Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Juiz declara inconstitucionalidade da Lei Seca


O juiz Ricardo Teixeira Lemos (foto), da 1ª Vara Criminal de Aparecida de Goiânia, declarou, de ofício, inconstitucionais os artigos 165, 276, 277, 291 e 306 da Lei nº 11.705/08, denominada Lei Seca, e relaxou a prisão do motociclista Genivaldo de Almeida, preso após ter sido submetido ao teste do bafômetro. De conseqüência, determinou a restituição do veículo apreendido, bem como a devolução da CNH do motorista e a anulação da multa lavrada. Ao expedir o alvará de soltura, Ricardo Lemos explicou que a autoridade policial tem de comunicar a prisão de qualquer pessoa em 24 horas, o que não ocorreu no referido caso. "Não sou desfavorável à repressão de quem dirige embriagado e causa acidentes, mas contra a punição de quem bebeu socialmente algumas cervejas com amigos e sofre as punições apontadas na Lei Seca", ponderou.



 


 



 



Segundo Ricardo Lemos, apesar de o brasileiro gostar de cerveja, nem todos podem ser classificados de alcoólatras ou criminosos. Explicando que a bebida é um "elo para resolução de pendências e negócios diversos", além de fomentar a economia, o magistrado ressaltou que a cerveja é uma "paixão" do brasileiro, assim como o futebol. "Tal como uma refeição qualquer não podemos ignorar que famílias tomem cervejas, favorecendo a economia em todas as ordens. Ir a um bar e não beber é o mesmo que comer sem feijão ou dormir sem tomar banho. O número de acidentes realmente diminuiu, mas qual prejuízo a lei realmente trouxe ao casal cerveja e futebol? Não há dúvida de que para a economia houve um retrocesso, não só para as cervejarias, mas para o comércio em geral, isto em troca de algumas almas que em tese momentaneamente foram salvas de acidentes", asseverou.



 



Para o juiz, o indivíduo que dirige bêbado não pode ser punido da mesma forma que aqueles que ingerem uma ou duas cervejas. "A Lei Seca precisa sofrer sérias alterações e deve tratar diferentemente situações diversas. Não se pode punir de forma tão severa quem simplesmente faz uso de uma latinha de cerveja, ou seja, na mesma proporção de quem se encontra absolutamente embriagado", criticou. Os artigos 165 e 277 da Lei Seca, que estabelecem a averiguação e procedimentos de provas para comprovar o estado do motorista, de acordo com Ricardo Lemos, são inconstitucionais, já que afrontam o princípio do contraditório e da ampla defesa. "Conforme esses dispositivos, toda pessoa deverá ser submetida a bafômetro, exame de sangue e outros. Dessa forma, ela não tem escolha, uma vez que terá de produzir prova contra si ou levará multa, com pontuação gravíssima, apreensão da CNH e do veículo e ainda suspensão da carteira por 12 meses. Em direito processual quem é acusado não produz prova contra si, mas defesa", enfatizou.



 



Com relação ao artigo 306, que dispõe sobre a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, o magistrado afirma que o dispositivo fere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. "Não há dúvida de que diante do teor de álcool estipulado, basta uma taça de vinho ou a ingestão de qualquer outro alimento que contenha álcool para que o condutor sofra as conseqüências drásticas e paulatinas", censurou. Para comprovar a afronta ao princípio da proporcionalidade, o juiz baseou-se também na Lei de Tóxicos. "Segundo a lei, é crime trazer consigo para uso próprio substância entorpecente que cause dependência física e psíquica. No entanto, a pessoa é levada para a delegacia, mas nada sofre, apenas se compromete a comparecer em juízo, quando lhe será proposto tratamento. Se aceito, arquiva-se o procedimento, caso contrário o MP apresentará medidas com penas alternativas, mas não existe a imposição de pena privativa de liberdade. Já beber não é crime. Mas caso alguém resolva beber e dirigir e for pego em flagrante, passa a ser considerado criminoso, pois terá de pagar fiança, responderá a processo criminal e não terá direito a transação penal", comentou.



Na opinião do magistrado, não é razoável, nem proporcional, permitir que quem comete um crime contra a administração pública como o peculato ou corrupção passiva tenha pena de 2 a 12 anos e direitos aos benefícios da Lei 9.099/95, em razão da excludente da tipicidade, enquanto quem toma uma colher de remédio que contenha álcool tenha punição tão severa. "Para algo que não é tão grave, digamos que até padre ao celebrar uma missa e tomar um cálice de vinho pode ser vítima dessa situação", ressaltou.