"Exigir o respeito e o cumprimento da Constituição brasileira não pode ser confundido com atitude inconsequente do tipo erro histórico político ou suícida", disse Nelson Calandra, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) em resposta ao artigo do professor Joaquim Falcão, que criticou a medida do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de retirar as iniciais de 62 magistrados investigados do site do órgão. Para Calandra, "a magistratura fragilizada abre facilmente caminho para uma nova ditadura".
Em agosto deste ano, a AMB ajuizou uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a resolução 135 do CNJ, que trata da uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. A entidade defende a competência das corregedorias dos tribunais para apurar condutas irregulares de juízes. O caso ainda não foi decidido pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Além da Adin, a entidade também requereu ao CNJ a retirada das iniciais dos magistrados que respondiam a processos disciplinares no órgão depois que a Corregedora nacional, Eliana Calmon, disse que 62 integrantes da magistratura eram investigados. Após o presidente do CNJ, Cezar Peluso, acatar o pedido, o ex-conselheiro Joaquim Falcão publicou um artigo criticando a medida, no jornal Correio Braziliense. Para Falcão, "acesso à informação sobre os magistrados é antes um direito da cidadania do que uma férrea proteção do magistrado".
Calandra, entretanto defende que juízes tenham os mesmos direitos de responder a processos que pessoas comuns. "Por mais respeito que tenhamos com a Cátedra não podemos aceitar um "julgamento feito por noticias de jornais", alegou. Segundo ele, os juízes devem ter seus nomes ocultos até uma decisão definitiva da Justiça.
Em entrevista exclusiva ao Última Instância, o presidente da AMB falou sobre a segurança de magistrados, a paralisação dos juízes federais e do Trabalho, e que caminhos o Judiciário deve tomar para dar maior celeridade e efetividade à Justiça.
Veja a entrevista completa:
Última Instância — A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) questionou a competência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para investigar e punir magistrados. Qual é a solução para os casos em que as corregedorias locais não atuam como deveriam?
Nelson Calandra — O CNJ é um remédio que foi criado pelos próprios integrantes do Poder Judiciário que não olhavam pra si mesmos. A Adin não é contra o CNJ, mas contra as inconstitucionalidades que estão colocadas na resolução 135. O CNJ não é tribunal, é uma corte administrativa e não pode criar penalidades que não estão previstas em lei, como remoção compulsória. Buscamos junto ao Supremo adequar o CNJ à Constituição Brasileira para que ele funcione como remédio e não como veneno.
Última Instância — Um artigo do professor Joaquim Falcão, da Fundação Getulio Vargas (Direito/Rio) e ex-membro do CNJ criticou duramente a AMB por ter solicitado a retirada dos nomes dos magistrados que estavam sendo investigados pelo órgão. O pedido, que foi aceito pelo presidente Cezar Peluso, pode ser considerado um retrocesso na transparência do atos do CNJ?
Nelson Calandra — Acusam-nos de coorporativistas, mas na verdade estamos a defender não o juiz, mas o Estado Democrático de Direito, que só sobreviverá com magistrados independentes e possuidores de suas prerrogativas legais. A magistratura fragilizada facilmente abre caminhos para uma nova ditadura. Como está a mostra a história contemporânea em muito países da América Latina. Exigir o respeito e o cumprimento da Constituição brasileira não pode ser confundido com atitude inconsequente do tipo erro histórico político ou suícida.
Última Instância — Qual a posição da AMB sobre a paralisação dos juízes federais e do Trabalho, organizada no último dia 30 de novembro?
Nelson Calandra — A AMB abrange todos os magistrados do país e ficou deliberado que a entidade ia apoiar o movimento deflagrado pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho). Foi um dia de mobilização para chamar a atenção da opinião pública e das autoridades do país sobre as carências que passam o Judiciário.
Última Instância — Quais são as principais reivindicações da carreira?
Nelson Calandra — Os magistrados têm uma política de subsídio de revisão pela inflação nos dissídios. Todos os anos, temos que ficar passando o pires e, muitas vezes, contarmos com a má vontade do Poder Executivo em dar a reposição salarial. Pedimos uma reposição monetária de subsídio.
Última Instância — Qual sua opinião sobre as metas estipuladas pelo CNJ para 2012/2013?
Nelson Calandra — As metas para o Poder Judiciário têm que ser vistas como metas. Evidentemente que cada caso é um caso, e nem tudo que é traçado consegue ser cumprido. No TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), houveram colegas que não conseguiram atingir essas metas, e alguns até se aposentaram contrariados com a cobrança. Mas, elas representam um horizonte visível, mas é possível chegar até ela ou não. Porém, não há por parte do CNJ punição pra quem não atingiu a meta.
