Um conflito pode ter origem nos mais diversos fatores. Contudo, para um operador do Direito, mais importante do que descobrir a sua causa é resolvê-lo. É nessa perspectiva que surge a problemática das formas e dois meios a serem utilizados para realizar tal façanha. O mais conhecido e requisitado pela população de um modo geral é o Poder Judiciário. Por motivos cada vez mais banais as pessoas buscam a “batalha judicial” para resolver seus problemas. Esta afirmação pode ser comprovada verificando-se a superlotação de processos nos mais diversos setores da Justiça. Mesmo nos juizados especiais, que zelam pela simplicidade, informalidade e celeridade processual, o processante terá sorte se conseguir um julgamento de mérito decisivo ao final de um ano de espera. Diante desta realidade é que a busca por novos métodos de resolução dessas desavenças torna-se tão necessária.
E é neste ponto que surge a mediação de conflitos, uma espécie de “arte” alternativa, em que é feita uma tentativa de resolução de um conflito entre partes, na presença de um ou mais mediadores, os quais por meio de diálogo com as partes conflitantes, buscam um acordo através de concessões mútuas. Esse novo paradigma da Justiça tem sido adotado pelo Judiciário goiano e promovido uma verdadeira revolução no que se refere à solução efetiva e célere dos conflitos sociais prevenindo, assim, o aumento das demandas judiciais, além de incentivar a cultura da conciliação e promover a paz na sociedade. A maior prova é a implantação de três novos Centros de Pacificação Social em Campinorte, Estrela do Norte e Santa Tereza, comarcas localizadas no Norte de Goiás, uma das regiões mais carentes do Estado, nesta quinta-feira (17).
Representando o presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o juiz Wilton Muller Salomão, auxiliar da Presidência do TJGO, falou sobre a importância do projeto, reconhecido inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Esse é um trabalho conjunto desenvolvido pelos juízes goianos e pelo desembargador Paulo Teles, que sempre deu todo apoio à iniciativa e acredita que o Judiciário tem que prestar contas à sociedade proporcionando-lhe uma prestação jurisdicional mais célere e humana. Nossa função é servir o cidadão. É gerido por um juiz, mas pertence a população”, salientou.
Wilton Muller lembrou que na maioria das vezes, durante o trâmite processual comum, o cidadão leva até um ano para resolver sua pendência até que seja marcada uma audiência, sem que sejam verificadas suas verdadeiras necessidades.”O entendimento entre as partes é sempre o melhor caminho para que a Justiça prevaleça. No CPS o cidadão encontra gratuitamente a solução para seus conflitos e tem uma resposta bem ais rápida, uma vez que as audiências são realizadas em tempo real e as sentenças prolatadas de imediato. dias atuais, onde nos deparamos diariamente com conflitos de todas as espécies e graus, o CPS nos oferece uma alternativa extremamente promissora de encontrar um meio de convivência mais harmonioso, que busca criar novas formas de integrar diferenças”, assegurou.
Entre os pontos mais importantes promovidos pelo trabalho promovido no CPS, o magistrado aponta o aprendizado das partes em litígio em resguardar para si a autoria da construção das soluções dos conflitos, não a delegando a um terceiro. “Além de propiciar maior rapidez e efetividade da execução das decisões tomadas, redução de desgaste emocional e financeiro, privacidade e sigilo, redução da duração e reincidência de litígios, os acordos facilitam a comunicação entre as pessoas e a promoção de ambientes cooperativos tendo como desdobramento a melhoria geral das relações”, destacou.
Muller elogiou o empenho do juiz Murilo Vieira Faria, diretor do Foro de Uruaçu, idealizador do projeto e coordenador estadual do grupo do CPS, e comentou ainda a parceria saudável estabelecida entre os Poderes e demais instituições públicas e privadas. “Murilo foi o mentor do CPS, que respire e vive cotidianamente essa realidade. Foi ele que tirou do papel essa ideia, tão sonhada por todos nós, e levou o Judiciário goiano para fronteiras mais longínquas”, enalteceu.
