Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Na juventude, ele trabalhou como servente de pedreiro em fórum; conheça a trajetória do juiz José Carlos de Oliveira



Desenvolvida pela ASMEGO, a campanha Juiz Cidadão - Do Berço à Toga retorna com a trajetória do juiz substituto em 2º grau José Carlos de Oliveira. De origem humilde, o magistrado coleciona diversas histórias inspiradoras, não só enquanto juiz, mas como ser humano. Entre as diversas experiências, o juiz José Carlos viveu a feliz coincidência de trabalhar como servente de pedreiro na construção do Fórum de Serranópolis e, décadas depois, ser homenageado como magistrado na inauguração do novo prédio.

"Tenho a honra de compartilhar este relato como esclarecimento que para seguir carreira como juiz, o único pré-requisito é o conhecimento e a aprovação em concurso. Para ser juiz de Direito não há indicação política. O desafio são as provas, que selecionam, independentemente da origem do candidato", afirmou o magistrado José Carlos de Oliveira. Além disso, ele revela sobre sua decisão mais importante enquanto juiz e dá uma poderosa lição de dedicação à missão da Magistratura: "a importância da causa não se mede por sua expressão econômica."

Com vasta experiência como professor de Direito, o magistrado ainda aconselha jovens que queiram também seguir a carreira como juiz ou superar quaisquer desafios. "Para quem tem um histórico e um sonho parecido com os meus, digo: continue sonhando. O sonho é o início de tudo, quem não sonha não vive. Mas, é claro que para torná-lo realidade é preciso ter atitudes e fazer sua parte."

O relato do magistrado é o quinto a integrar a campanha da ASMEGO intitulada Juiz Cidadão – Do Berço à Toga, que por meio de histórias reais informa que o acesso à carreira é via concurso público: ferramenta democrática e isonômica, que garante a todos a possibilidade de ingresso por meio do estudo e da moral ilibada. Veja aqui todas as histórias.
Leia a narrativa sobre a trajetória do juiz José Carlos de Oliveira

São muitos os fatos da vida que nos levam à conquista, mas tem um acontecimento curioso que certamente é marcante e resume a minha história. Certa vez, ainda jovem, em 1968, trabalhava como servente de pedreiro para complementar a renda que ganhava como ajudante do meu pai, cuja profissão era carroceiro. Comecei a trabalhar em uma empreita para a construção do Fórum de Serranópolis, cidade vizinha à Jataí, onde eu residia com a minha família. Voltei a esta cidade cerca de 44 anos depois, também por ocasião da inauguração de um novo fórum,  mas desta vez voltei como magistrado, homenageado na ocasião desta solenidade.

Tenho a honra de compartilhar este relato como esclarecimento que para seguir carreira como juiz, o único pré-requisito é o conhecimento e a aprovação em concursoPara ser juiz de Direito não há indicação política. O desafio são as provas, que selecionam, independentemente da origem do candidato.  A título de compreensão do que disse, vamos voltar um pouco mais no tempo. Nasci em família humilde e honrada, na cidade de Mineiros (GO).

Três anos depois, nossa família foi para a zona rural de Jataí, onde meu pai comprou uma pequena propriedade. Lá meus pais plantavam verduras e vendiam na cidade. Fui alfabetizado pelo meu próprio pai, que deu aulas também para a minha irmã e para crianças das imediações. Lá em casa mesmo, ele improvisou uma sala de aula para esse fim. Pouco tempo depois, em 1958, quando eu possuía 8 anos de idade, fomos morar na cidade. Ali, meu pai se estabeleceu como carroceiro, e minha mãe como costureira e lavadeira. Duas pessoas extremamente trabalhadoras e honestas, as quais tenho a honra de agradecê-las: José Francisco de Oliveira e Benvinda Rodrigues de Oliveira.

A saga para seguir com os estudos

Ao chegar em Jataí, meu pai conseguiu bolsas para que estudássemos em um colégio de freiras. Cursamos lá o primário e eu sempre estive entre os primeiros alunos da turma. No entanto, para ingressar no antigo ginásio, era necessária aprovação em uma seleção, que nos credenciaria para seguir com os estudos na escola estadual. Submeti-me à seleção e, para surpresa das professoras, não fui aprovado. Meu pai, preocupado com meu futuro, insistiu para que eu continuasse os estudos e pediu para a freira, que era diretora da nossa antiga escola, para renovar minha matrícula na mesma série.

A reação da diretora, de nome Irmã Francisca Sales, que também era minha professora, nunca me sai da memória. Ela disse: "Como não passou? Com as boas notas que ele sempre tirou aqui, desde o primeiro ano, como que ele não passou? Foram aprovados alunos com desempenho muito inferior do que o do José Carlos!". Indignada, ela autorizou que eu repetisse o ano, para me preparar para a futura seleção. Um ano se passou e, novamente, eu não fui aprovado. Continuei na mesma escola e, pela terceira vez, o resultado foi negativo. A Irmã Francisca não se conformou e com a finalidade de obter uma explicação para as repetidas reprovações experimentadas por mim, subiu na carroça do meu pai, nervosa, e foi até ao colégio conversar com o diretor. Levou meu histórico escolar e lembro que estava tão alterada que gaguejava e tremia de indignação. Mas não adiantou, mais uma vez fiquei fora do ginásio. Só que eu me senti bem. E apenas muitos anos depois, descobri o significado daquele gesto: naquele momento, a Irmã Francisca resgatou minha autoestima.

