Ministro sugere criação de mecanismos alternativos para a solução de conflitos no Judiciário.
Conciliação é a saída para a Justiça combater a perpetuação dos processos, defende o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso. "O que há é a falta de cultura (de conciliação), temos de mudar a mentalidade dos juízes", alertou o ministro, ao falar sobre tribunais e a primeira instância assoberbados de demandas e apelações sem fim. Para Peluso,"de fato, por falta de compreensão e de preparação os juízes têm uma ideia em geral de que é mais importante conduzir um processo com todas as vicissitudes e a demora que isso implica".
Na noite de ontem, após participar de evento na Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), o presidente do STF e também do Conselho Nacional de Justiça revelou que está em curso a elaboração de um projeto que levará a conciliação ao universo forense como alternativa ao modelo secular das ações judiciais marcadas pela morosidade.
"A conciliação para nós agora é um alvo, um objetivo", declarou Peluso. "É um anseio nosso transformar o uso de todos os mecanismos alternativos, ou métodos de resolução de conflitos, como um instrumento de atuação do Judiciário, mas não como um incentivo para que isso seja usado pela sociedade fora do Judiciário."
O ministro disse que sua meta é incorporar ao poder que dirige "um mecanismo próprio para que o Judiciário possa responder alternativamente à solução de imposição de decisões, de sentenças".
Ele reiterou que a ideia é permitir que o acesso ao Judiciário não seja efetuado apenas por meio do processo litigioso. "É preciso também colocar à disposição da sociedade outros modos para resolver os conflitos, não apenas os meios tradicionais de produção de sentenças."
Em sua avaliação, na prática o cidadão terá a possibilidade de resolver seu conflito sem ter de aguardar a longa tramitação "de custo não apenas material, mas de custo psicológico dos processos judiciais".
"Isso muda tudo", acredita Peluso. "Tentar resolver os conflitos de modo pacífico, mediante soluções que nasçam dos diálogos dos próprios interessados, dos próprios sujeitos dos conflitos, do ponto de vista prático é extremamente frutífero."
"É preciso mostrar aos juízes que é mais importante para a sociedade que eles se envolvam mais profundamente nesses processos alternativos do que ficar alimentando os processos para priorizarem sentenças", insiste o ministro. "Ou seja, mudar um pouco até a concepção dos juízes a respeito do exercício das suas próprias funções no sentido de que passa a ser função dele também tentar pacificar o conflito mediante o uso desses mecanismos, mediante o uso dessas vias alternativas que não são a tradicional."
Para o presidente do STF, "essa mudança de mentalidade envolve uma série de atitudes que podem ser tomadas as partir de uma provocação aos próprios órgãos jurisdicionais".
Segundo ele, o índice de pacificação dos processos nunca é levado em conta na apuração do merecimento dos juízes. "O que é regra geral nessa apuração? São estatísticas de quantas decisões, de quantas sentenças foram proferidas. Nunca se indagou dos juízes quantos processos terminaram sem sentença."
"Há hoje, pela própria metodologia adotada no processo de apuração de merecimento, um incentivo à perpetuação dos processos", advertiu. "Olha, aquele juiz produziu 200 sentenças. Sempre fui contra isso. Fui juiz por 8 anos de família e de sucessões e nunca tive preocupação nenhuma de mostrar estatística."
"Eu era capaz de permitir que as partes viessem conversar comigo, como muitíssimas vezes aconteceu, mais de ano na tentativa não de dar uma sentença rapidamente, mas de tentar pacificar sobretudo numa área que envolve toda a constelação familiar e pessoas adjacentes", afirmou. 'Essa experiência me mostrou que o empenho pessoal do juiz em pacificar as pessoas litigantes é a melhor coisa que o Judiciário pode produzir. Precisamos mostrar para o Judiciário que isso também é meritório e frutífero no plano social."
Ele não atribuiu ao ordenamento jurídico culpa pelo marasmo. "O problema é de cultura de como se exercita e de como se usa o ordenamento jurídico", disse o ministro. "Esse ordenamento não precisa ser mudado, o que precisa ser mudado é a mentalidade. Sobretudo a partir do Judiciário, temos de sensibilizar a área acadêmica e a área profissional para transformar o currículo das faculdades de Direito. Temos que incluir a preocupação com esses meios alternativos que hoje não são objeto de nenhuma grade curricular de nenhuma faculdade."
Segundo Peluso, não existe vaidade dos juízes ao sentenciar. "Absolutamente, a produção de sentenças é uma resposta do Judiciário à postura dos litigantes. São os litigantes que querem a sentença, mas o juiz pode ter uma atuação decisiva e mudar a própria visão dos litigantes Se o juiz sentar com os litigantes para conversar, ele pode tentar mudar essa expectativa deles em relação à sentença, mostrar que uma sentença muitas vezes não resolve nada e pode criar outros problemas."