Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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JORNAL OPÇÃO: 'A briga pelo milionário Fundesp'

Entrevista publicada no Jornal Opção desta semana:


Executivo quer 50% de fundo do Tribunal de Justiça, que no ano passado chegou a R$ 170 milhões.


Projeto de lei prestes a ser enviado à Assembleia Legislativa pode mudar de forma radical o relacionamento que existe hoje entre o governador Marconi Perillo (PSDB) e integrantes do Tribunal de Justiça (TJ) goiano. O projeto propõe a redistribuição do milionário Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Sistema de Justiça do Estado de Goiás (Fundesp) para órgãos do Estado que estão envolvidos com o Judiciário e trabalham com a manutenção da segurança.



A principal celeuma é que hoje o TJ gere todos os recursos arrecadados do Fundesp e não aceita repartir os recursos do fundo com órgãos que não estão vinculados legalmente ao Judiciário. Se o projeto de lei for aprovado, 50% dos recursos irão para os cofres estaduais, na seguinte proporção: 25% para a Secretaria de Segurança Pública (SSP), 17% para o Ministério Público (MP), 5% para a Procuradoria-Geral (PGE) e 3% para a Defensoria Pública. Para se ter ideia do montante que está em jogo, o TJ arrecadou ano passado R$ 170 milhões por meio do Fundesp.



O fundo do TJ é alimentado por todas as taxas e serviços cobrados relativos ao Poder Judiciário, como custas judiciais, taxas de cartórios e rendimentos de depósitos judiciais — em grande parte oriunda de processos trabalhistas. É com o Fundesp que o TJ mantem todas as despesas do Judiciário. De acordo com dados da Assessoria de Comunicação do Tribunal, o TJ pagou custas de manutenção, salário de 1.500 estagiários, teleprocessamento, telefonia fixa e móvel, investimentos em informatização, obras e construções de fóruns e unidades do Poder Judiciário em Goiás.



O presidente do TJ, desembargador Victor Lenza, não quis comentar o projeto. Sua assessoria de imprensa informou que a opinião de Lenza está expressa em reportagem divulgada no site do TJ na sexta-feira, 29. Em sessão extraordinária realizada nesse mesmo dia, os desembargadores do Tribunal foram contra o pretenso projeto de lei. “Se essa proposta se efetivar, iremos passar por grandes problemas”, afirmou Lenza na sessão.



O TJ é praticamente autossustentável com os recursos do Fundesp. Nem mesmo a transferência de R$ 77 milhões, que estavam no Banco do Brasil e foram enviados para o hoje falido Banco Santos, parecem ter trazido dificuldades ao Tribunal. A alegação para a transferência, ocorrida em 2009, é que o Banco Santos tinha oferecido melhores taxas de rendimento ao TJ. Segundo um integrante do órgão, que pediu para não ser identificado, uma decisão favorável ao Tribunal permitiria o retorno de de R$ 20 milhões do valor que foi aplicado no Banco Santos. Presidente do TJ no biênio 2009-2010, o desembargador Paulo Teles disse que o Tribunal conseguiu reaver por volta de R$ 23 milhões dos recursos. “Os 70% restantes foram incluídos à massa falida do banco.”



Pessoas ligadas ao Poder Judiciário dizem que os recursos do Fundesp devem ser usados exclusivamente ao reaparelhamento e investimento em infraestrutura do sistema judiciário. Como o Executivo não tem condições de prover recursos para todas as demandas do Judiciário, o Fundesp é utilizado para construção de fóruns no interior, por exemplo. “Mas a necessidade de construção de novas obras vai acabar com o tempo”, conta uma fonte ligada ao setor, que critica a forma com o fundo é utilizado. Mesmo com a perda da metade dos recursos, o Judiciário conseguiria manter os investimentos que estão sendo realizados, avalia a fonte.



