeto permite que os jurados conversem uns com os outros, exceto durante a instrução e o debate. O voto de cada jurado, porém, continua sendo secreto. A vítima passa a ter direitos, como o de ser comunicada da prisão ou soltura do autor do crime, da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia, além de ser informada do arquivamento da investigação e da condenação ou absolvição do acusado.
Prisões
O projeto altera regras relacionadas às modalidades de prisão provisória, que ficam limitadas a três tipos: flagrante, preventiva e temporária. No modelo atual, a prisão preventiva é decretada quando existe risco de fuga do acusado ou ameaça às instruções criminais, como a destruição de indícios ou provas. O uso de algemas ou o emprego de força ocorrerá somente quando forem considerados indispensáveis, nos casos de resistência ou de tentativa de fuga do preso.
Jesseir é favorável à prisão preventiva decretada por juízes, ao levarem em conta a gravidade do crime cometido, como possibilita o novo CPP. Ele usa como exemplo, o caso do Berçário Bebê Feliz em Goiânia, em que a dona da creche era suspeita de torturar crianças sob sua tutela no estabelecimento. “Esse é um exemplo clássico dentre vários. São casos que realmente necessitam da custódia preventiva do acusado”, afirma.
Confira
O que muda com o novo Código
O Código de Processo Penal é a norma que prevê como serão efetuadas as prisões e os processos relativos a crimes. Como a norma atual é antiga, anterior a própria Constituição Federal, era necessário atualização.
Constitucionalidade
A nova norma moderniza o sistema processual e ajusta suas regras aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, tratados e convenções internacionais assinados pelo Estado brasileiro.
Juiz de garantia
O projeto prevê a criação de um juiz de garantia que pode atuar durante a fase de investigação. Ele será o responsável por controlar a legalidade da investigação. Muitos processos são anulados por conta dos equívocos ocorridos durante esta fase.
Prisão preventiva
No código atual é limitada as circunstancias que permitem a prisão preventiva (que não é definitiva). A mudança proposta inclui a possibilidade de se decretar a prisão conforme a “gravidade” do crime.
Monitoramento eletrônico
O novo código institui a possibilidade de interrogação por meio de videoconferências e o uso de monitoramento eletrônico mesmo que não exista sentença – fato considerado inconstitucional por muitos penalistas.
Videoconferências
O novo Código Penal permite o uso de videoconferência para interrogação de acusados que se encontre em outra cidade ou Estado de onde o processo foi instaurado. Visa também economizar no transporte e na logística de segurança empregada no translado da cadeia ao tribunal.