Déficit chega a 112 magistrados e atinge mais o interior. Concurso preencherá só metade das vagas. Presidente da ASMEGO, juiz Gilmar Coelho fala à reportagem sobre a situação no Estado
A falta de juízes no interior de Goiás é crônica e ainda está longe de ser resolvida. Ao todo o déficit atual está em 112 magistrados. A situação é mais crítica em 51 varas e juizados de 21 comarcas, onde o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) não conseguiu remanejar nem de forma precária, algum magistrado. Há casos, por exemplo, em que um juiz atende mais de uma comarca.
Um concurso em andamento pretende selecionar 57 novos profissionais, mas não é garantia da entrada dessa quantidade de juízes no quadro do TJ-GO. Dificuldade das provas e falta de candidatos qualificados para o cargo fazem com que apenas parte das vagas sejam preenchidas. “Dentro das avaliações, temos um conteúdo muito extenso e profundo e nem sempre os candidatos estão prontos para um cargo como esse, que demanda responsabilidade e conhecimento em todas as áreas do direito”, aponta o presidente da comissão de seleção e treinamento do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), desembargador Amaral Wilson de Oliveira.
Dos mais de 6 mil candidatos que se inscreveram, apenas 332 passaram para a segunda fase, que está prevista para ocorrer em 16 de agosto. E ainda faltarão mais três etapas. Segundo o desembargador, a intenção é empossar os novos magistrados ainda este ano.
Tanto o desembargador como o presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), juiz Gilson Coelho, apontam que outra dificuldade é alocar juízes. “A única maneira de resolver a falta de juízes em determinadas comarcas é o encaminhamento de todos os candidatos aprovados especificamente para esses locais”, diz o presidente da Asmego. Ele destaca que a dificuldade é fixar magistrados em cidades de difícil acesso ou sem estrutura básica.
Uma sessão especial hoje, no TJ-GO, deverá reposicionar juízes em todo Estado. Para Goiânia, apenas uma vaga estava aberta, deixada pelo juiz Ari Queiroz, após sua aposentadoria compulsória. Dezenas de pedidos foram protocolados para 46 varas ou comarcas, mas não necessariamente para alguma das 21 comarcas com varas sem juízes. Para Coelho, o remanejamento é um paliativo e o ideal seria que cada comarca tivesse seu quadro completo.
As Regiões Norte e Nordeste de Goiás são as mais prejudicadas e tem milhares de processos parados - ou com trâmite mais lento que o considerado normal - pela ausência do juiz. A cidade de Cavalcante, localizada a mais de 500 quilômetros de Goiânia, não tem juiz titular, por exemplo, e o problema deve continuar. Nenhum dos pedidos protocolados de remanejamento é para essa comarca.
Trabalho
Juiz em Mara Rosa há um ano e meio, Samuel João Martins também atende a comarca de Campinorte. E como o juiz de Santa Terezinha está de férias, Martins está atendendo os processos dessa cidade. Para atender a demanda de Campinorte, ele selecionou a quinta-feira. Chega bem cedo ao município e fica até o fim da tarde. Todas as audiências são agendadas para esse dia.
Martins aponta que, além do trabalho da magistratura, o juiz também acumula a administração das comarcas. “O juiz fica responsável por tudo, desde férias e dispensas de servidores até o controle dos cartórios nas cidades jurisdicionadas.”
"Temos cidades sem magistrados há muito tempo e isso traz prejuízos consideráveis para a população.”
Gilmar Luiz Coelho, juiz e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego)
"O tripé da Justiça é formado pelo advogado, Ministério Público e Judiciário. Na falta de um, o prejuízo é para quem precisa.”
Enil Henrique Souza Filho, presidente da OAB-GO
"A partir do momento que a Justiça não tem credibilidade, nosso trabalho como advogado deixa de ter sentido e as pessoas não nos procuram.”
Jucemar Bispo, advogado em Posse, sem juiz em uma vara
"O ritmo é sempre intenso.”
Samuel João Martins, juiz em Mara Rosa há um ano e meio, que atende também as comarcas de Campinorte e Santa Terezinha
Casos de troca de advogado e até de pedido de socorro ao CNJ
O advogado Jucemar Bispo protocolou pedido de providência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última terça-feira para cobrar a indicação de um juiz para atender às demandas de Posse, no nordeste goiano. Depois de atuar por 15 anos em Goiânia, ele retornou à sua cidade natal e resolveu intervir para resolver o problema da falta de juiz na comarca de lá. “Os únicos processos que ainda têm trâmite são os que tratam de réus presos e de pensão alimentícia, por conta dos prazos. Mesmo assim, os prazos que precisamos esperar são excessivos.”
Bispo afirma que os pedidos cautelares, que em trâmites normais demoram 5 dias para serem concluídos, em Posse tem demorado até 60 dias. “Muitas vezes precisamos contar com a boa vontade do juiz, que nos recebe em outras cidades e até fora do horário de expediente.” Segundo o advogado relata, um processo de inventário demorou sete anos para ser concluído recentemente. “Em comarcas comuns, demoraria um ano.” Essa dificuldade é constante desde 2008.
Em Morrinhos, o comerciante José Carlos de Oliveira, de 56 anos, chegou a trocar de advogado achando que o profissional era responsável pela lentidão de um processo de inventário que se arrasta há cinco anos, mas depois descobriu que o problema é a falta de juiz na cidade. “Antes eu achava que era ele (o advogado) quem atrasava tudo. Hoje percebi que, além de justiça lenta, não temos juízes para julgar os casos. Tenho um processo de inventário tramitando na justiça há cinco anos.”
Oliveira mora há três anos em Goiânia para tratar de um caso de doença crônica e precisa do dinheiro do inventário para o tratamento. “Sei que isso não demoraria tanto se a gente tivesse um juiz na cidade. O dinheiro da venda do imóvel seria importante para a continuidade do tratamento.”
OAB recebe caravanas de políticos, padres e pastores
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), Enil Henrique Souza Filho, afirma que o maior problema enfrentado pelos advogados hoje em Goiás é a falta de juízes. “Temos relatos de juízes que chegam a comarcas de difícil providência e vão embora. Os motivos são vários, desde distância e dificuldade no acesso.
Enil acrescenta que o sofrimento da população, que não consegue ter seu problema resolvido, é acompanhado pelo advogado, que não tem seus ganhos garantidos. “Sem o juiz, o processo não anda. O salário do advogado está diretamente ligado a esse processo.” Para o presidente da OAB-GO, a falta de juízes contribui para a injustiça que, direta ou indiretamente, acaba sendo praticada.
Enil detalha que todas as semanas tem recebido comitivas de cidades do interior compostas por políticos e membros da sociedade civil organizada. “Eles vêm cobrar apoio nos pedidos que tem feito ao Tribunal de Justiça para encaminhamento de juízes para suas cidades. Até padres e pastores têm acompanhado essas comitivas e entendemos a situação do TJ, mas precisamos cobrar esse aumento de pessoal para garantir um atendimento melhor para a população.”
Fonte: O Popular