Carteira para Tração Animal pertencente ao pai do juiz José Carlos de Oliveira

Nesta altura, eu já estava bem maior que os alunos da 4ª série, então fui estudar numa turma à noite. Durante o dia, trabalhava com o meu pai na carroça, entregando lenha. Certa vez, fomos fazer uma entrega em uma casa de pessoas de influência política na cidade. "Por que o seu filho não está na escola?", perguntou a dona da casa ao meu pai. E então, ele relatou toda a saga. Ela disse, então, que iria conversar com seu compadre, que trabalhava na Secretaria de Educação do Estado. Então, quando voltei à casa dela, ela me deu a notícia que eu iria estudar no Instituto Presbiteriano Samuel Graham, estabelecimento de ensino da rede particular, muito bem conceituado. Assim, finalmente, consegui avançar nos estudos.

A atitude daquela senhora foi determinante na minha vida. Durante muito tempo, quis localizá-la, mas não sabia o seu nome. Ano passado, entrei no Google Earth e consegui achar a casa em que ela morava. A partir daí, descobri que ela já havia falecido, mas consegui localizar seus parentes. Então, fizemos uma reunião com vários familiares: filhos, irmãos, netos e bisnetos. Tive a oportunidade de colocar no seu túmulo uma placa em homenagem a este anjo: a dona Doralice Carvalho Gedda. Os dizeres estão abaixo.



Continuei no Instituto até surgir uma vaga na escola pública e, então, me transferi. Nesta época, estudava, auxiliava meu pai nos afazeres com a carroça e também era servente de pedreiro. Foi nesta época que ocorreu a situação mencionada acima: trabalhei na obra do primeiro Fórum de Serranópolis. Na ocasião da inauguração do novo Fórum, em 2012, realizada pelo então presidente do TJGO, desembargador Leobino Valente Chaves, fui convidado para cerimônia, momento em que recebi uma homenagem, do qual me sinto extremamente lisonjeado.



O sonho de cursar Direito

Em 1969, nós mudamos para Goiânia. Eu fui trabalhar como auxiliar de serviços gerais em uma papelaria no Setor Central. Fazia faxina e entregas na loja. Depois de algum tempo, passei exercer a função de balconista. Continuei estudando, com dificuldades, mas segui, inclusive passei a morar na loja para facilitar, já que meus pais moravam em setor afastado. Estudava à noite na Escola Técnica Federal e eu já tinha o sonho de cursar Direito. Às vezes, antes de dormir, gostava de ir até a Praça Universitária para contemplar os prédios das faculdades e sonhar, pensando: "Um dia, quero estudar aqui". Entrar na faculdade era um sonho que acalentava. E olha só como é a vida, logo após formado, passei numa seleção para professor da PUC-GO, e até hoje sigo essa carreira.

Então, fui aprovado no vestibular para Direito na PUC-GO. Pude cursar graças a um programa social de Estado que existia naquela época, denominado Crédito Educativo, que corresponde ao atual Fies. Não faltava um dia à aula, até mesmo quando ficava doente ia estudar. Também lembro de várias ocasiões que fui a pé, do Setor Pedro Ludovico ao Setor Universitário, visto que não dispunha de dinheiro para pagar a passagem de ônibus. Um fato engraçado que me lembro, é que cursei toda a graduação com apenas um único par de sapatos: um Vulcabrás. Quando da colação de grau, comprei um sapato novo à prestação. Até que um colega fez uma observação: " Ê, Zé Carlos, você estudou o tempo inteiro com o Vulcabrás e está formando com Tony?" Aí retruquei: "Ué rapaz, não sabia que você ficava olhando meus sapatos". Então, assim, a vida foi difícil, mas valeu a pena.

De professor à juiz

Logo após a formatura, em 1981, eu participei de uma seleção para ser professor da UCG, hoje PUC-GO. Só havia uma vaga e eram mais de 60 candidatos. Tive a grata satisfação de ser aprovado. Fiquei muito feliz, contudo, pouco depois o concurso foi anulado. Dois anos depois, foi aberta nova seleção e eu decidi não participar. O então diretor da Faculdade de Direito, professor José Bezerra da Costa, me recomendou a participar do novo concurso, dizendo: "O cesteiro que faz um cesto faz um cento". Porém, recusei da proposta e não me inscrevi. Na véspera da prova, a secretária dele me ligou para informar a data da prova e que eu estava inscrito no concurso, visto que o professor José Bezerra à minha revelia me inscreveu no certame. Prestei a seleção e fui aprovado, me tornando professor, em 1983. Na época, eu jamais poderia imaginar que minha carreira de docente iria cruzar com a de juiz e eu teria a satisfação de ser diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás (Esmeg). E assim já há 34 anos sou professor.

