Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Juízas comentam em O Popular papel do magistrado frente às mudanças na família brasileira

Juízas Sirlei Martins e Maria Cristina Costa Juízas Sirlei Martins e Maria Cristina Costa

Jornal ouviu as juízas titulares da 1ª e 4ª Varas de Família de Goiânia, Sirlei Martins e Maria Cristina Costa, respectivamente


Reportagem publicada pelo jornal O popular neste domingo ouviu as magistradas Sirlei Martins da Costa e Maria Cristina da Costa, titulares da 1ª e da 4ª Vara de Família e Sucessões da capital, respectivamente, sobre o papel do juiz frente às transformações experimentadas pela família brasileira. Segundo destaca a reportagem, nas varas de Família “as sentenças têm se pautado pelo respeito à dignidade da pessoa, contribuindo para novos paradigmas jurídicos. “Confira o que disseram as magistradas, lendo a íntegra da reportagem.


Fonte: Assessoria de Comunicação da ASMEGO e Jornal O Popular


Relações familiares
Nova família desafia a Justiça


Mudanças na relações sociais nas últimas décadas obriga magistrado a ter resposta para casos inéditos
Jornalista Malu Longo


Longe da lógica linear e rígida do Direito, há um universo movido pelas relações humanas, pela afetividade e pelas transformações sociais nos tribunais brasileiros. Trata-se das Varas de Família onde sentenças têm se pautado pelo respeito à dignidade da pessoa, contribuindo para novos paradigmas jurídicos. A facilidade dos processos de separação, os novos arranjos familiares, a guarda compartilhada, a alienação parental, o envelhecimento da população que tem culminado num grande número de interdições são apenas algumas das novas demandas que têm invadido os gabinetes dos magistrados das Varas de Família obrigado-os a buscar a interdisciplinaridade profissional como auxílio para suas decisões.


Em setembro do ano passado, a titular da 1ª Vara de Família e Sucessões da capital, Sirlei Martins da Costa, disse no 2º Encontro Nacional de Magistrados atuantes na área de Família, realizado em Goiânia, que a constante transformação familiar está chegando ao Judiciário de formas diversas sem uma legislação específica. Naquele mesmo evento, a juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, defendeu o entrosamento dos magistrados com outras áreas. “Ao visualizar outras informações e relacionar com o que está acontecendo no mundo, o juiz será capaz de aplicar decisões menos moralistas e conservadoras”.


O modelo familiar advindo somente do casamento entre homem e mulher estagnou nos anos 60 e 70. As famílias hoje são representadas e ganharam direitos nas uniões estáveis hetero ou homossexual e nas muitas formas de convivência. Não há uma formatação oficial, prevalecem os vínculos de afeto e afinidade. A juíza Sirlei da Costa esclarece que o Direito de Família é muito influenciado pelas alterações sociais e culturais. “A família muda e os conflitos também”, ressalta.


A grande maioria dos 240 processos que, em média, são distribuídos mensalmente para cada uma das seis Varas de Família da capital, trata de disputa pelos filhos. “Antes era indiscutível que os filhos ficavam com a mãe, o pai visitaria nos finais de semana e pagaria uma pensão alimentícia. Hoje, o que buscamos é que a criança conviva com os dois genitores após a separação. E os pais passaram a buscar isso também”, afirma a magistrada. “Os arranjos familiares mudaram muito e temos de reconhecer isso. O Direito tem que se adaptar ao fato social e não o contrário. As questões culturais, emocionais e afetivas estão muito presentes no Direito de Família”, reforça a promotora de Justiça Márcia Souza de Almeida que atua na 2ª Vara de Família, em Goiânia.


Titular da 4ª Vara de Família há 11 anos, a juíza de Direito Maria Cristina da Costa acredita que o grande desafio dos magistrados da área é despir-se de conceitos e preconceitos e de questões culturais, como vivência religiosa, para julgar os novos casos com respeito à dignidade humana. Nesse sentido, ela não tem dúvidas de que os juízes de 1º grau têm sido inovadores. “A partir da Constituição de 1988 foram abertos novos paradigmas para o Direito de Família, construídos por decisões dos juízes de 1º grau e amadurecidos nas instâncias superiores do Judiciário, como o casamento homoafetivo”. Para a magistrada, não é possível mais fechar os olhos para a pluralidade familiar.


