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Juízes comparecem em peso a audiência pública pela defesa do Fundesp e Lenza defende 100% dos recursos para o Judiciário

Em clara manifestação de apoio ao presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), desembargador Vítor Barboza Lenza, na defesa pela preservação do Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário (Fundesp) cerca de 50 juízes goianos, inclusive de comarcas do interior, estiveram presentes na audiência pública, de iniciativa do deputado estadual Karlos Kabral, realizada nesta quarta-feira (29), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa de Goiás, para debate sobre o projeto de lei do governo estadual que propõe a repartição do fundo.


Incisivo em seu posicionamento, Lenza defendeu a continuidade da utilização de 100% dos recursos provenientes do Fundesp pelo Judiciário e estabeleceu um parâmetro entre as dificuldades enfrentadas pela Justiça estadual ao longo dos anos e a conquista obtida com a construção de novos fóruns ressaltando, dessa forma, a importância do fundo para sua reestruturação e reaparelhamento em todos os aspectos. “Tenho 40 anos de magistratura e presenciei a época em que a Justiça funcionava em estado de miséria. Quando fui juiz de Araguaína, ainda em início de carreira, tivemos que fazer uma espécie de puxadinho para montar o Tribunal do Júri e a telha, pela falta de verba, era de eternit, obrigando todos a trabalhar sob um calor quase insuportável que chegava a 40 graus. Na atualidade, após criação do Fundesp, o que temos é um Judiciário punjante, bem estruturado, com obras de qualidade e que tem condições de oferecer a população uma prestação jurisdicional eficiente”, frisou.


A posição alcançada no cenário nacional pelo Tribunal goiano, segundo o presidente do TJGO, só foi possível graças ao bom gerenciamento dos recursos do Fundesp ao contrário do que tem acontecido com o Executivo. “Gerimos o Judiciário como se fosse nossa própria casa, com todo o cuidado e responsabilidade que merece. Embora tenha uma relação respeitosa com todos os poderes e grande respeito pelo governador Marconi Perillo, não podemos ser penalizados pela inércia do Executivo que deixou voltar R$ 50 milhões para o governo federal. Quem saiu ganhando foi o Estado do Piauí, que estava cheio de projetos e acabou ficando com esse dinheiro”, destacou.


Ele lembrou ainda que a construção do novo fórum cível de Goiânia, projetado para abrigar 60 varas, mas que inicialmente contemplará 48, sanando, assim, graves problemas enfrentados por juízes, servidores e jurisdicionados com o atual prédio da Justiça como falta de espaço físico, filas nos elevadores, entre outros, em razão do crescimento da demanda, só será possível com a venda da folha de pagamento do Judiciário, cujo edital já está em elaboração. “Até 2013 queremos que todos os fóruns desse estado tenham sedes próprias. Mas para isso precisamos do fundo”, defendeu.


Despesas básicas


Ao apontar as despesas do Judiciário, Lenza explicou que somente para a manutenção do atuais fóruns (Fenelon Teodoro Reis) e o novo fórum cível o gasto é de quase R$ 12 milhões, R$ 3,7 milhões e R$ 8 milhões, respectivamente. Somadas àqueles de entrância intermediária (R$ 5.950.000,00) e inicial (R$ 12.600.000,00), além da creche do Poder Judiciário (R$ 300 mil), o impacto é de R$ 30.550.000,00. As maiores despesas, pagas com os recursos do Fundesp, de acordo com o presidente do TJGO, são relativas, por exemplo, ao pagamento dos estagiários, que sofrerão cortes, caso o projeto seja aprovado na Assembleia. “Apenas com os estagiários gastamos R$ 11,5 milhões. Sinto profundamente se tiver que tomar essa medida, pois tenho a convicção de que estaremos deixando de contribuir para a formação de futuras lideranças e profissionais de destaque em Goiás, além de oferecer uma oportunidade para aqueles mais carentes. Mas se o projeto for aprovado não teremos outra alternativa”, lamentou.


A tendência, de acordo com o presidente do TJGO, é que a participação do Tribunal no Fundesp seja reduzida com o passar do tempo. Ele citou como exemplo o Estado de Santa Catarina, que começou concedendo 10% e hoje tem de ceder 55%, e mencionou a redução do horário de funcionamento do Judiciário, cuja jornada de trabalho dos servidores passará a ser das 12 às 19 horas a partir de 1º de agosto, como uma das soluções futuras para contenção de gastos, se o projeto vier mesmo a ser aprovado pela Casa Legislativa. “De olho no futuro essa é uma das providências emergenciais que resolvemos adotar, pois com a redução do horário a prospecção é de que tenhamos uma economia de 25 a 30% com água, luz, energia, telefone, papel, entre outros gastos básicos para manutenção do Judiciário”, pontuou.


Classificando-se como um “apaixonado pela Justiça”, Lenza disse acreditar no bom senso dos deputados para análise da matéria, que começou a ser apreciada ainda nesta quarta-feira pela comissão mista, mas ficou com vista para vários parlamentares após a devolução feita pelo relator do projeto de lei, deputado Carlos Antônio. “Gostaria de deixar aqui uma mensagem sobre os princípios básicos do direito que são três: o de agir com honestidade, de não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu”, enfatizou.