Depois, pedi licença da PUC, pois fui aprovado no concurso para promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), em 1984. Apesar de ter gostado da carreira e do papel do promotor, essa experiência fez nascer a vontade de resolver os conflitos. O desejo de dar solução, de decidir, me moveu e despertou em mim a vontade de ser juiz. Em 1985, fui aprovado em primeiro lugar (no concurso de provas) do Concurso da Magistratura do Estado de Goiás.

A decisão mais importante, como juiz

Ao tomar posse, me deparei com a missão de ser instrumento de pacificação social. Entre as lembranças de decisões, a que considero mais importante, pelo impacto gerado na vida de uma pessoa, foi, na verdade, um caso simples. Quando era juiz em Mozarlândia, certa vez, o porteiro do Fórum me informou que havia uma senhora de Aruanã querendo falar comigo. Nesta época, Aruanã pertencia à comarca de Mozarlândia. Pedi a ela para entrar. Era uma senhora muito magra, com roupas muito simples e sandália de dedos nos pés. Percebi que o calcanhar da sua sandália estava todo desgastado. Ela entrou e eu pedi a ela para que se sentasse. Mas, ela preferiu ficar em pé. perguntei como tinha vindo até Mozarlândia e ela narrou a sua história:

"Eu vim de Aruanã, no caminhão da Prefeitura. Sou viúva, tenho três filhos pequenos e moro na Taboca (era um bairro da periferia da cidade, na época). Trabalho como lavadeira, mas faço de tudo, até capinar quintal, para sustentar meus meninos. Planto e tenho algumas galinhas. Uma delas era uma verdadeira mão na roda, pois todos os dias punha um ovo. Então, essa galinha teria entrado no quintal do vizinho, estragado a plantação de alface e ele bateu nela com a vassoura. A galinha ficou "descadeirada" e nunca mais botou ovos. Eu fui falar com ele, para ele me indenizar. Mas o vizinho disse que não iria pagar. Por isso, eu vim falar com o senhor", disse ela.

Fiquei impressionado de ela ter percorrido cerca de 90 km para falar comigo. E então, eu perguntei se era por isso que ela tinha ido até o Fórum me procurar. Ela afirmou que sim, pois os ovos da galinha eram alimentos de seus filhos. Como retorno, eu disse a ela que iria a Aruanã atuar como juiz eleitoral em uma data próxima e falei para ela me procurar lá. Pedi também o nome do vizinho. Quando cheguei a Aruanã, determinei que o oficial de Justiça fosse intimar o indivíduo. Ele me confirmou que havia machucado a galinha, com a justificativa da destruição das suas alfaces. E então eu disse: "O quintal do senhor deveria ser cercado, pois todo mundo aqui cria galinhas soltas. O senhor deve reparar o dano causado, pois aquele animal fazia diferença na vida daquela família". E então ele pagou, de imediato, o valor equivalente do galináceo. Quando o homem já estava se retirando, aquela senhora postou-se na frente do mesmo e disse-lhe: "Eu te falei que existe Justiça". Compreendi que aquela galinha era mais importante para aquela senhora do que 200 vacas são para outras pessoas. Era tudo o que ela tinha. Então, a causa mais importante que julguei enquanto juiz foi essa. Se a Justiça não fosse feita, ela sairia bastante frustrada. Então é essa a importância da Justiça. Foi algo que Deus colocou no meu caminho, também, para me mostrar que a importância da causa não se mede por sua expressão econômica. 

Agradecimentos

Tenho a consciência que chegar onde cheguei só foi possível graças a ajuda de muitas pessoas. Meus pais, a Irmã Francisca Sales, a dona Doralice Gedda, o professor José Bezerra da Costa e, de forma muito especial, a minha esposa Mary Lúcia Pinho de Oliveira, a qual durante toda a jornada me deu inestimável contribuição. Agradeço ainda aos meus filhos Cristiane Pinho de Oliveira, Cristine Pinho de Oliveira, Rafael Pinho de Oliveira, Ana Laura Pinho de Oliveira e aos meus irmãos Dione de Oliveira e Heber Carlos de Oliveira, que depois também ingressou na carreira e hoje é juiz. Cheguei à Magistratura, como filho de carroceiro que ninguém conhecia. Ou seja, a minha própria história de vida prova a lisura do concurso para juiz, desmistificando qualquer dúvida que possa pairar sobre o acesso à carreira.

Para quem tem um histórico e um sonho parecido com os meus, digo: continue sonhando. O sonho é o início de tudo, quem não sonha não vive. Mas, é claro que para torná-lo realidade é preciso ter atitudes e fazer sua parte. Você tem que iniciar a caminhada, mas tudo é possível desde que se deseje e aja. Tive que ter dedicação e estudar com afinco. Nestes quase 40 anos de magistério, vejo que alunos dedicados sempre alcançam suas metas. Muitos são juízes, delegados, promotores e advogados de sucesso. Sigam em frente!

José Carlos de Oliveira


Juiz substituto em 2º grau, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO)



Fonte: Assessoria de Comunicação da ASMEGO | Mediato Multiagência