Apesar de não ter acesso aos dados oficiais do Fundesp para analisar se os recursos estão sendo utilizados de forma correta, a fonte acredita que todos os R$ 170 milhões arrecadados em 2010 foram utilizados. “O desembargador Paulo Teles deixou várias licitações em andamento e projetos prontos para a construção de novos fóruns no interior. Isso mostra que os recursos, embora possam não ter sido utilizados de maneira correta, devem ter sido utilizados em sua grande parte para investimentos de infraestrutura.”



Um exemplo disso foi o empréstimo de R$ 58 milhões do TJ realizado ao Estado em janeiro para que o governo pudesse quitar parte dos R$ 338 milhões da folha de pagamento de dezembro que não foram pagos pelo ex-governador Alcides Rodrigues (PP). “O Tribunal tem muito dinheiro em caixa. O empréstimo indica que o TJ não está utilizando os recursos da maneira correta”, critica a fonte. Segundo o presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), juiz Átila Amaral, o Estado tem pagado as parcelas do empréstimo em dia e já quitou por volta de R$ 26 milhões. “Como a conta é bem administrada e primamos por construir prédios mais simples para reduzir os custos, o empréstimo não afetou o andamento dos investimentos do TJ esse ano”, completa Átila.



A principal alternativa para o TJ continuar gerenciado todo o recurso do Fundesp é fazer com que o governador volte atrás de sua decisão e aborte a iniciativa do projeto de lei. Caso seja enviado realmente à Assembleia Legislativa, o projeto deve ser aprovado sem maiores dificuldades, tendo em vista que a maioria dos deputados estaduais faz parte da base governista na Casa. Miguel Cançado, diretor-tesoureiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-presidente da seccional da OAB em Goiás por dois mandatos, chegou a dizer semana passada que romperia laços com o governador caso o projeto fosse levado adiante.



Democratização



Um dos principais beneficiados com a mudança do projeto de lei, o procurador-geral do MP, Benedito Torres, explica que a proposta visa “democratizar” a distribuição dos recursos e investimentos aos órgãos estaduais que estão relacionados com o Judiciário. “Não queremos tomar nada de ninguém. O importante é democratizar a distribuição dos recursos para que os demais órgãos possam cumprir suas funções.”



Apesar de ser uma disputa polêmica, em que um dos envolvidos não quer abrir mão dos recursos que recebe, já existe decisão da Justiça que autoriza o MP a abocanhar parte dos recursos do Fundesp. Benedito se ampara em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) deferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do MP do Rio Grande do Norte autorizando o órgão a receber parte dos recursos do Fundesp do Estado.



O acréscimo de recursos aos órgãos do Executivo cairia como uma luva em tempos que o governo do Estado passa por racionamento dos gastos e que investimentos têm sido feitos a conta-gotas. Utilizando como base arrecadação do Fundesp do ano passado, o MP teria à disposição mais R$ 28,9 milhões para investimentos e melhoria da estrutura do órgão. “O MP precisa ampliar sua estrutura, aumentar as sedes no interior. Nós queremos crescer. O projeto de lei é um debate sadio para todos os órgãos que atuam em conjunto com o Judiciário”, completa Benedito Torres.



Além da iniciativa do governador Marconi, que enfrenta grande resistência do Judiciário, o procurador-geral do MP conta com o apoio do Sindicato dos Servidores do Ministério Público de Goiás (Sindsemp) e Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais (Fenasempe), que encaminharam moção de apoio ao governador. Os dois sindicatos classificam o projeto de lei como “louvável”, pois definirá um sistema justo de distribuição dos recursos arrecadados com taxas e custas processuais. Observam, também, que em outros Estados os recursos do fundo são rateados com outros órgãos ligados ao Poder Judiciário.



Magistrado afirma que interferência do Executivo é “indesejada”



Presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e juiz da Vara da Mulher, Átila Amaral critica a interferência que o Executivo pretende fazer com o projeto de lei que redistribui os recursos do Fundesp-TJ e defende que a iniciativa de fatiar os recursos deveria partir do Tribunal de Justiça. “É uma interferência indesejada do Executivo nas atribuições do TJ.”

