O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) noticiou, recentemente, que o órgão estuda nova regulamentação para a realização de concursos públicos pelo Poder Judiciário. A expectativa é de que o estabelecimento de normas mais claras reduza a quantidade de questionamentos e recursos contra os concursos para ingresso na magistratura. Atualmente, os certames são regidos pela Resolução 75 do CNJ que, de acordo com o presidente da Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas, conselheiro José Lúcio Munhoz, já é um grande avanço, mas "traz circunstâncias pouco explícitas e é omissa em alguns pontos". Para falar sobre o tema, de grande relevância e interesse para candidatos e alunos que pretendem ingressar na carreira, entrevistamos o professor do Módulo I do Curso Preparatório à Magistratura - promovido pela Escola Superior da Magistratura (ESMEG) -, juiz de Direito titular do 2º Juizado Especial Cível da comarca de Anápolis e integrante da Turma Recursal Cível-Criminal da 3ª Região, Aldo Guilherme Saad Sabino de Freitas. O magistrado considera o exame psicotécnico assunto bastante delicado, no tocante à subjetividade que cerca uma das fases do certame. "Ele tem por objetivo selecionar o vocacionado e excluir quem 'não é'. E essa tarefa é muito difícil. Como fazer uma análise prospectiva da vida do magistrado? Como saber se ele será um bom juiz ou não?", questiona. Aldo Sabino esboçou ainda certo receio de que "se crie uma regra inexequível ou uma injustiça". O juiz deixou essas e outras indagações que merecem reflexões acerca do tema abordado em entrevista concedida ao portal da ESMEG.
ESMEG - É, de fato, grande a quantidade de recursos contra os concursos de ingresso na magistratura? Por qual razão?
Aldo Sabino - A maioria dos recursos contra os concursos se voltam contra o exame psicotécnico, quando ele ocorre, pelo subjetivismo que ele encerra. Lógico que ocorre também contra questões objetivas mal elaboradas e de múltipla escolha dúbia, mas há um número grande de recursos contra reprovações psicotécnicas.
ESMEG - Em Goiás isso também ocorre?
Aldo Sabino - No Brasil inteiro ocorre. O exame psicotécnico realmente traz uma certa dificuldade pelo subjetivismo. Ele tem por objetivo selecionar o vocacionado e excluir quem "não é". E essa tarefa é muito difícil.
ESMEG - Necessita-se de uma regulamentação de fato mais clara, que explicite melhor as regras de ingresso na carreira?
Aldo Sabino - Esse é um assunto dificílimo de ser tratado, que é o de saber se a gente precisa mexer na estrutura do concurso. Hoje ele é um concurso que, até o presente momento, tem dado certo. Concurso de quatro, cinco fases, às vezes. Ele aborda o conhecimento objetivo, a escrita do candidato, a qualidade das sentenças elaboradas e há um contato na prova oral. O CNJ e as escolas têm trabalhado no sentido de uma quinta fase, que está em etapa de implementação, mas já existem concursos em andamento em que será aferida a vocação, o dom do magistrado. É aí que está o grande problema. Porque aferir conhecimento objetivo é mais simples do que você ingressar no meandro de descoberta de vocação. Você pode fazer justiça com esse método? Pode. Mas pode fazer uma grande injustiça. Às vezes o candidato é preparado, mas não consegue se sair bem numa prova de cunho subjetivo como esse. É difícil.
ESMEG - Além dos aspectos práticos e teóricos inerentes à função dos juízes, os concursos para a magistratura, nos moldes do que vem sendo aplicado, são eficientes na avaliação do preparo dos candidatos frente às novas demandas sociais, considerando aspectos peculiares das regiões onde vão atuar?
Aldo Sabino - Como determina a Constituição, o concurso tem que cobrar conhecimento objetivo do candidato. Ou seja, quem sabe mais, deve passar. É justamente o mérito exigido. Agora, a zona fronteiriça difícil é avaliar o dom. Para isso não tenho uma solução e tenho muito medo de que se crie uma regra inexequível ou crie uma injustiça. Porque se ele mostrou conhecimento objetivo, se ele mostrou que estudou para passar e que tem a capacidade de exercer o mister de juiz, será que seria justo estabelecer alguma fase com caráter subjetivo para avaliarmos a vocação? E que critério é esse para avaliar isso? Será que não seria melhor, depois que o magistrado ingressar na carreira, a corregedoria atuar com mais eficiência, os órgãos correicionais do CNJ atuarem com maior rigor? Não sei. Eu faço questionamentos. Mas revelo que tenho temor e se hoje me submetesse a algum concurso, enfrentaria todas as fases com tranquilidade. Mas nesse aspecto subjetivo ninguém sabe o que pode acontecer. Avaliar a vocação com qual critério? Quem tem capacidade de estabelecer se um jovem entre 25 e 28 vai ser um bom juiz ou não? Como saber disso? Eu mesmo talvez tenha me descoberto como um magistrado vocacionado depois de três, quatro, cinco anos de magistratura. Então, o ser humano está em constante mudança e todos os dias, como juiz, eu aprendo.
ESMEG - Uma das mudanças propostas é que as escolas da magistratura tenham papel fundamental no processo seletivo, definindo, assim, o perfil do juiz que se busca aprovar. Como avaliam isso?
Aldo Sabino - Em que base essa escola vai participar? Ela vai poder eliminar o candidato? Baseada em que critério? Ela vai fazer prova com ele? Mas ele já não foi aprovado? A que tipo de prova vou submetê-lo? Será que o meu subjetivismo, no caso de ser um dos examinadores, não irá prevalecer? Então a pessoa já foi submetida a quatro fases, entrou no concurso, e para ter passado tem que ser alguém preparado, porque ninguém passa num concurso de juiz por sorte. Psicologicamente, para você se submeter a uma prova oral, você já tem que ter um preparo profissional. Tanto que poucos chegam.
ESMEG - Alguma outra consideração sobre o assunto?
Aldo Sabino - Valorizo muito a pessoa. Acho que quem estuda, tem que ter privilégio. Eu tenho medo do critério a ser estabelecido por essa nova regulamentação. Quem vai estabelecer? Um psicólogo? O subjetivismo amedronta. Como fazer uma análise prospectiva da vida do magistrado? Eu, por exemplo, tenho notícias de juízes que foram rejeitados em provas de cunho subjetivo, como os exames psicotécnicos ou vocacionais, e que conseguiram entrar na carreira através de mandado de segurança e demonstraram que são muito bons, proferem grandes decisões que são reconhecidas até nacionalmente. Então, essa análise prospectiva é imprecisa, porque ninguém é Deus pra saber se o candidato vai ser um bom juiz ou não.