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Orquestra criada por juiz dá oportunidades a jovens carentes em Coque (PE)

Orquestra Cidadã, Calini Brito | Foto: Divulgação PE Orquestra Cidadã, Calini Brito | Foto: Divulgação PE

Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu a Orquestra como uma boa prática de inclusão social, em dezembro de 2010


Moradora da comunidade do Coque, a mais violenta e de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Recife (PE), aos 13 anos, Calini Brito ouviu uma música diferente vindo da casa vizinha e nem desconfiava que aquele momento iria mudar o seu destino. Era o seu primo, um pouco mais velho, que ensaiava violino após voltar da Orquestra Criança Cidadã, um projeto que nasceu no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Hoje, a iniciativa atende gratuitamente a 330 jovens, entre 6 e 24 anos. Os meninos permanecem no projeto cinco horas por dia e, além das aulas de instrumentos de corda e de sopro, contam com apoio pedagógico, atendimento psicológico, médico e odontológico, aulas de inclusão digital, fornecimento de três refeições por dia e fardamento.


A Orquestra Criança Cidadã, que hoje também possui um núcleo no distrito de Camela, no município do Ipojuca (PE), é um projeto social gerido pela Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC), fundada em 2000 pelo então presidente do TJPE, desembargador Nildo Nery dos Santos. A “Orquestra Meninos do Coque” foi idealizada pelo juiz titular da 9ª Vara de Família de Recife e juiz corregedor auxiliar do TJPE, João José Rocha Targino, com a intenção de frear o avanço da violência por meio da acolhida de famílias em situação de vulnerabilidade. O espaço para a orquestra foi cedido pelo Exército Brasileiro, o que conferiu segurança para que as crianças pudessem estudar em uma área militar protegida em meio à comunidade.


Apesar de não tocar instrumento algum, o magistrado teve a experiência de observar um coral de crianças de rua em apresentação no TJPE e notou o quanto a música transformava vidas. “O objetivo foi levar cidadania e inserir socialmente aqueles jovens da comunidade do Coque, que era um bairro muito estigmatizado pelo alto índice de delinquência infanto-juvenil, drogas e prostituição”, conta o juiz Targino.


Oportunidades no exterior


Por meio de parcerias de instituições públicas e privadas, a orquestra já enviou participantes para estudar Música na Polônia, Áustria, República Tcheca, Alemanha e no México. Calini foi uma das estudantes e, hoje com 19 anos, acaba de voltar de um intercâmbio proporcionado pelo projeto no México, em que estudou idiomas e violino no Instituto La Salle.


Quando entrou para a orquestra, Calini pensava que jamais conseguiria de fato aprender o instrumento. “Escutava meu primo tocar e achava bonito, mas nunca tive nenhum conhecimento de música clássica. Consegui entrar para a orquestra e descobri um talento que eu nunca saberia de outra forma”, conta Calini, que pretende voltar ao México para iniciar seus estudos em uma universidade.


Para o juiz Targino, a força do exemplo, assim como ocorreu com Calini, tem sido o principal atrativo para que os jovens entrem na orquestra. “Os participantes almejam se tornar monitores, assistem apresentações da orquestra e a arma deles passa a ser o violino”, diz. Calini reconhece que a oportunidade na orquestra mudou radicalmente o seu caminho. “Quase todas as minhas amigas aqui do Coque que não tiveram a mesma oportunidade engravidaram com cerca de 13 anos, se envolveram com homens do tráfico e acabaram entrando no mundo do crime”, relata. Segundo ela, a comunidade ainda é muito violenta, mas os criminosos costumam respeitar quem está com o uniforme da orquestra, considerada hoje o orgulho do Coque.


Dificuldades no início


O juiz Targino conta que, no início, muitos pais desconfiavam do trabalho da orquestra e os maestros conviviam com o preconceito. “A gente ouvia alguns pais falarem que tocar instrumentos como violino era de ‘bicha’”, afirma. Outro problema que os maestros enfrentaram foi o fato de que, mesmo cursando o 3º ou 4º ano do Ensino Fundamental, muitos alunos não sabiam ler. “A gente descobriu na hora em que mostrou a partitura para eles. Tivemos que contratar uma pedagoga para auxiliar na alfabetização, dar um passo atrás para, então, começar a ensinar música”, conta o juiz Targino.


Estar na escola é requisito fundamental para que as crianças possam ingressar na orquestra. Além disso, são feitos diversos testes, como o de conhecimentos em português e matemática, avaliação psicológica e aptidão musical. “A criança não precisa saber tocar nada, mas avaliamos a vocação para a música”, diz.


Hoje, a fila para conseguir entrar na orquestra é muito grande e nem sempre é possível conseguir uma vaga. Diego Dias, 18 anos, atualmente monitor da Orquestra Meninos do Coque, conseguiu entrar para a orquestra aos 12 anos, selecionado entre 80 candidatos. “No início, meu pai não gostava, achava que aquilo de música não ia dar em nada. Hoje eu sou seu maior orgulho”, destaca Diego, que toca violoncelo e estuda música na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Assim como muitos jovens, Diego conseguiu ingressar na universidade pública graças ao bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), após cursar o Ensino Médio no Colégio Motivo, uma escola particular de alto custo, que oferece bolsa integral aos meninos da orquestra. “A Orquestra muda a perspectiva de muitos jovens e, ainda que não queiram seguir a carreira musical, saem de lá bem encaminhados”, conta Diego.


Mais sobre a Orquestra


Os alunos da orquestra recebem aulas de instrumentos de corda, percussão, teoria musical, flauta doce e canto coral, além de instrumentos de sopro – flauta transversa, oboé, clarinete, trompa e fagote. O método utilizado para o ensino é o Suzuki, criado pelo professor japonês Shinichi Suzuki, que prevê o aprendizado de forma lúdica, ou seja, a criança aprende brincando. A Orquestra também garante a profissionalização dos alunos por meio da Escola de Formação de Luthier e Archetier, uma arte rara e complexa, onde os aprendizes são treinados na arte da construção e do reparo dos instrumentos de corda.


Os alunos permanecem no projeto por um período de cinco horas, sempre no contraturno escolar, das 7h30 às 18h30. Entre as atividades extracurriculares oferecidas, estão, além de cursos em parceria com universidades, intercâmbios na Europa, direcionados aos alunos de destaque.


Em seus nove anos de existência, recebeu mais de 20 prêmios, incluindo o Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local, de âmbito nacional. Na esfera internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu a Orquestra como uma boa prática de inclusão social, em dezembro de 2010. No website do projeto, é possível obter informações detalhadas sobre a Orquestra Criança Cidadã.


Fonte: Luiza de Carvalho Fariello | Agência CNJ de Notícias