Reprodução de texto publicado na seção Carta dos Leitores, na edição do Jornal O Popular deste sábado (14/5), de autoria da juíza aposentada e advogada, Maria Luiza Póvoa Cruz, que também é Diretora Cultura da ASMEGO e presidente do IBDFAM-GO:
Quarentena do magistrado
No ano de 2010, após ter me aposentado e estar regularmente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Goiás, fui surpreendida com decisão judicial do primeiro grau, que atendendo requerimento do advogado da parte ex-adversa, afastou-me do processo, fundamentando em consulta formulada por um magistrado, em 2005, ao Conselho Nacional de Justiça.
Recentemente, decisão de uma Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás reconheceu em um único processo, objeto de agravo de instrumento, que o magistrado aposentado possui influência, e que, portanto, deve ficar sem advogar na Comarca da qual se aposentou, pelo período de três anos, fundamentando na interpretação do Artigo 95, Inciso V, da Constituição Federal.
Não é a minha vontade, advogar "minha causa", muito menos trazer considerações de ordem técnica: o que seria juízo? O que seria comarca? Que norma restritiva se interpreta restritivamente, e não extensivamente? Como também, que o exercício da advocacia é matéria institucional, não é matéria a ser decidida pelo órgão jurisdicional, mas sim, pela Ordem dos Advogados. Mas, essas considerações deixo para os autos, para análise dos julgadores, dos Tribunais Superiores.
Mas, o que me causa grande perplexidade é reconhecer que um magistrado de primeiro grau possui uma grandiosa influência, em toda comarca que, diga-se de passagem, possui mais de cem juízos e uma população que ultrapassa 1 milhão de pessoas. Mais ainda, é entender, considerar que todo magistrado que se aposenta, vai viver de influência sobre os outroras pares. E, triste, que creditem aos magistrados da ativa, a pecha da parcialidade.
Pelo período de 21 anos, exerci a magistratura de meu Estado, com imparcialidade, diligência, e respeito aos jurisdicionados; de igual forma, são os magistrados do meu Estado, homens probos, honrados, imparciais, que honram e dignificam o cargo que exercem.
É verdade que tenho bons relacionamentos na classe a que outrora pertenci, é curial, nessa classe estive por duas décadas. E, uma década como serventuária da Justiça. Mas, daí a entender que todo juiz que se aposenta exercerá forte influência sobre a classe a que pertencia, é imputar ao magistrado que se aposentou, como a toda a classe, a conduta da parcialidade.
O magistrado tem a dignidade da ausência de suspeição no uso de seu livre convencimento. E, o advogado, por sua vez, exercendo função pública (artigo 133, da CF), exerce sua atividade com dignidade e independência.
No Estado Democrático de Direito, onde o Judiciário vem exercendo uma função legislativa positiva, quiçá poderia considerar a flagrante inconstitucionalidade do artigo 95, inciso V, da CF, que proíbe o juiz aposentado de advogar no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento. Isto porque, embora se trate da Emenda Constitucional 45/04, é eminentemente inconstitucional pela sua origem porque editada e promulgada por quem não possui competência para tanto.
MARIA LUIZA PÓVOA CRUZ
Magistrada aposentada e advogada