Quem participou do 2º Encontro de Integração de Servidores do Poder Judiciário do Estado de Goiás, em dezembro de 2008, levou um susto quando, no encerramento, o então presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador José Lenar de Melo Bandeira, insinuou que talvez não estivesse vivo no momento de repassar o cargo ao seu sucessor.
Foi aplaudido de pé pela plateia lotada de servidores de comarcas de todos os Estados; a grande maioria queria abraçá-lo, cumprimentá-lo ou tirar fotos com ele. Um câncer o surpreendera no auge de sua vida. A doença ignorava, entretanto, a força desse homem determinado a não fracassar. Amado pelos servidores mais pela sua postura reta e humilde do que pelos benefícios que conseguiu para eles, Lenar aprendeu com a vida uma máxima que pode ser considerada pessimista, mas que, na verdade, é norte de sábios. “Não somos nada”, ele costumava dizer. Percebeu isso duramente quando perdeu um filho jovem, assassinado em 2004. A dor dessa perda, que ele ainda não superou, também virou aprendizado. “Hoje sei viver com a saudade”.
O crime aconteceu quando ele presidia o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e, na tentativa de superar a dor, se dedicou ainda mais ao trabalho, à família e ao seu hobby, a leitura, que conseguiu ainda mais espaço em sua vida. “Foi com esse episódio que vi que não somos nada”, ele fez a reflexão, antes de acrescentar “a gente também procura ser melhor”.
Mesmo com tantos golpes da vida, Lenar não tem qualquer dificuldade em se definir como um homem realizado. “Sou feliz. Cuidado pelos filhos, um homem realizado com a família que tenho. Alcancei tudo o que desejava na vida familiar e profissional, apesar dos revezes, que foram muitos”. Lenar não exagera na afirmação. Como presidente do Tribunal goiano, foi responsável por uma série de inovações e ficou conhecido pela promoção da valorização dos servidores. Pela primeira vez no TJGO, se ouvia falar em Planejamento Estratégico, o mesmo hoje consolidado em todo o País e que mais tarde passaria a ser exigido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Foi dele também a iniciativa de implantar planos e metas e de investir na capacitação dos funcionários, além da criação do Diário da Justiça Eletrônico. Construiu e inaugurou 22 prédios novos e deixou 10 por inaugurar. Mas, talvez seu maior legado tenha sido a convivência harmônica que estabeleceu entre os servidores. Trouxe apenas dois funcionários de fora do TJGO e ascendeu a “prata da casa” aos cargos importantes do Poder Judiciário. “Procurei respeitar os direitos, reconhecer os vultuosos débitos que tínhamos com eles e pagar diferenças importantes. Foram dois anos de muita paz e felicidade. O servidor precisa estar feliz. Não pode trabalhar aborrecido”.
Família
Pai de quatro filhos e quatro netos, Lenar aprendeu cedo a importância da família. Seus primeiros anos foram vividos junto da avó Judith, na Fazenda Sicupira, no município de Porto Franco, Sul do Maranhão. Cercado de bichos e da natureza, ele passava seu tempo brincando, “num ambiente de muito amor”. Por volta dos nove anos, voltou a viver com a mãe Amélia, que se mudava com a família para Tocantinópolis, no Tocantins.
A partir daí, passou a estudar e a trabalhar, maneira encontrada pela mãe de exercer o controle dos filhos. Vendeu água em jumento, ajudou o pai na quitanda, vendeu doces e frutas, tendo contato, assim, com uma rotina de responsabilidade que marcaria sua vida adulta. “Minha mãe não tinha instrução, mas era muito sábia, e essa foi a maneira que encontrou de nos encaminhar e não permitir que nos acomodássemos”, contou ele, acrescentando que a mãe ainda vive e tem hoje 96 anos.
Depois de dar o berço e a instrução, Amélia despachou os filhos para que se fizessem gente, trabalhando e estudando por conta própria. Em 1962, acabou então o tempo da despreocupação para José Lenar. Fez o científico no Lyceu de Goiânia e, mais tarde, ingressou no curso de Filosofia da Universidade Católica de Goiás. Não se adaptou e, por isso, resolveu fazer Direito na Universidade Federal de Goiás.
Ali entrou em contato, na prática, com a frase de José Ingenieros, que faria sentido durante todo o seu percurso: “Se uma luz te atrai, vai em pós dela. Do contrário, sempre te martirizará a consciência saber se era ou não tua felicidade”. O Direito estava, de fato, nas alegrias reservadas a ele. Advogou por dois anos, passou em primeiro lugar num concurso para delegado e, mais tarde, para promotor, desta vez em segundo lugar. Foi professor de Direito Civil e Processo Civil na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Assumiu o cargo de procurador de Justiça e, em 1997, o de desembargador pelo quinto constitucional.
Dez anos depois, foi presidente do TJGO e, não por acaso, deixou o Tribunal do Pleno ovacionado quando, ao entregar o cargo, disse que os aplausos são fáceis na chegada, mas só são válidos se forem oferecidos na saída. E ele merece todos eles quando revela sua interpretação da frase de José Ingenieros. “Ela significa que não podemos nos desiludir com os fracassos e atropelos que nos assaltam. Nada me deteve na vida. Nem o câncer. Sou um homem apaixonado, realizado. Feliz”.
Desembargadores fazem homenagem a José Lenar de Melo Bandeira
“José Lenar de Melo Bandeira, nome emblemático oriundo lá dos recônditos das divisas entre Goiás (hoje Tocantins) e Maranhão. Como presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás realizou profícua gestão. Guardarei, com saudades, a lembrança de sua inteligência, do seu bom humor e alegria, quando trabalhávamos juntos na 1ª Câmara Criminal."
Desembargador Ney Teles de Paula, presidente do TJGO
“Homem bondoso, sábio e iluminado, de quem tive a honra de ser amigo. Deixa saudade e um exemplo de conduta irreparável. Em minha posse como desembargador, ele citou uma frase de Moisés que exemplifica seu caráter e comprometimento com a Justiça 'ouvireis o pequeno como o grande'.”
Desembargador Carlos França
“O desembargador José Lenar foi a expressão mais eloquente do julgador brilhante, do homem admirável e do amigo sem defeito”.
Desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga
“É merecedor de todas as homenagens, não só do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, mas de todo o Estado. Pois era um grande homem, culto, religioso e que dirigiu o tribunal por dois anos com inúmeros esforços para honrar a Casa que ele tanto amava.”
Desembargador Carlos Escher
“Uma das mais fulgurantes culturas deste Egrégio Tribunal, reserva moral da gente goiana, figura proeminente da magistratura deste Estado. Saudou-me na minha posse com palavras generosas, recepcionando-me carinhosamente com palavras que se alojaram nos recônditos mais profundos da minha alma.”
Desembargador Norival Santomé
"O desembargador Lenar sempre será para mim um exemplo de retidão e fidelidade ao Direito e à Justiça."
Desembargadora Elizabeth Maria da Silva
“Deixou grande lacuna já com sua recente aposentadoria. Partiu agora, definitivamente, para além do nosso tempo mas marcou, de forma indelével, a vida pela postura íntegra e exemplar de homem comprometido e, em tudo, dedicado.”
Desembargador Leobino Valente Chaves
“A morte do desembargador José Lenar é motivo de profunda consternação para o Poder Judiciário do Estado de Goiás, do yqual ele foi um dos Presidentes mais queridos e eficientes. Simples e despojado no trato pessoal, transfigurava-se como julgador, atuando de forma extremamente conscienciosa, criteriosa, com aplicação rigorosa da lei.”
Desembargador Itaney F. Campos