Os dados relativos ao tráfico de pessoas são alarmantes. A estimativa mais recente, divulgada pela ONG 27 Million, indica que cerca de 35,8 milhões de pessoas se encontram em situação de tráfico no mundo, de acordo com o relatório Global Slavery Index 2014, produzido pela Walk Free Foundation. Além disso, o tráfico de pessoas já é a terceira atividade criminosa mais lucrativa movimentando aproximadamente de 32 bilhões de dólares e escraviza quase 36 milhões de vítimas em todo o mundo.
Em Goiás, um magistrado travou uma batalha pessoal para prevenir o tráfico de pessoas. Trata-se de Rinaldo Aparecido Barros, que atualmente atua em Jaraguá. Ele desenvolveu o site www.traficodepessoas.org, um novo mecanismo de enfrentamento desse crime, permitindo a discussão do tema e com espaço, inclusive, para denúncias. Segundo ele, o Estado tem sido um dos alvos preferenciais das redes de tráfico de pessoas, ao longo dos últimos anos, especialmente para fim de exploração sexual.
Barros salienta que o Judiciário passou a ter, nos últimos anos, papel fundamental no enfrentamento ao tráfico de seres humanos. Em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e diversas outras instituições, o desafio é fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. Isso na perspectiva da promoção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho, especificamente no campo de atuação do Poder Judiciário, mediante a sensibilização dos operadores do Direito, por meio de campanhas de mobilização e prevenção e da cooperação judiciária nacional e internacional.
A ideia é transformar os magistrados brasileiros e os demais membros do Sistema de Justiça em verdadeiros agentes de transformação social, especialmente, no enfrentamento ao tráfico de pessoas. Conforme diz Barros, se cada juiz brasileiro conseguir alertar a sociedade local onde está inserido, sobretudo levando uma mensagem de prevenção às escolas de Ensino Fundamental, milhares de crianças e adolescentes estarão a salvo das redes do tráfico de pessoas.
“A tarefa é árdua e há muito o que fazer, para que o Brasil cumpra seus compromissos internacionais para a proteção da dignidade humana, em especial o Protocolo de Palermo”, diz. O magistrado lembra que, mais de 11 anos após ratificar a Convenção de Palermo, por meio da qual assumiu compromissos para o enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos, o Brasil ainda não possui leis suficientes e adequadas ao cumprimento de sua obrigação, com medidas eficazes para a prevenção do crime, a proteção às vítimas e a responsabilização dos envolvidos.
Fórum
O magistrado também é membro do Comitê Nacional Judicial, que representa o Fórum Nacional para o Monitoramento e Solução das Demandas Atinentes à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET). O Fórum tem por objetivo, entre outros, promover o levantamento de dados estatísticos relativos ao número, à tramitação, às sanções impostas e outros dados relevantes sobre inquéritos e ações judiciais que tratem da exploração de pessoas em condições análogas à de trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, além de debater e buscar soluções que garantam mais efetividade às decisões da Justiça.
Vítimas
Com relação às vítimas, Barros diz que se faz necessário criar mecanismos para atendimento adequado, não só a elas, mas também às suas famílias, que acabam por sofrer os danos morais e psicológicos que advém dessa situação. Barros diz que é importante oferecer-lhes segurança e, principalmente, proteção. Além disso, é necessário desenvolver projetos de reintegração dessas pessoas na sociedade e no mercado de trabalho.
Barros observa que não há políticas públicas de assistência às vítimas, não somente quanto a tratamento médico/psicológico/psiquiátrico, mas nenhum modo de reinserção delas ao mercado de trabalho e proteção a elas e a suas famílias. “Assim, o melhor remédio é a prevenção”, diz. Ele salienta, ainda, que nossa legislação ainda é inadequada e ineficaz, facilitando a impunidade.
Conforme explica o magistrado, por uma simples leitura, percebe-se que a Lei Penal é incompleta, especialmente no que se refere à penalização dos agentes, o que resulta em punições brandas para esse tipo de crime. No caso do tráfico de pessoas no Brasil, o que tem ocorrido, com frequência, é uma clara sensação de impunidade, que efetivamente se concretiza, porquanto nenhuma das condutas tipificadas sujeita o agente à pena privativa de liberdade superior a oito anos, possibilitando o cumprimento da reprimenda penal em regime aberto ou semiaberto.
Por essa mesma razão, não são raros os casos em que os agentes, aguardando em liberdade, o demorado julgamento, em razão das benesses processuais, máxime as recursais, se beneficiam do instituto da prescrição, para extinção de sua punibilidade. À partida, o agente desse crime conta com a certeza da impunidade, pois que sua conduta, se punida, lhe imporá uma sanção semelhante à daquele que comete um furto simples, para citar apenas um exemplo. “Certamente, tal crime não se reveste da mesma gravidade que o tráfico de pessoas, razão pela qual é inadmissível punição similar”, acredita.
Política de Estado
Para Barros, o problema deve ser tratado como Política de Estado, pois o enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos depende de uma grande mobilização da sociedade e das instituições. Exige ações de cooperação, coordenadas e integradas, de diversas áreas, como saúde, justiça, educação, trabalho, assistência social, turismo, entre outros.
Para o juiz, a melhor maneira de reverter a situação é a educação. Barros diz que, há muito tempo, defende a tese de que a prevenção é a forma mais eficaz de enfrentamento a esse crime, que envergonha a humanidade. Por isso, sugere a criação de uma disciplina especial, nominada “Direitos Humanos”, para alunos do Ensino Fundamental, com abordagem a temas transversais como o tráfico de pessoas, homofobia, pedofilia, racismo, a exemplo do Proerd da Polícia Militar.
Fonte: Rota Jurídica