A tramitação do Agravo de Instrumento passa a ser mais dinâmica e econômica, a partir desta quinta-feira (9/12). Com a entrada em vigor da Lei 12.322/10, o recurso, agora chamado apenas de Agravo, vai tramitar nos autos do processo, não sendo mais necessária a formatação de um novo instrumento para apreciação dos tribunais superiores. Para operadores do Direito, a mudança vai proporcionar economia de tempo e de recursos humanos e materiais. No entanto, também pode haver dificuldades na interpretação da lei.
O Agravo é usado para questionar uma decisão que não admitiu a subida de um Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça ou de um Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Se a corte acolhe o Agravo, o recurso principal tem seu mérito julgado. Mas, até que os autos sejam remetidos para os tribunais superiores, pode demorar até um ano. Além disso, o STF e o STJ eram obrigados a examinar em duas situações a mesma demanda. Primeiro para avaliar se foi acertada a decisão de barrar, ainda na origem, o recurso, depois para julgar o mérito da questão controvertida.
Com a nova formatação, o procedimento será encurtado: o Agravo não precisará mais ser protocolado separadamente da ação principal, iniciando novo trâmite. Ele deverá ser apresentado nos autos já existentes, o que dispensa a necessidade de se tirar cópias de todo o processo para instrumentalizá-lo.
Para o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, a nova formatação do Agravo torna mais racional a administração da Justiça. "O eventual provimento do Agravo permite que o órgão julgador aprecie imediatamente o mérito da questão principal, evitando os custos e o tempo perdido com a comunicação e remessa." Na época em que a lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou que a medida promoveria maior celeridade processual, com uma redução de seis meses a um ano na tramitação dos processos.
Grande demanda
O Agravo de Instrumento é a classe processual mais numerosa no STF, representando 66,5% de todos os processos em tramitação. Em 2010, dos 52.247 processos que chegaram à Suprema Corte, 34.749 foram Agravos de Instrumento. Devido ao número excessivo de recursos, a Secretaria Judiciária do STF possui 60 funcionários para trabalhar, exclusivamente, no processamento dos Agravos de Instrumento. Na maioria dos gabinetes de ministros também há equipes que se dedicam exclusivamente a verificar a regularidade dos agravos. Segundo Peluso, a nova lei vai permitir que esse contingente de servidores se dedique a outras funções, aumentando a produtividade do Supremo.
Já no STJ, dos 328.718 processos julgados em 2009, 137.583 foram Agravos de Instrumento. Destes, 15% foram providos, 51% negados e 31% não foram conhecidos. De 1994 a 2007, o percentual de crescimento de Agravos de Instrumento julgados na corte foi de 886%. No mesmo período, apenas 18,6% desses recursos foram providos, o que, segundo o STJ, revela o caráter protelatório de muitos desses agravos.
Para combater essa vertente, o Tribunal Superior do Trabalho aplicou cerca de 1,2 mil multas no percentual de 10% sobre o valor da causa às partes que recorreram de decisões da corte para o STF por meio do Agravo de Instrumento. Na última segunda-feira, o órgão especial do TST aplicou a punição em 576 agravos internos e aproximadamente mil recursos deverão ser analisados na próxima sessão, marcada para fevereiro.
Impacto ambiental
A nova lei também trará pontos positivos ao meio ambiente, já que não será mais necessária a juntada de cópias do processo original. "A mudança no Agravo é um avanço, pois, além de agilizar a tramitação de um recurso muito utilizado, também traz economia. Mas essa questão não é só de ordem econômica, pois cabe também à Justiça agir com responsabilidade ambiental", avaliou o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), Paulo Dimas Mascaretti. Segundo dados do STF, em 2009, os 42.189 Agravos de Instrumento processados na corte consumiram 20 milhões de folhas de papel.
Para Mascaretti, o impacto no trabalho dos tribunais, tanto os estaduais e regionais quanto os superiores, será na tramitação do processo, e não no número de recursos. "Uma das etapas será suprimida, não haverá mais a dupla tramitação, o que, consequentemente, vai agilizar o trabalho nas cortes. Mas não acredito que haverá menos recursos."
Agravos rejeitados
A expectativa com a mudança na tramitação do Agravo é grande entre os advogados, pois muitos desses recursos eram rejeitados por falhas na formação do instrumento, entre elas, falta de cópias de peças do processo principal ou de certidões. Só neste ano, em 12% dos casos decididos pelo STF os Agravos foram desprovidos por falta de peças. "Alguns casos se perdiam, pois os processos não eram preparados adequadamente. Agora, o Agravo passa a ser uma petição simples. Isso facilita também na questão de cumprimento de prazo. Se o advogado não precisa juntar uma série de documentos, a interposição do recurso fica mais fácil e rápida", avaliou o advogado tributário e empresarial Carlos Eduardo Ortega.