“Falam que o Judiciário é retrógado, mas ele é que vem dando decisões vanguardistas no vácuo do Legislativo, aplicando princípios que estão na Constituição Federal, respeitando a dignidade da pessoa humana”, reforça Maria Luiza Póvoa Cruz, ex-magistrada hoje atuando na advocacia e presidente regional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). Para ela, o grande avanço do Direito de Família foi a Constituição promulgada em 1988. “Se o novo Código Civil não tivesse vindo em 2002, os juízes teriam condições de sobra para dar sentenças vanguardistas”.


Diálogo entre pais e mães


Desde o ano passado os juízes das Varas de Família de Goiânia contam com o projeto Justiça Educativa de Famílias, coordenado pela professora Vannuzia Leal Andrade Peres, do departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), que tem sido fundamental na solução de conflitos que envolvem a guarda dos filhos.


Implantado em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), o projeto inédito no país, é desenvolvido na clínica-escola da instituição universitária. Encaminhados pela Justiça, ex-cônjugues são orientados a participar de, pelo menos, quatro encontros de cerca de duas horas e são consultados sobre a disponibilidade de integrarem ou não o mesmo grupo. “Trabalhamos com a perspectiva do desenvolvimento humano e para isso é preciso educação. O primeiro recurso é a capacidade de pensar”, explica Vannuzia.


O projeto descortina os aspectos culturais e patológicos de cada família levando os participantes a se confrontarem nas suas diferenças e se posicionarem sobre elas.


Foi o que aconteceu com o vendedor Thiago Alves Barbosa Bezerra, 25 anos, que entrou com uma ação judicial para conviver com a filha de 5 anos que teve fora do casamento. Ao lado da mãe da menina ele participou das primeiras sessões e ficou feliz com os resultados. “Eu e a mãe da minha filha nunca demos certo para conversar. O projeto possibilitou cada um falar para o outro o que não gostávamos, tivemos orientação sobre como resolver”. Após a oficina, Thiago e a mãe da menina conversaram informalmente e estabeleceram os acordos firmados na audiência de conciliação perante a magistrada.


Transsexual ganha guarda provisória de criança entregue para adoção


A amplitude das demandas, não apenas numéricas - o acumulado de processos por Vara de Família na capital chega a 6 mil -, mas também pela multiplicidade de temas, levou o Judiciário a criar mecanismos que contribuam para minimizar os conflitos. No Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, no Fórum Criminal, praticamente todos os dias os juízes das seis Varas de Família fazem audiências de conciliação. “Isso ajuda muito. Antes de impor tentamos a conciliação”, explica a juíza Sirlei da Costa.


Outra ação que tem gerado bons resultados é a oficina realizada em parceria com a Associação dos Terapeutas Familiares do Estado de Goiás (Atefago) uma vez por mês. Idealizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a oficina que reúne cerca de 40 pais, exibe material produzido por uma juíza do interior do São Paulo em parceria com a TV Globo. A partir de situações mostradas em novelas e filmes, a oficina provoca reflexões sobre o comportamento dos pais transformando a sua relação com os filhos. Aberta ao público, a oficina tem recebido muitos elogios.


As instituições universitárias também têm oferecido importante contribuição no universo do Direito de Família. Em Goiânia, uma equipe de professores e alunos do curso de Psicologia da Universidade Paulista (Unip) assumiu o trabalho de mediação entre as partes das demandas familiares. J


á na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC) a experiência da PhD em Psicologia, Vannuzia Leal, impulsionou o surgimento do projeto Justiça Educativa de Famílias.


Alguns casos da vida real


Um antigo político goiano está reconhecendo judicialmente a paternidade de dois filhos fora do casamento, cada um de uma mãe. Ambos possuem pais sócio-afetivos, registrados na certidão de nascimento.


A mais velha quer manter o nome dos dois pais no documento, o mais novo pretende retirar o nome do pai registral por considerá-lo ausente e manter somente o do pai biológico.