Na opinião de Maria do Socorro Ribeiro Teles, presdiente da Organziação das Voluntárias do Judiciário (OVJ), que esteve presente nas solenidades para implantação dos CPS de Campinorte, Estrela do Norte e Sante Tereza, a conciliação contribui na formação do indivíduo como cidadão responsável por seus atos e conseqüências concomitantes. “Esse acordos valorizam a responsabilidade de cada um, a apropriação das escolhas pessoais, o respeito a si e ao outro, a aceitação do diferente, a cooperação e a tolerância”, observou.
Para o juiz Rodrigo de Melo Brustolin, diretor do Foro de Estrela do Norte e gestor de quatro CPS no Norte de Goiás, o CPS faz parte do esforço mútuo para fazer da comarca um modelo para o Estado e representa a concretização de um ideal. “Com o apoio da prefeitura, Conselho da Comunidade e da presidência do TJ faremos de Estrela de Goiás um lugar melhor para se viver, garantindo que os cidadãos tenham acesso digno à Justiça, com uma prestação jurisdicional mais rápida e humanizada”, comentou. Ele lembrou que o serviço oferecido pelo CPS é gratuito e frisou que o dinamismo do projeto é justamente o fator que o fará evoluir. “É preciso conscientizar a população das vantagens da prévia conciliação de interesses. Só assim, os cidadãos, cada vez mais, terão uma possibilidade real de solução e não um mero trâmite a superar antes de passar ao conflito judicial, o que, além de mais custoso, em muitos casos poderá resultar desnecessário”, explicou.
O juiz André Reis Lacerda, de Mineiros, que atuou em Campinorte e é um dos maiores incentivadores e membro gestor do CPS, contou que a reforma e escolha do local, que era uma antiga casa de magistrado, foi feita durante o tempo em que esteve na comarca. “Tenho grande carinho e apreço pelos campinortenses. Não posso estar presente hoje nessa solenidade em razão de outros compromissos, mas asseguro que ajudei a reformar esse local para implantação do CPS, um sonho acalentado por anos e agora finalmente concretizado”, frisou, justificando sua ausência. Participaram dos eventos além de Murilo Faria e Rodrigo Brustolin, o juiz Andrey Máximo Formiga, diretor do Foro de Itapaci, os prefeitos municipais das respectivas comarcas, autoridades locais e público em geral.
São membros gestores do CPS os juízes Murilo Vieira Faria, diretor do Foro de Uruaçu, idelizador do projeto e coordenador estadual do grupo, Wilton Muller, Carlos Magno Rocha da Silva, 2º juiz corregedor, Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, presidente do Movimento pela Conciliação em Goiás, Vaneska da Silva Baruki, de Corumbaíba, e André Lacerda.
Mutirão previdenciário
Com 600 audiências previstas para serem efetivadas em apenas três dias, foi realizado também nesta quinta-feira (17) no Centro de Pacificação Social de Uruaçu um grande mutirão previdenciário voltado ao atendimento de idosos carentes. Cerca de 40 voluntários e servidores da comarca estão atuando na ação, que será concluída na tarde desta sexta-feira (18). De acordo com o juiz Murilo Faria, a estimativa é de que sejam efetuados de 200 a 300 acordos nesse período. “Não podemos garantir que sejam solucionados em 100% dos casos, mas estamos vários passos à frente para a resolução efetiva dos conflitos sociais”, asseverou.
Na opinião de Murilo Faria, que participou de todas as inaugurações de CPS, a implantação de centros de pacificação no Estado é de suma importância, pois ajudará a amenizar dificuldades enfrentadas principalmente em áreas de grande fluxo processual como a cível e a previdenciária. Ele também lembrou que por se tratar de uma fase pré-processual, a maioria das pendências é solucionada por meio de acordos, restabelecendo, assim, o relacionamento entre as partes. “Mais importante que solucionar os conflitos é recuperar a convivência amigável dos dois lados. A decisão judicial é uma medida imposta e nem sempre agrada as partes. A mediação é sem sombra de dúvida, a única forma de alcançar efetivamente a paz social”, ressaltou.