Última Instância — E de que forma a Corregedoria deve fazer a separação entre não atingir uma meta e não manter a produção mínima?
Nelson Calandra — A pessoa que não produz o mínimo necessário, dentro de um padrão que os próprios tribunais estabelecem, é chamada para dar explicações. No TJ-SP, onde atuo há mais de 30 anos, sempre que alguém não atinge uma meta mínima, é chamado pela Corregedoria para dar esclarecer o motivo. Isso é o que acontece de ordinário ou deveria acontecer em todos os tribunais brasileiros.
Última Instância — A informatização do Judiciário vai trazer celeridade ao trâmite do processo ou isso é mito já que o Código de Processo continua o mesmo?
Nelson Calandra — O Judiciário vivencia desafios do século XXI com ferramentas do século XX. A Justiça tem que se informatizar por inteiro, digitalizar seus processos, para poder dar maior velocidade nas suas decisões. Mas a informatização tem um lado perverso.
Última Instância — E qual é o lado ruim da informatização?
Nelson Calandra — Hoje o juiz despacha um processo de papel e enquanto o processo vai para o cartório e volta, ele ganha um tempo pra ir compreendendo a complexidade de uma demanda. Às vezes, o juiz nem está no foro, mas continua pensando no caso. E caso ele decida mudar de decisão, ainda dá tempo. Com o processo informatizado não haverá esse tempo. E a informatização também tem que acontecer na advocacia. Ouvi o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal) — que foi também o presidente da Comissão Especial de Juristas responsável pela reforma do Código de Processo Civil — dizer que em muitos lugares, onde as varas são informatizadas ocorre um congestionamento para chegar ao juiz.
Última Instância — Parece que esse afunilamento dos processos no juiz já causa problemas. O CNJ abriu um grupo para estudar o motivo do aumento do número de magistrados doentes em decorrência da pressão. Qual sua opinião sobre essa situação?
Nelson Calandra — A Universidade Federal da Paraíba fez uma pesquisa entre os juizes do estado e do Rio Grande do Norte, na qual constatou que os magistrados estão estressados no grau máximo, com 78%. E lá, as condições não são tão massacrantes como em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os juízes e as juízas são pessoas de muito brio profissional, e na medida em que saem notícias desabonadoras sobre a magistratura todos são tão atingidos. Como quando a Corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon se refere a uma minoria de magistrados que sofrem processos administrativos disciplinares. A pessoa se sente desanimada, desarvorada. Porque se fala e ofende toda uma categoria, e quando sai na rua, o juiz é afrontado e apontado. E além de tudo, o salário com perda da inflação de seis anos.
Última Instância — O que o Poder Judiciário e as autoridades vêm fazendo para garantir a segurança dos magistrados?
Nelson Calandra — Criei, dentro da AMB, uma secretaria voltada para a segurança dos magistrados. A composição dessa secretaria é formada por colegas com traquejo para lidar com violência, colegas da Justiça Militar e que atuam na Justiça criminal para orientar a magistratura a se defender. E com tudo isso, sofremos no dia 11 de agosto, um tapa na cara, que foi a morte da juíza Patrícia Acioli.
Última Instância — O que aconteceu com Acioli é um fato isolado ou existem mais casos de ameaças?
Nelson Calandra — Existem muitos juízes ameaçados. O juiz federal Odilon de Oliveira, que a mídia conhece, de Campo Grande já sofreu atentados, com bomba, tiro de metralhadora, seqüestro de filho, tudo que é possível.
Última Instância — A PEC dos recursos vem sendo criticada por especialistas por exigir que a decisão seja cumprida antes do trânsito em julgado. Qual sua opinião sobre essa posição?
Nelson Calandra — A PEC 15/2011, conhecida como PEC dos Recursos, traz a experiência de um magistrado, ministro Cezar Peluso que tem uma vida dedicada ao ensino do Processo Civil e a militância como juiz. No Rio de janeiro, na Fundação Getulio Vargas, ele mostrou que grande parte dos veredictos, especialmente em matéria penal, não são alterados no Supremo. Que a grande maioria dos recursos são do Ministério Público para agravar e aumenta a pena do réu. Até briga de galo, eu já vi o STF julgar. E assisti por mais de uma hora, o ministro Celso de Melo dar uma aula para dizer ao final que briga de galo é proibida no Brasil. O que todo mundo sabe, mas só vale depois que o STF disser que é verdade. O Supremo tem que ser reservado para questões de alta complexidade. O STF trabalhar com decisões que vão espalhar seus efeitos pra todo o país e não ficar decidindo casos no varejo.