Inconstitucionalidade


Autor da iniciativa de convocação da audiência pública para debate sobre o tema, o deputado estadual Karlos Kabral, que também é servidor da Justiça goiana, lotado no fórum de Rio Verde, sustentou que o projeto de lei que prevê a divisão do Fundesp é inconstitucional e possui vícios de origem. Ao citar o artigo 98 da Constituição Federal (parágrafo 2º) que dispõe sobre a destinação exclusiva das custas e emolumentos aos serviços afetos às atividades específicas da Justiça, o parlamentar ressaltou que a repartição do fundo fere a autonomia financeira do Poder Judiciário, conforme estabelece também o artigo 99 da referida lei. “Talvez essa questão ainda mereça uma maior profundidade de estudos. No entanto, em capítulos distintos, a CF prevê as funções essenciais à Justiça ali estabelecendo o MP e a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública”, observou.


Karlos Kabral fez questão de ressaltar que embora seja servidor do Judiciário e tenha conhecimento da realidade da Justiça, uma vez que já atuou também como assessor de juiz em Rio Verde em tempos difíceis, sua intenção é mostrar, de forma isenta e imparcial, a inconstitucionalidade da matéria. “Me recordo do tempo em que, assessor de juiz, dividia sala no antigo mercado velho em Rio Verde, um prédio antigo e até então abandonado, com o juiz Gustavo Dalul Faria, no juizado especial da comarca. Além de um prédio velho, em que para se chegar até a escrivania e a sala de audiências era necessário passar por dentro de um banheiro, os processos eram guardados em caixas de papelão, obtidas em supermercados e casas de eletrodomésticos. Não é pura e simplesmente por pertencer aos quadros do Judiciário que me posiciono nesta Casa e neste caso concreto. Em meus posicionamentos em plenário e nas Comissões desta Casa, vali-me sempre dos preceitos legais e principalmente dos constitucionais”, esclareceu.


Ainda com relação à independência do Judiciário para gerir os recursos do Fundesp, Karlos Cabral relembrou entendimento do jurista André Ramos Tavares que classificou como três os eixos que sustentam essa autonomia: a capacidade de autogoverno (autonomia administrativa), a capacidade normativa (legislar sobre si) e a autonomia financeira. “Se quebramos um desses eixos, a independência do judiciário esvai-se”, asseverou. Quanto à alegação do governo de que teria criado o Fundesp e, portanto, poderia legislar sobre ele ou até mesmo extingui-lo, independentemente da posição do Judiciário, Karlos Kabral citou a Lei 12.986 constante dos arquivos da Casa, na qual constatou que o ofício encaminhado na época ao então governador Maguito Vilela era proveniente do Judiciário goiano. “O governador Maguito Vilela, reportou-se na mensagem ao Ofício 667/95 do TJ para propor o referido projeto”, enfatizou.


 


Já o juiz Átila Naves Amaral, presidente da Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego) deixou claro que não houve nenhuma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecendo a repartição do Fundesp em outros estados do País. Ele explicou que na verdade foi constituído um novo fundo para o Estado do Rio Grande do Norte. “Essa ação não tem nada a ver com a divisão do Fundesp, como tem sido pregado erroneamente. O fato é que a divisão do fundo é uma solução simplicista do governo estadual e inviabilizará a administração do Judiciário, além de afetar sua autonomia”, criticou.


Para o desembargador Homero Sabino, que compartilha da mesma opinião de Karlos Kabral, o projeto da governadoria que propõe a repartição de recursos do Fundesp é inconstitucional. Problemas como construção de IMLs e reformas de presídios, conforme mostrou durante o debate, podem ser resolvidos por meio de convênios e do diálogo aberto e franco, sem que para isso o Executivo interfira no gerenciamento do Fundesp. “Estive pessoalmente com o governador Marconi Perillo e apresentei a ele o exemplo bem sucedido do Rio de Janeiro, que utilizou essa estratégia de forma bem-sucedida, não afetando dessa forma, a harmonia entre os poderes”, comentou.


Também se manifestaram favoráveis à preservação do Fundesp e a autonomia do Judiciário para gerir os recursos oriundos do fundo os deputados Bruno Peixoto, Daniel Vilela e Luis César Bueno. Além de Lenza, e dos deputados Karlos Kabral e Jardel Sebba, presidente da assembleia, compuseram a mesa os procuradores Ronald Alves Bicca (PGE) e Benedito Torres Neto (PGJ), defensor público do Estado João Paulo Berzezinsk e secretário de segurança pública do Estado João Furtado Neto.


Todos sustentaram sua posição com relação ao projeto de lei. Participaram ainda da audiência pública os diretores do TJGO, Stenius Lacerda Bastos (geral), Euzébio Ribeiro da Costa Júnior (financeiro), e Márcia Bezerra Faiad (recursos humanos). A secretária de gestão estratégica do Tribunal Cássia Aparecida de Castro Alves também esteve presente ao debate. Como a votação foi suspensa pela Comissão Mista em razão do pedido de vista dos deputados, a matéria será novamente levada à apreciação pela Casa nesta quinta-feira (30), às 14 horas. O resultado final só ocorrerá após a votação do Plenário.