Ele acredita também que, com a simplificação do instrumento, o número de agravos impetrados não diminuirá, ao contrário do número de recursos aceitos, que deve aumentar. "O brasileiro tem a cultura de recorrer e o advogado normalmente não fica satisfeito com as decisões dos tribunais, mesmo que as possibilidades de êxito sejam nulas. Com as mudanças para o sistema digital, em alguns anos, a tramitação do Agravo vai se aperfeiçoar."
Para o professor de Direito Penal da Unibrasil e mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Francisco do Rêgo Monteiro Rocha Junior, o recurso na formatação antiga era muito exigente, havia uma série de documentos cuja cópia era necessária e, além das cópias definidas por lei, muitas vezes os agravos não eram processados por conta de um documento que, apesar de não estar elencado na lei, era considerado necessário pelos tribunais. "Isso trazia bastante insegurança. Agora, acredito que não haverá grandes dificuldades nesse sentido. As novas leis estabelecem novos procedimentos, mas essa vai no sentido contrário."
Questão penal
A Lei 12.322/10 modificou dispositivos do Código de Processo Civil — absorvida inclusive pela nova proposta do CPC que tramita no Senado — alterando a concepção jurídica do Agravo de Instrumento, que deixa de ser um recurso autônomo, passando a influenciar o conhecimento do próprio RE ou REsp. Na última sessão administrativa do STF, no dia 2 de dezembro, os ministros decidiram que essa sistemática também se aplica à matéria penal. "No início das discussões sobre a modificação do Agravo, houve uma dúvida se haveria aplicabilidade da nova lei no processo penal. Mas essa questão foi pacificada pelo STF", avaliou Rocha Junior.
Ele acredita que a lei vai facilitar o acesso à Justiça pelo cidadão, uma vez que o novo Agravo permite a diminuição das custas dos processos. "Na formatação antiga, o Agravo sobe em um processo paralelo, o que necessita de uma série de cópias de documentos para instruir esse instrumento. Sob a ótica criminal, isso é muito positivo, pois muitos réus não têm acesso a recursos ou estrutura para apresentar esses documentos."
Dificuldades
Uma eventual desvantagem apontada pelo advogado Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa é na execução provisória do acordo. A Carta de Sentença autoriza provisoriamente a sentença durante a tramitação do processo, porém, como a ação original sobe para o tribunal superior, o advogado pode ter dificuldade de conseguir esse documento. "Houve um acerto no ponto da tramitação, porém, a nova lei pode prejudicar a tramitação provisória do julgado."
Costa também destacou dificuldades na interpretação da lei. "Pode ser que o STJ ou o STF entendam que os Recursos Extraordinários ou Ordinários interpostos antes da vigência da lei, mas que ainda não foram avaliados, devam seguir a lei antiga. Por cautela, avalio que seja melhor o defensor formar um instrumento, o que também demonstra boa fé processual."
Entusiasta da nova Lei do Agravo, o secretário de Reforma do Judiciário, Marivaldo Pereira, acredita que as mudanças vão desburocratizar o recurso. Se houver dificuldade, será apenas na tramitação do processo em meio físico. "A informatização da Justiça Federal está bastante adiantada, mas ainda há tribunais que precisam se adiantar nessa área, pois os tribunais superiores não recebem nada por meio físico. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] está desenvolvendo a padronização do processo eletrônico em todo o país, mas o que falta é recurso para implementar essas mudanças."
A digitalização também deve solucionar eventuais problemas na emissão da Carta de Sentença, segundo Pereira. "A informação circula de forma mais fácil entre os tribunais que já estão informatizados. Hoje, pode ser que haja alguma dificuldade nesse sentido, mas o processo de informatização é um caminho sem volta, necessário e que vai acontecer. A modificação do Agravo é uma das medidas que podem provocar esse processo."
Nova classe processual
Devido à nova lei, na última sessão administrativa do STF, foi aprovada resolução instituindo uma nova classe processual na corte, denominada Recurso Extraordinário com Agravo (aRE) para o processamento de Agravo apresentado contra decisão que não admite recurso extraordinário.
Segundo o Supremo, na prática, a nova sistemática processual obedecerá as limitações impostas ao Recurso Extraordinário no tocante à repercussão geral, um mecanismo de filtro processual em que os ministros selecionam os recursos que serão apreciados pelo Plenário. Para que seja analisada, é preciso que a questão tratada nos autos tenha relevância jurídica, política, econômica ou social. Dessa forma, o Agravo somente será cabível quando os autos tratarem de tema inédito, cuja repercussão geral ainda não tenha sido apreciada pelo STF.