De acordo com o idealizador do projeto, o Centro de Pacificação Social de Uruaçu, inaugurado em agosto do ano passado realiza cerca 50 atendimentos por dia. Segundo ele, os índices de criminalidade caíram acentuadamente no município com iniciativas simples, como a realização de palestras nas escolas feitas por policiais. O magistrado adiantou o índice de acordos é de aproximadamente 82%. Para Murilo, este percentual é de extrema importância para a sociedade. “Esses acordos deixaram de se tornar processos judiciais. É o resgate à credibilidade da população junto ao Poder Judiciário”, pontuou.
Após ingressar com um processo na Justiça há cerca de oito meses, o trabalhador rural Artur Alves da Silva Filho, de 88 anos, teve seu pedido negado e recorreu ao CPS. Acometido por várias doenças, entre elas derrame e problemas de visão, sem dinheiro para comprar remédios e comida o idoso, que perdeu a companheira há apenas seis meses, se viu numa situação desesperadora. Contudo, ao recorrer hoje ao CPS conseguiu o benefício em apenas cinco minutos. “Nem tenho palavras para agradecer. Tenho passado muitas necessidades e sustento meus três netos. Aqui recuperei minha fé no ser humano”, emocionou-se.
OVJ ganha primeira sala própria no CPS de Estrela do Norte
Ao ser presenteada com a primeira sala destinada à OVJ no CPS de Estrela do Norte, Dona Socorro falou sobre a expansão da instituição pelo Estado, a responsabilidade das mulheres dos magistrados que a representam nas comarcas e a importância do trabalho voluntário e social. “Nossa intenção é minimizar as desigualdades sociais, disseminar o amor ao próximo e contribuir para uma sociedade mais pacífica e humana. Com essa sala nossa semente está plantada e todos podem receber a ajuda que precisam. Meu coração está em festa”, comoveu-se.
Na ocasião, a OVJ promoveu ainda a doação de vários roupas e gêneros alimentícios. Para o Lar de Idoso Flor de Acácias de Uruaçu foram destinadas 92 calças e bermudas jeans, 26 camisetas, 5 caixas com 24 latas de extrato de tomate. Já a comunidade de Estrela do Norte recebeu 112 calças e bermudas jeans, 126 camisetas e 5 caixas com 24 caixas de extrato de tomate.
Sobre o CPS
Projeto pioneiro no País, de autoria do juiz Murilo Faria, recomendado a todos os juízes de Goiás pelo presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), desembargador Paulo Teles, e também pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e adotado como medida de boas práticas pelo órgão, o bom exemplo do Centro de Pacificação se tornou referência nacional num curto espaço de tempo. O primeiro CPS do Brasil, implantado na comarca de Uruaçu no ano passado, possui 400 metros quadrados e funciona com o apoio da comunidade, de advogados e diversos outros profissionais que trabalham voluntariamente no atendimento à população.
São realizados diariamente 80 atendimentos diários à população. O CPS dá continuidade ao projeto Justiça Global que é realizado em Uruaçu há nove anos por Murilo Faria em parceria com a organização não-governamental Defensoria do Meio Ambiente de Uruaçu e com o Conselho da Comunidade local. Há quatro anos foi também criado um programa de rádio semanal, na emissora local. Em 29 de março deste ano, o TJGO firmou um Termo de Cooperação Mútua com a universidade para a criação do CPS visando também o cumprimento da Recomendação nº 8, de 27 de fevereiro de 2007, do CNJ, que dispõe sobre o planejamento e a execução de ações referentes ao Movimento pela Conciliação, além de possibilitar maior efetividade na entrega da prestação jurisdicional e incentivar a cultura da pacificação social.
Em Goiás, o CPS já foi implantado, além de Uruaçu, em Mutunópolis e Anápolis, onde já está em pleno funcionamento. Serão instaladas em breve novas unidades do CPS nas comarcas de Goiânia, prevista para o próximo dia 30, Barro Alto, que terá sede própria, Porangatu, Itapaci, Aparecida de Goiânia, Valparaíso de Goiás e Taguatinga.