Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Magistrados relatam ao jornal O Popular situações de risco em suas comarcas

“Os juízes, em geral, vestem a camisa da profissão que abraçaram e não se deixam abater ou amedrontar, mas a segurança é praticamente inexistente.”


“Quando passei no concurso para a magistratura, não pensei que teria tantas restrições por causa da segurança.”


“Eu tomo medidas particulares de segurança.”


A fala de três magistrados goianos – Gustavo Braga Carvalho (Itaberaí) Thiago Soares Castelliano (Jataí) e Jesseir Coelho de Alcântara (Goiânia), respectivamente –, resume o sentimento de toda uma classe: a falta de segurança nas unidades judiciárias do Estado expõe não só juízes, mas servidores, advogados e toda a comunidade a riscos diários. É o que comprova reportagem publicada neste sábado (16) pelo jornal O Popular. Situação sobre a qual a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO) tem se debruçado, cobrando reiteradas providências por parte do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.


Leia a reportagem na íntegra:


Ameaças
Justiça à mercê da insegurança


Falta de controle no acesso expõe membros do Judiciário a ameaças e intimidações. TJ promete resolver questão em breve





A falta de segurança e a ausência de controle do acesso de pessoas aos órgãos da Justiça Estadual, inclusive à sede do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-GO) expõem magistrados, servidores, advogados e partes. Casos de tentativas de intimidação, ameaças, incêndios criminosos e até de invasão a gabinetes de juízes têm sido relatados com frequência. A fragilidade no controle de acesso ao TJ goiano foi uma das deficiências apontadas no relatório da inspeção realizada em novembro no ano passado pelo Conselho Nacional de Justiça. Um ano depois da visita dos inspetores, nada mudou, mas o TJ promete medidas em breve.


Só no Fórum Heitor Moraes Fleury, no Setor Oeste, onde se concentraram os trabalhos do CNJ no ano passado e onde fica a cúpula do Judiciário goiano, há várias deficiências. O relatório aponta que não há controle de acesso de servidores e visitantes. No Fórum Criminal, no Jardim Goiás, onde fica a maioria das varas criminais, a situação é idêntica. No acesso às duas varas de crimes dolosos contra a vida, no Setor Oeste, há totens com detectores de metais, por onde deveriam passar as pessoas que serão ouvidas nas salas de audiência e nos gabinetes dos juízes. Os detectores, no entanto, estão sem funcionar há pelo menos quatro meses.


“Há monitoramento por câmeras, mas isso não é suficiente, por exemplo, para apontar se a pessoa entrou armada”, diz o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, do 1º Tribunal do Júri de Goiânia e em substituição na 1ª Vara Criminal. Ele pondera que os réus presos chegam ao local para audiências algemados e escoltados, mas reclama da falta de controle do acesso ao prédio, que tem três entradas. “Eu tomo medidas particulares de segurança”, revela.


Quando estava em Caiapônia, o juiz Thiago Soares Castelliano passou por uma situação de risco: seu gabinete foi invadido por um preso do regime semiaberto cujo pedido de progressão de pena havia sido indeferido. “Estávamos eu e meus dois assistentes na sala quando o reeducando entrou, acompanhado de um desconhecido. Ele estava nervoso e agitado”, contou Castelliano ao POPULAR. Ele disse que não chegou a ser ameaçado ou ofendido, mas o susto foi grande. “Eu me senti acuado. Ele estava com outra pessoa. E ainda poderia estar armado”, lembra o magistrado.


O assistente conseguiu tirar o preso do gabinete do juiz e a polícia foi acionada. Depois disso, Thiago mandou instalar, pagando com seu próprio dinheiro, uma tranca eletrônica, que permanece até hoje na comarca. Depois, ele ficou sabendo que o preso andou sondando funcionários do Fórum, querendo saber onde ele morava e a que hora costumava deixar o local. “Quando passei no concurso para a magistratura, não pensei que teria tantas restrições por causa da segurança, ainda mais em uma cidade pequena como Caiapônia. Minha mulher sonhava em ter no interior a vida que ela teve na infância.”


Em Itaberaí, no início do ano passado, um incêndio destruiu parte dos processos do Fórum local. O juiz Gustavo Braga Carvalho contou ao POPULAR que um dos cartórios criminais foi atingido. A conclusão pericial é de que o incêndio foi criminoso. “Houve destruição de processos, mas isso foi descoberto na noite do fato.” Carvalho não dá maiores detalhes porque o processo, no qual um advogado é acusado de participação, está em curso. Mas pondera que o episódio ilustra a situação de vulnerabilidade a que os fóruns e os magistrados estão sujeitos.


Vigilância nas grandes comarcas


A Diretoria do Tribunal de Justiça pretende manter segurança armada 24 horas nas comarcas acima de 30 mil habitantes e naquelas com histórico de problemas e desarmada nas demais, ao custo de R$ 6 milhões. Além disso, com o monitoramento, ao custo de R$ 7 milhões.


