Entrevista publicada no Correio Brasiliense, edição desta segunda-feira:
Todos os dias, o juiz Renato Rodovalho Scussel, titular da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal , se debruça sobre casos de adolescentes que cometem infrações e não conseguem ser recuperados pelo sistema. E é enfático: “Se a família, o pai ou o responsável não está colocando limite, se a escola também não está colocando limite, não é a lei que vai fazer isso”.
Em entrevista ao Correio, o magistrado faz um diagnóstico duro da reincidência ao declarar que os atos infracionais se repetem porque são práticas usuais dentro das relações que envolvem esses adolescentes. Além disso, o juiz defende a atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As alterações não passariam pela redução da idade penal, mas por regras processuais polêmicas, como o aumento no prazo de internação para determinados atos infracionais com grave ameaça e violência. “Nesses casos, poderíamos dilatar o prazo de internação. Não ficar só três anos, mas cinco, seis anos. Além disso, em vez de sair com 21 anos, o jovem poderia ficar até mais velho, com 25 anos, por exemplo”, explica.
Qual é o grande desafio da sociedade de Brasília no tratamento da juventude?
O grande desafio do DF hoje é o mesmo da sociedade como um todo: criar uma conduta mais ética, de consideração ao próprio ser humano, o desenvolvimento da educação. Se a família, o pai ou o responsável não está colocando limite, se a escola também não está colocando limite, não é a lei que vai fazer isso.
Qual é o limite do jovem, então?
É o da rua, com todas as características selvagens que ela carrega. A gangue traça o limite. O jovem de uma quadra não poder ir em outra, o que já é um limitador. Além disso, nos grupos existem as regras que muitas vezes não existem em casa. Se a lei não está tendo autoridade e a família não está conseguindo colocar limite através da educação e do exemplo, o mais palpável é a violência.
O senhor fala que a lei não está colocando o limite. O senhor sugere mudanças no Estatuto?
De certa forma sim. O Estatuto tem vários avanços e inúmeros instrumentos essenciais para a criação de uma sociedade mais justa e mais efetiva. No entanto, a nossa sociedade mudou no decorrer desses 18 anos de vigência da lei. Algumas regras processuais devem ser alteradas. Não as essenciais, como os direitos.
A maioridade deve ser mudada?
A redução da idade penal é uma regra fundamental e não deve ser mexida. Até porque não é uma questão de idade, mas de limites. O jovem de 16 anos não obedece mais que o de 18. A partir dos 12 anos, o adolescente já é responsabilizado pelo ato infracional, que é similar ao crime.
Qual mudança seria positiva?
Uma das sugestões está tramitando no Congresso. É o aumento no prazo de internação para determinados atos infracionais com grave ameaça e violência. Nesses casos, poderíamos dilatar o prazo de internação. Não ficar só três anos, mas cinco, seis anos. Além disso, ao invés de sair com 21 anos, o jovem poderia ficar até mais velho, com 25 anos, por exemplo.
A internação funciona?
As medidas estão sendo implementadas de forma incompleta, isolada. Não estamos chegando ao pai com problema de alcoolismo ou no desemprego dos responsáveis. As políticas não funcionam em rede. Cada ação está sendo operada de forma isolada. Mas isso não quer dizer que a internação está falida. Ela tem que mudar, ser descentralizada. É impensável ter 200 adolescentes no mesmo lugar. Até porque, desses 200, só uns 10% realmente estão comprometidos. Tem que pegar essa porcentagem e colocar numa unidade de internação mais fechada. É outra das medidas que podem ser alteradas no Estatuto. A possibilidade de internação com atendimento mais fechado porque ela dará o limite, dará o indicativo para o adolescente de que ele será responsabilizado.
Por que não conseguimos evitar a reincidência?
Porque são práticas usuais dentro das relações que envolvem esses adolescentes. A maioria dos atos infracionais aqui no DF está ligada ao furto, ao roubo e ao tráfico. Tudo para manter o vício ou a sobrevivência. Além disso, um jovem da Estrutural, por exemplo, tem dificuldade em conseguir um estágio. Se filhos com curso de inglês, escola particular e treinamento em informática passam por dificuldades para se ocupar, imagine um jovem pobre. O adolescente do Itapoã, da Estrutural, de Samambaia sabe que não faz parte da sociedade do Plano Piloto. Numa realidade muito crua, ele não vai chegar aqui.
E isso é muito frustrante.
Sim. E a solução é subir na escala social dele. E o que é oferecido para ele no Itapoã, na Estrutural? É o tráfico, a possibilidade de andar com tênis novo, com roupa transada, andar armado, com carro, com uma namorada. É isso que dará para ele a autoestima.
Do ponto de vista prático, o que o senhor aconselha aos pais na formação de um cidadão ético?
Participar. Acompanhar a vida jovem, conversar mais, integrar a família, trabalhar um pouquinho menos e estudar um pouquinho menos. De vez em quando, dá para dar um tempinho na rotina para participar da família. É a escala de valores, priorizar o que é verdadeiramente importante. A família está priorizando as coisas erradas. Forma-se o jovem para ganhar dinheiro e independência financeira, para ter e não para ser.