Coordenador do Fórum Permanente de Democratização do Poder Judiciário, magistrado cita exemplo do Movimento das Diretas e requisita, para a magistratura, diálogo aberto e livre manifestação de pensamento
O juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) e coordenador do Fórum Permanente de Democratização do Poder Judiciário, Jeronymo Pedro Villas Boas, assina artigo denominado Diálogo, integração e poder democrático, no qual defende a democratização no âmbito da Justiça, bem como abertura, à magistratura, ao livre diálogo e manifestação de pensamento. Leia a íntegra do texto de Jeronymo Villas Boas.
Diálogo, integração e poder democrático
A sociedade forma, na sua interação, aquilo que Carl Jung denominou de inconsciente coletivo, que amalgama nos seus arquetípicos não somente símbolos, mas também os sentimentos norteadores dessas formulações. A teorização do discípulo rejeitado de Freud, que forçou o pai da psicanálise moderna a reunir um grupo fechado de seguidores para insular suas teorias acerca do inconsciente, propõe uma explicação racional para o inconsciente coletivo.
Como os acontecimentos e circunstâncias que nos cercam encontram-se embebidos em valores e sentimentos individuais, e em certos casos coletivos, mesmo em frustrações coletivas, como a ocorrida no Movimento das Diretas, tais fatos podem gerar fobias sociais e despertar conteúdos psicológicos. Na explicação de Erich Fromm, esses acontecimentos são sentimentos responsáveis por uma espécie de inconsciente social.
Há cerca de três décadas, o Brasil viveu momento histórico da maior relevância, chamado de Movimento das Diretas, onde as forças sociais foram mobilizadas em grandes manifestações, gerando o desejo e a vontade manifesta de cada participante votar para presidente do Brasil, para colocar fim à ditadura, uma espécie de Ares mitológico. Nenhum brasileiro que viveu naquele momento pode negar esse sentimento pujante que surgiu e se intensificou no meio social, frustrado pela sujeição dos chamados “líderes das diretas” ao colégio eleitoral, que elegeu o presidente civil por meio indireto.
Lutamos pela ruptura e fomos sujeitos a um processo de transição que visava apenas sublimar os desejos de mudança e transformação das relações sociais. Como resultado dessa frustração, a fobia do autoritarismo militar não foi vencida e essa força repressora passou a povoar o inconsciente de todos os brasileiros, tornando-se recorrente a ideia-pensamento de que a qualquer momento Ares poderia retornar ao poder, caso a sociedade democrática não se comportasse bem. Sentimento que se tornou causa de fobias e ansiedades, impedindo avanços na democratização.
No caso do Poder Judiciário, esse sentimento de repressão apareceu ainda mais latente, diante de sua atividade central de distribuir justiça e do modo como o Poder se organiza internamente, com fortes mecanismos punitivos (Espartanos). A fobia que se acentuou no Judiciário tem, portanto, uma causa repressiva e inconsciente que torna a relação do juiz com seu tribunal uma típica relação edipiana. Adiante, toco nessa fobia, que tem origem no medo da democracia, com sua recorrência a possível volta do autoritarismo. Depois, falo do diálogo como único meio de tratá-la, objetivando integrar e democratizar o Poder Judiciário.
A fobia, como se sabe, é uma aversão exagerada a certos objetos, situações, animais ou ideias. Sentimento que pode se expressar no medo de ser exposto socialmente e que geralmente é tratada expondo o fóbico, em situações controladas ao objeto de sua fobia. Entretanto, o conhecimento sobre o objeto da fobia e a busca do entendimento dos conteúdos simbólicos que envolvem o medo podem ajudar a dissipá-lo. Como o medo da democracia no Judiciário é recorrente ao medo de punição seletiva, somente o entendimento de que o avanço da democracia diminui os espaços punitivos (nas suas diversas formas, inclusive de segregação ou apartheid) pode aliviar esses sintomas coletivos.
No comportamento democrático, o sujeito da ação se encontra vulnerável e mais exposto a falhas, sendo natural que esse complexo enseje maior insegurança e medo de punição, o que remete a um conflito entre duas forças internas, chamadas por Freud de Eros e Tanatus. Esse sentimento, ensejando justamente o medo imaginário de Ares, com o retorno de um sistema autoritário que pune violentamente, sujeita a ação livre ao comportamento convencional e de aceitação do status quo. O Judiciário, portanto, vive esse momento (situação) de estresse, que consome seus mecanismos de defesa e o torna vulnerável justamente por não possuir internamente espaços democráticos de diálogo que esclareça e elimine e medo.
E o interessante é que a cura dessa fobia ou neurose somente é possível pelo diálogo, para que através de transferências e assimilações cada agente possa compreender melhor o meio social em que se encontra inserido – pois no dizer do evangelista: “não somos do mundo, mas estamos no mundo”. Embora minha linguagem nesse texto seja marcadamente psicológica, não proponho aqui terapias de grupo ou soluções milagrosas de cura, mas apenas a ideia central de que democracia se inicia com diálogo e aprendizagem. O diálogo na sua forma de múltiplos esclarecimentos pode tratar a fobia e liberar o agente do medo da democracia inserindo na sua dinâmica justamente a liberdade – porém, não no sentido de “ser livre” mas de “estar se libertando”.
O Fórum Permanente de Democratização do Poder Judiciário surge com essa perspectiva central de integrar os participantes através da ideia de que democracia é diálogo aberto e livre manifestação do pensamento, força capaz de transformar o poder em instrumento democrático.
Fonte: Assessoria de Comunicação da ASMEGO | Ampli Comunicação