Os prédios que forem construídos ou reformados a partir de agora terão pórticos com detectores de metais – semelhantes ao da 1ª Vara Criminal, que está desativado. Em poucos dias deverá começar o sistema de interrogatório de presos do complexo prisional por sistema de videoconferência, de modo que eles não tenham de se deslocar para o TJ.Também haverá controle mais rígido do acesso de servidores e de visitantes. No caso dos servidores, será implantado o controle eletrônico de ponto. Também serão instaladas catracas. Num segundo momento, os visitantes começarão a ser cadastrados.


Diretoria do TJ promete melhorias


Diretor-geral do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), Wilson Gamboge Júnior reconhece o problema, garante que medidas estão sendo tomadas, mas pondera que a solução não é tão simples. Nem barata. “Essa situação, esse histórico de invasões, faz parte desse crescente da violência. Ninguém estava preparado para isso”, reconhece, acrescentando que poucos anos atrás era inconcebível que alguém fosse invadir o prédio de um fórum. Ele confirma que há várias comarcas com histórico de invasões, falta de controle de acesso, entrada de celas próxima à de magistrados, entre outros problemas.


A intenção inicial, diz Gamboge, assim que assumiu, era de contratar segurança armada 24 horas para todas as 129 comarcas. Quando os trâmites burocráticos estavam quase prontos, os primeiros orçamentos apontaram para um gasto anual de R$ 14 milhões. “Não temos esse dinheiro”, diz. A solução seria colocar segurança armada durante o dia e desarmada à noite, com o apoio do monitoramento por câmeras de última geração. Mas aí surgiu outro problema: a lei permite o porte de arma, mas os seguranças não podem circular com elas, que, então, teriam de ficar guardadas no próprio fórum. “Neste caso os fóruns virariam chamarizes.”


Servidores também reclamam de situações difíceis em comarcas


As reclamações de falta de segurança no trabalho não são apenas de juízes. Serventuários da Justiça também relatam que se sentem em situações difíceis. No Fórum de Cidade Ocidental, no Entorno do Distrito Federal, aconteceram dois roubos em menos de um ano. Um servidor da comarca conta que o primeiro aconteceu no recesso de final/início de ano e o outro na semana passada. “Isso mostra que não temos segurança adequada e o Tribunal não toma providências efetivas sobre os fatos ocorridos”, diz o servidor.Uma servidora que trabalha em um juizado especial cível de Goiânia também reclama das condições de trabalho. “Quantas vezes já tivemos de intervir em discussões entre as partes, nos corredores, que quase terminaram em agressões físicas?”, exemplifica. “Isso sem contar que não há controle sobre a entrada das pessoas. Não atuamos na área criminal, mas muita gente chega exaltada, com pendências que envolvem família, dívidas, golpes. É, no mínimo, constrangedor”, afirma.O POPULAR procurou o Sindicato dos Servidores e Serventuários da Justiça do Estado de Goiás (Sindjustiça) para falar sobre as condições de segurança de seus associados em Goiânia e nas comarcas do interior e sobre eventuais ações para melhorar essa situação. A diretoria foi procurada por telefone e e-mail, mas não deu retorno à reportagem.




Juiz destaca diferenças gritantes entre condições dos EUA e do Brasil


O juiz da 1ª Vara Cível e Infância e Juventude de Jataí, Sérgio Brito Teixeira e Silva, integrou uma comitiva de magistrados brasileiros que visitou há duas semanas o condado de Lake, na Flórida, para conhecer a forma como a segurança de juízes e servidores da Justiça é tratada naquele país. Ele ficou impressionado com o que viu e com a diferença gritante entre as condições americanas e as brasileiras. “É um mundo muito diferente”, disse Silva em entrevista ao POPULAR. Ele disse que impressão foi mútua. “Eles acharam um absurdo quando relatamos como são as coisas por aqui”.Em Lake, cada juiz é escoltado permanentemente por um policial quando está dentro do fórum. Na sala de audiência, há de três a cinco policiais todo o tempo. “Em Jataí, temos um único policial militar para todo o prédio”, compara. Há corredores exclusivos para entrada e saída dos magistrados e também uma sala cofre, de segurança máxima, para o caso de uma eventual invasão do juizado. “É uma fortaleza”, resume. Além disso, cada juiz tem um botão de pânico no bolso e outro em sua mesa. Há monitoramento constante com câmeras de alta resolução.O sistema de controle da movimentação dentro dos prédios é tão eficiente que Silva se perdeu momentaneamente do grupo e entrou em uma sala errada. “Eles perceberam pelo monitoramento e menos de um minuto e meio depois o policial chegou para me orientar”.As correspondências dos magistrados não vão para o endereço residencial e sim para uma central de segurança. “Eles dificultam bastante qualquer eventual acesso de um potencial criminoso aos juízes. Há até presos por trás de portas blindadas, como se vê nos filmes”, conta o magistrado.