A Justiça tem dado sentenças favoráveis em ambos os casos.


GUARDA


A esteticista Rafaella Vieira Miranda, 33 anos, nasceu Virmondes Vieira Miranda Júnior. Nunca se sentiu homem, sempre usou roupas de mulher.


Constrangida decidiu pleitear na Justiça a mudança de nome mesmo sem ter feito a cirurgia de sexo.


Conseguiu e hoje sonha em garantir ao pequeno Rafael, de 2 anos, o seu sobrenome. Rafaella tem a guarda provisória do menino desde o seu nascimento.


NOVA DEMANDA


No dia 17 deste mês, a delegada da Polícia Civil de Goiás Laura de Castro Teixeira, antes Thiago de Castro Teixeira, obteve o documento que a autoriza a mudar de nome.


Após cinco meses de licença para cirurgia de mudança de sexo, ela voltou a trabalhar este mês.


Com dois filhos, frutos de seu antigo casamento, uma nova demanda deve surgir a partir de agora na Justiça relacionada aos documentos de identidade dos filhos, que possuem na certidão de nascimento o nome “Thiago” registrado como pai.


Respostas a novas demandas


INTERDIÇÃO


■ Com o envelhecimento da população, muitos idosos ou pessoas portadoras de alguma deficiência mental são alvo de processos que os impedem de conduzir a própria vida.


GUARDA COMPARTILHADA


■ Não existe mais a decisão antes estabelecida de que a guarda é naturalmente da mãe.


PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA


■ Ao se casar, o homem reconhece como seu o filho biológico de outro. Em casos de dissolução da união, se ele tenta reverter o processo, já não há deferimento. Há um entendimento quase consensual de que a pessoa assumiu a responsabilidade da paternidade sócio-afetiva.


EXECUÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA


■ Não segue a tradução literal da lei específica. É tentado um diálogo para chegar a um valor compatível à realidade de quem paga e de quem recebe. Há um entendimento de juízes de que os laços familiares estão vinculados à solidariedade entre os membros, por isso o crescimento de execuções de pensão alimentícia contra avós. Isso ocorre muito em casos em que o pai é estudante, desempregado ou dependente químico.


CONTRATOS DE NAMORO


■ É o documento registrado em cartório que tenta desconfigurar a união estável, principalmente quando há patrimônio envolvido. Há casos de ruptura do namoro em que uma das partes tenta provar, na Justiça, a união estável.


BARRIGA DE ALUGUEL


■ Não há normas legais sobre o empréstimo de útero. Os juízes se baseiam em resolução do Conselho Federal de Medicina a respeito de reprodução assistida para garantir o direito ao registro civil da criança com o nome dos pais que “alugaram” a barriga.


UNIÕES


■ Não há uma regra. Casais heterossexuais ou homossexuais podem optar por um casamento civil ou apenas pela união estável. Os direitos são os mesmos.


RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE


■ Até os anos 90, o exame de DNA não era tão acessível. Os reconhecimentos de paternidade eram feitos por semelhança ou pela tipagem sanguínea. Agora, há um entendimento entre os juízes de que quando a paternidade foi declarada sem a possibilidade de exame mais detalhado, é possível rever, é a chamada flexibilização da coisa julgada.


ALIENAÇÃO PARENTAL


■ A convivência da criança com seus genitores a partir de novos arranjos familiares tem sido um conflito recorrente. Em casos assim vem à tona a alienação parental – quando o genitor manifesta desejo de destruir o vinculo da criança com o outro e o manipula afetivamente - que ganhou legislação específica em 2010, aumentando o número de denúncias que agora são mais investigadas.


TRAIÇÃO


■ Não é crime. Entretanto, após a publicação da Emenda Constitucional 66/2010, que simplifica o divórcio por não exigir mais a separação prévia, aumentou o número dessas demandas no Judiciário. Quem apela para essa via tenta ser indenizado por danos morais alegando constrangimentos devido à quebra de fidelidade. Não há um entendimento claro. (Fonte: Jornal O Popular, 24/02/2014).