Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Juiz explica aplicação de nova lei processual penal

A lei Nº 12.403, de 4 de maio de 2011 que altera os dispositivos do Decreto-Lei Nº3.689, de 3 de outubro de 1941 do Código de Processo Penal (CPP), dispõe sobre fiança, liberdade provisória e medidas cautelares, desde que entrou em vigor na última segunda-feira (4/7) vêm causando polêmica. De acordo com o juiz da 7ª Vara Cível de Goiânia e professor de Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Ricardo Teixeira Lemos, o que acontece atualmente é uma onda de más interpretações.


O magistrado é favorável às modificações já em vigor pela nova lei e argumenta que está havendo uma má interpretação tanto por agentes da Justiça quanto pelos cidadãos que entendem as alterações como uma forma de impunidade. “Ao determinar a prisão de uma pessoa, devemos ter o máximo de cuidado. Essa lei nos fornece a cautela necessária para que não cometamos erros que estraguem a vida de um inocente”, frisou o juiz.


Conforme o juiz, a nova lei estreita as relações entre acusado e Justiça com auxílio das medidas cautelares, mecanismos judiciais praticados antes do trânsito em julgado e condenação. Atualmente é possível controlar a conduta dessa pessoa, mantendo-a em domicílio, a uma certa distância de uma possível vítima sob a pena de prisão preventiva. “Essa lei veio em favor da sociedade e contra o criminoso. As pessoas terão uma sensação de maior controle da postura do infrator”, destacou.


Uma das medidas cautelares colocadas em prática com a vigência da nova lei é o monitoramento eletrônico, que consiste na portabilidade de uma pulseira ou tornozeleira a ser utilizada pelo acusado. Com esse equipamento, que começará a ser utilizado em no máximo 60 dias, de acordo com o juiz, o serventuário será capaz de monitorar até 20 mil presos em tempo mínimo, utilizando um computador como ferramenta. “Qualquer falha ou descumprimento das ordens judiciais serão detectáveis pelo sistema informacional, sob pena de prisão preventiva. Com isso, a sociedade estará mais protegida e o infrator será mais vigiado pelo sistema processual penal”, argumentou.


Atualmente, caso seja necessário, o juiz pode decretar, simultaneamente, até três das 10 medidas cautelares dispostas na nova legislação, como por exemplo a suspensão do acusado de sua atividade econômica, se esta estiver ligada à ação criminosa, determinando, assim, seu monitoramento eletrônico e recolhimento em domicílio do indivíduo. Ricardo enfatiza ainda que hoje, de acordo com essa lei, toda medida cautelar ou prisão preventiva será computada no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Isto significa que todos os juízes em nível nacional terão acesso a casos de todo o país e ter conhecimento de que uma medida cautelar foi decretada contra um indivíduo nos quatro cantos do Brasil”, assegurou.


Fiança

Antes das alterações previstas pela Lei 12.403, a fiança deveria ser calculada entre 10 e 100 salários mínimos, regra que, segundo Ricardo Teixeira, não era respeitada pela maioria dos magistrados. “Na prática, os juízes fixavam valores de 50, 100 reais. Nunca se preocuparam em consultar o CPP, que determinava os valores já mencionados”, observou.


Conforme explicou, antes da nova lei, os juizes poderiam conceder fiança para crimes cuja pena era igual ou inferior a 2 anos, exceto nos casos em que se constatava violência, grave ameaça ou reincidência. Quando o magistrado recebe o flagrante ele tem três alternativas: conferir se o flagrante é ilegal (quando o delegado comunica o flagrante em até 24 horas depois da prisão), caso não seja, converter o flagrante em prisão preventiva ou aplicar até três das 10 medidas cautelares que constam hoje no CPP, concedendo ou não liberdade provisória com ou sem fiança.


Atualmente, o cálculo da fiança varia entre 10 e 200 salários mínimos, de modo que esse valor pode ser multiplicado por até mil vezes, ou seja, o valor da fiança hoje pode chegar a R$ 108 milhões. “De um modo geral, todos os crimes admitem fiança, mas sua decretação só ocorrerá se não enquadrar prisão preventiva, o que dependerá de uma análise profunda dos autos”.


A lei não alterou a forma como os crimes inafiançáveis como racismo, hediondos (Crime que é definido em lei como tal e que não comporta favorecimentos como fiança, graça e anistia), tráfico de entorpecentes, tortura, lavagem de dinheiro e organização criminosa são tratados pela justiça. No entanto, Ricardo alerta que “o acusado pode ser colocado em liberdade provisória mediante uma avaliação criteriosa do caso”.


Desentendimento

De acordo com ele, existem rumores de que 200 mil pessoas serão colocadas em liberdade no Brasil e 200 em Goiás em razão da nova lei. O correto é que qualquer pessoa presa em flagrante delito poderá, a qualquer momento, por meio de um advogado, requerer a liberdade provisória. “O juiz, analisando o caso concreto, pode ou não conceder [liberdade provisória]. Essa lei não determinou que um número exato de pessoas fossem colocadas em liberdade, porque a norma que estava em vigor e que foi alterada não era inconstitucional. Tudo que foi feito sob a regência da lei anterior, tinha plena validade e eficácia. Então não existe essa possibilidade, porque não ficou determinado que fossem colocados em liberdade todos que estejam presos provisoriamente por conta de flagrante. Então isso é um equívoco de quem está falando coisas nesse sentido”, explicou.


Apesar da nova lei ter sido criada para aumentar o controle da justiça sobre o infrator ou suspeito, a sociedade, segundo aponta Ricardo, tem uma opinião contrária e entende que ela beneficia criminosos. Conforme o magistrado, isso se deve a uma má interpretação da legislação. “Muitos criticam a lei devido a de rumores, não se debruçam sobre as normas para criticar com alguma autoridade”, alertou. O juiz ainda lembra que ,atualmente, não é preciso ter somente os motivos pelos quais, em tese, autorizariam a decretação de uma prisão preventiva, ou seja, a ordem pública não precisa estar abalada, nem a instrução criminal garantida, nem a própria aplicação da lei assegurada, nada disso”.


O magistrado conclui, afirmando que 70% dos acusados são absolvidos por motivos diversos. “Agora imagine se encarcerássemos esse pessoal e eles fossem depois todos absolvidos?”, questionou.