O juiz da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo Fausto de Sanctis negou ontem, terça-feira, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Escutas Telefônicas Clandestinas, que tenha autorizado qualquer escuta telefônica que atingisse o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. "Em nenhuma hipótese cogitei, e nunca admitirei monitorar, qualquer pessoa que tenha prerrogativa de foro [desembargador de tribunal e ministro do STF]. Eu não fiz isso e nunca farei. Acreditem ou não, essa é a verdade", afirmou o magistrado.
Na Operação Satiagraha, da Polícia Federal, Sanctis foi responsável pela prisão de Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity, e de mais de 20 pessoas acusadas de crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas; além de formação de quadrilha. Dantas dará depoimento à CPI nesta quarta-feira (13), mas obteve no STF habeas corpus que lhe dá o direito de ficar calado para não produzir provas contra si mesmo.
Sanctis informou à CPI que, por dever legal, não entraria em detalhes sobre a Operação Satiagraha, e usou como argumento a Lei Orgânica da Magistratura, que veda ao juiz manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento ou juízo depreciativo sobre despachos judiciais. Ele não aceitou a proposta do presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), de prestar parte do depoimento em reunião reservada, já que não falaria sobre assuntos sigilosos.
Privacidade
Um dos pontos mais polêmicos do depoimento foi sobre a privacidade de quem conversa com alvos de escuta telefônica autorizada pela Justiça. Sanctis explicou que não há autorização automática de escuta contra terceiros interlocutores. No entanto, admitiu que o juiz pode fornecer uma senha que permite à autoridade policial obter, das companhias telefônicas, os dados cadastrais de quem dialoga com o alvo da investigação.
Esses dados incluem nome, endereço, tempo de habilitação da linha e o histórico de chamadas desses interlocutores: "Se no curso da investigação a autoridade policial entender que é necessária a escuta telefônica dessas pessoas, será necessário pedir uma nova autorização para interceptá-las."
Alguns deputados, como Raul Jungmann (PPS-PE), entendem que a liberação dessa senha atinge o direito à privacidade previsto na Constituição. Ele ressaltou que se o mecanismo for declarado inconstitucional todo o trabalho para punir criminosos poderá ir por água abaixo.
Alarmismo
Sanctis pediu que não seja criado um clima de alarmismo em torno das autorizações judiciais para escutas: "Todo o mundo acha que está sendo monitorado; isso é síndrome do pânico. Estão tentando acabar com o que funciona fazendo um factóide", disse.
Ele deu essa declaração depois de ser questionado pelo relator da CPI, deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), sobre a constatação da CPI de que, em 2007, houve 409 mil autorizações judiciais para interceptações telefônicas. Pellegrino concluiu que, se cada pessoa que teve seu sigilo quebrado se comunicar com outras 10 pessoas, cerca de 4 milhões de brasileiros serão atingidos pelas escutas. Mas, de acordo com Sanctis, esses números não condizem com a realidade, porque as autorizações para escutas são pessoais e intransferíveis.
O juiz aconselhou os parlamentares a não se desviarem do foco técnico nem se pautarem por notícias dos jornais. Ele afirmou que o índice de inquéritos com interceptações telefônicas é ínfimo na 6ª vara de São Paulo - apenas 2,43%. Sanctis defendeu a validade dos monitoramentos autorizados como uma forma eficiente de levantar provas na investigação de crimes. Ele informou que, desse universo de 2,43%, 47% dos casos geraram ações penais.