Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Juiz fala ao jornal O Popular sobre acúmulo de processos relacionados a consumo em Juizado Especial

Reportagem do jornal O Popular publicada nesta segunda-feira (7) traz entrevista com o juiz Fernando de Mello Xavier, diretor de Esportes e Lazer da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO), que fala sobre o acúmulo de processos relacionados às relações de consumo no 10º Juizado Especial Cível, especializado neste tipo de ação. A unidade teve, em dois anos, crescimento de 1.600% em volume de processos em tramitação. O jornal conta como o magistrado tem atuado para tentar dar vazão a toda esta demanda sem provocar tanta espera por parte dos jurisdicionados.


Leia a reportagem na íntegra.

Relação de consumo lota Justiça


Mais de 4 mil processos envolvendo consumidores e empresas estão em tramitação em vara especial







Quando viu seu nome inscrito em um cadastro de devedores e começou a receber cobranças todos os dias, até em casas de vizinhos, a estudante Daniela de Faria Glória se sentiu desamparada. Fragilizada e debilitada por um problema grave de saúde, ela imaginava que não conseguiria reverter a situação. “A sensação era de total impotência. Eu sabia que não devia aquilo, mas me sentia em situação muito desfavorável diante de um banco”, contou uma aliviada Daniela ao POPULAR. Ela teve o que falta a muita gente: orientação. Primeiro, por parte do Procon. Depois, de um advogado. Na Justiça, ela conseguiu uma significativa vitória: o banco foi condenado a pagar R$ 5.424 de indenização a ela pela inscrição indevida em órgãos de proteção de crédito.


Casos como o de Daniela estão cada vez mais comuns. Há um fenômeno relativamente recente de judicialização das relações de consumo. Há também a sensibilização de alguns magistrados que não apenas reconhecem o dano moral provocado por situações de sofrimento vivenciadas por consumidores, mas também têm aplicado penas maiores, por dano social, para empresas que reiteradamente lesam consumidores. São valores mais elevados, geralmente destinados a instituições de caridade, com a finalidade de mudar condutas a partir do pagamento de indenizações maiores. O resultado dessa corrida ao Judiciário é o aumento no número de ações propostas, mas também uma longa espera, devido à sobrecarga.


O 10º Juizado Especial Cível - Juizado do Consumidor passou de 250 processos, no ano de 2011, para 4 mil, que hoje estão ativos, em tramitação, um crescimento vertiginoso, de 1.600% em pouco mais de dois anos. Com o excesso de processos, um consumidor que dá entrada hoje no Juizado do Consumidor terá sua audiência marcada para abril de 2015. “Mesmo fazendo muita coisa, o número de sentenças é inferior ao de processos que entram”, afirma ao POPULAR o juiz Fernando de Mello Xavier, titular do 10º Juizado. Para ter uma ideia, em agosto deste ano, 1.979 processos foram movimentados no juizado, número muito significativo. Mas a serventia recebe uma média de 400 novos processos por mês, número igualmente marcante.


O juiz confessa que é um verdadeiro sofrimento marcar audiências para tão longe. “Isso me angustia muito, acho que é um desprestígio enorme, mas o que atrapalha é o volume de trabalho” relata. Para tentar dar agilidade, Xavier passou a realizar apenas uma audiência, de conciliação e de instrução e julgamento, ou seja, a audiência demora, mas a sentença é rápida. No dia em que ele deu entrevista para esta reportagem, havia apenas 72 processos prontos para sentenciar. Os demais estavam em tramitação. Outra medida para agilizar é a atermação imediata. Quando a pessoa procura o Juizado do Consumidor, sua reclamação é tomada a termo na hora. Em outros juizados, a demora começa no agendamento da atermação; o consumidor tem de retornar para registrar sua demanda.


PARADOXO


A judicialização das relações de consumo revela um paradoxo. “As pessoas falam que a Justiça não funciona, mas a cada dia aumenta o número de ações ajuizadas”, diz Xavier. Para ele, pode haver demora, mas os efeitos são visíveis. Assim, quanto mais os juízes julgam casos, mais eles aparecem. Há uma espécie de propaganda boca a boca. É quando as demandas esbarram na falta de estrutura suficiente para atendê-las. Uma das soluções seria uma atuação mais contundente das agência reguladoras. Grande parte das reclamações dos consumidores goianos e goianienses são relacionadas a problemas com as concessionárias de energia e água, Celg e Saneago. O apagão de três dias ocorrido em 2011, por exemplo, colocou a Celg entre as mais demandadas nesses meses. São ações que começaram naquela época e estão sendo julgadas agora.


As empresas de telefonia também estão entre as mais reclamadas. Mas os campeões, de longe, são os bancos. As reclamações de clientes de instituições bancárias deram origem a quase 15 mil processos novos só no ano passado. Só no primeiro semestre deste ano foram quase 6 mil novas ações ajuizadas. E o número continua crescendo. Outro setor que está gerando muitas reclamações é o da construção civil. São muitos casos de abusos por parte de construtoras e os compradores estão mais atentos para isso.


Para o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Rogério Rocha, o acesso à informação, por parte dos consumidores, cresceu em velocidade superior ao do desrespeito das empresas por normas e leis. “Quando sabem que têm direitos, as pessoas começam a buscar o Judiciário e isso é muito positivo”, avalia Rocha. Mesmo com a sobrecarga, ele avalia que a principal tarefa do Judiciário é julgar com o rigor da lei. “Só vão aprender quando sentirem no bolso o valor da condenação”, opina o advogado, acrescentando que é vantajoso para as empresas o comportamento da maioria dos consumidores, que não procuram seus direitos.


“Numa sociedade em que tudo tem valor, o sofrimento de uma pessoa decorrente de falhas na relação de consumo, como não entrega de um bem, também tem de ser valorado”, entende. E o Judiciário tem começado a entender que o tempo desprendido para resolver problemas, como horas em filas de banco, call centers, em deslocamentos inúteis, telefonemas que nada resolvem, tem de ser compensado. “Os call centers são estrategicamente feitos para cansar o consumidor, para que ele desista. São estratégias de mercado”, afirma Rocha, para concluir: o aumento das demandas decorre diretamente do aumento da informação. Ele pondera ainda que, mesmo com a demora decorrente da sobrecarga, compensa procurar a via judicial.