 

Para invalidar a importância do projeto de lei do Executivo, Átila cita o segundo parágrafo do artigo 98 da Constituição Federal, que diz que os recursos provenientes do fundo devem ser geridos e utilizados pelo Judiciário. “As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça”, diz o artigo da Constituição. “Não tem como editar uma lei que sobrepuja a Constituição”, lembra o juiz.



Para Atila, a mudança na distribuição do Fundesp pode prejudicar o andamento de obras e investimentos do Judiciário. O magistrado cita a programação de despesas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para esse ano, que comtempla recursos do Fundesp para custear gastos do Poder Judiciário.



Além disso, Átila define com “organismo estranho” as instituições que podem ser beneficiadas caso o projeto de lei seja aprovado, como a Secretaria de Segurança Pública (SSP), Ministério Público (MP), Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e Defensoria Pública. “Não tem como democratizar o acesso dos recursos a um organismo estranho ao Judiciário. O MP, por exemplo, tem uma atuação mais ampla que processual”, afirma o magistrado, dizendo que o Executivo é quem deveria realocar recursos do orçamento para as pastas e órgãos alheios ao Poder Judiciário. “Rachar esses recursos pela metade não é a melhor saída.”



O presidente da Asmego afirma que o projeto de lei pode tirar a autonomia financeira conquistada pelo Judiciário e reverter ganhos obtidos pelo TJ, como melhor prestação de serviços à população. Ele cita índices de desempenho, como o fato do TJ goiano ser o segundo mais informatizado do País (atrás apenas de Sergipe) e a redução de 25% no número de processos em andamento nos últimos dois anos, garantindo a Goiás a terceira posição no índice de Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mede a redução de processos que cada tribunal consegue atingir. “O Judiciário sempre andou com o pires na mão. Não será com iniciativas como essa que a situação vai melhorar.”



OAB defende redução das custas judiciais



Embora não esteja diretamente ligado ao gerenciamento dos recursos do Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Sistema de Justiça do Estado de Goiás (Fundesp-TJ), o presidente da seccional de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Henrique Tibúrcio, afirma que o projeto de lei é “indiferente” às ações da OAB e defende a melhora na prestação de serviços por parte do Judiciário. “Independentemente de quem for gerir o fundo, a OAB defende que o Judiciário melhore a prestação de serviço à população.”



Para Tibúrcio, o projeto poderia propor a redução das custas da Justiça, benefício que seria estendido à toda população. A OAB já encaminhou projeto ao governador Marconi Perillo sugerindo a redução de 20% das custas judiciais. O presidente da OAB-GO explica que como os recursos do fundo só podem ser usados para a reaparelhamento e melhoria do serviço prestado, o Judiciário acaba realizado investimentos que seriam de responsabilidade do Executivo, como a construção de novas unidades de fóruns pelo Estado.



Os recursos do Fundesp seriam melhor utilizados, analisa Tibúrcio, caso a legislação permitisse que parte do montante do fundo fosse utilizada para a realização de concursos para a contratação de novos juízes. “A demanda por novos juízes é enorme. Uma mudança positiva seria alterar as atribuições do fundo para custear a contratação de novos magistrados.”



O projeto de lei prevê a destinação de 3% dos recursos do Fundesp à Defensoria Pública do Estado. Caso seja aprovado na Assembleia Legislativa, a Defensoria receberia aporte de R$ 5,1 milhões anuais. Esse valor, explica Tibúrcio, poderia pagar os advogados do interior do Estado que fazem a Assistência Judiciária às pessoas que não têm condição de pagar advogado em um processo. “Se os pagamentos da Assistência Judiciária fossem realizados em dia um número maior de advogados prestariam serviço pelo programa.”



Além da implementação da Defensoria Pública, a OAB defende a ampliação da Assistência Judiciária para advogados da Capital. Como em Goiânia existem procuradorias que prestam serviço jurídico a pessoas de baixa renda, advogados da Capital não podem participar do programa.